O jabuti entrou num oco de pau
e começou a tocar a sua gaitinha. A caipora, lá longe, ouviu e disse: "Não
pode ser outro senão o jabuti. Vou agarrá-lo."
Veio vindo. Parou perto do
oco, a escutar.
Li, ri, li, ri...
Lé, ré, lé, ré...
— Olá, jabuti!
— Oi! — respondeu o tocador de
gaita.
— Saia do buraco, jabuti, para
vermos qual de nós dois tem mais força.
O jabuti saiu, enquanto a
caipora cortava um cipó.
— Eu puxo uma ponta e você
outra — eu em terra e você n'água.
— Pois vamos a isso, caipora —
respondeu o jabuti.
O jabuti entrou na água e
amarrou a ponta do cipó no rabo dum pirarucu, que é o peixe de rio maior que
há. A caipora, lá em terra, puxou o cipó — mas o pirarucu a arrastou para a
beira d'água; e como não tinha mais força, foi puxando-a para dentro do rio. O
jabuti, que já estava em terra, bem escondidinho no mato, ria-se, ria-se.
Não podendo mais de tão
cansada, a caipora gritou:
— Basta! Você venceu.
O jabuti, sempre a rir-se,
entrou n'água e foi desatar o cipó do rabo do pirarucu. Em seguida voltou para
terra.
— Está cansado, jabuti? —
perguntou a caipora.
— Cansado, eu? Nem um
tiquinho! — e a caipora viu mesmo que nem suado estava. Não teve remédio senão
confessar que o jabuti era mais valente do que ela — e lá se foi muito
desapontada.
***
— Sempre a esperteza vencendo
a burrice! — observou Emília. — Mas que bicho caipora é esse?
— A caipora — explicou dona
Benta — é um dos monstros inventados pela imaginação da nossa gente do mato.
Vocês bem sabem que para o povo existem na natureza muito mais coisas do que os
naturalistas conhecem, como lobisomens, sacis, mulas-sem-cabeça que vomitam
fogo pelas ventas e também caiporas.
— Mas como é a caipora?
— Dizem que é um bicho peludo
que gosta muito de fumar. Cerca os viajantes nas estradas, de noite, para pedir
fumo para o cachimbo. Descrever como é a caipora não é fácil, porque as coisas
que só existem na imaginação do povo variam de lugar em lugar. Aqui é dum
jeito, ali é do outro. Se querem saber como é a caipora, perguntem ao tio
Barnabé. Só negro velho entende bem disso.
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Notas:
Extraído da obra: Histórias de Tia Nastácia.
Transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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