O Fisco (Conto de Natal)
PRÓLOGO
No princípio era o pântano, com valas de agrião e rãs coaxantes. Hoje é o parque do Anhangabaú, todo ele relvado, com ruas de asfalto, pérgola grata a namoricos noturnos, e Eva de Brecheret, a estátua dum adolescente nu que corre – e mais coisas. Autos voam pela vida central, e cruzam-se pedestres em todas as direções. Lindo parque, civilizadíssimo.
Atravessando-o certa tarde, vi formar-se ali um bolo de gente, rumo ao qual vinha vindo um polícia apressado.
– Fagocitose, pensei. A rua é a artéria; os passantes, o sangue. O desordeiro, o bêbado, o gatuno são os micróbios maléficos, perturbadores do ritmo circulatório. O soldado de polícia é o glóbulo branco – o fagócito de Metchenikoff. Está de ordinário parado no seu posto, circunvagando olhares atentos. Mal se congestiona o tráfego pela ação antissocial de desordeiro, o fagócito move-se, caminha, corre, cai afunda sobre o mau elemento e arrasta-o para o xadrez.
Foi assim naquele dia. Dia sujo, azedo. Céu dúbio, de decalcomania vista pelo avesso. Ar arrepiado.
Alguém perturbara a paz do jardim, e em redor desse rebelde logo se juntou um grupo de glóbulos vermelhos, vulgo passantes. E lá vinha agora o fagócito fardado restabelecer a harmonia universal.
O caso girava em torno de uma criança maltrapilha, que tinha a tiracolo uma caixa tosca de engraxate, visivelmente feita pelas suas próprias mãos.
Muito sarapantado, com lágrimas a brilharem nos olhos cheios de pavor, o pequeno murmurava coisas de ninguém atendidas. Sustinha-o pela gola um fiscal da Câmara.
– Então seu cachorrinho, sem licença, hein? – exclamava, entre colérico e vitorioso, o mastim municipal, focinho muito nosso conhecido. – É um que não é um mas sim legião, e sabe ser tigre ou cordeiro conforme o naipe do contraventor.
A miserável criança evidentemente não entendia, não sabia que coisa era aquela de licença, tão importante, reclamada assim a empuxões brutais. Foi quando entrou em cena a polícia.
Este glóbulo branco era preto. Tinha beiço de sobejar e nariz invasor de meia cara, aberto em duas ventas acesas, relembrativas das cavernas de Trofônio. Aproximou-se e rompeu o magote com um napoleônico – “Espalha!”.
Humildes elas se abriram àquele Sésamo, e a Autoridade, avançando, interpelou o fisco:
– Que encrenca é esta, chefe?
– Pois este cachorrinho não é que está exercendo ilegalmente a profissão de engraxate? Encontrei-o banzando por aqui com estes troços, a fisgar com os olhos os pés dos transeuntes e a dizer “engraxa, freguês”. Eu vi a coisa de longe. Vim pé ante pé, disfarçando e, de repente, nhoc! “Mostre a licença”, gritei. “Que licença?”, perguntou ele, com arzinho de inocência. “Ah, você diz que licença, cachorro? Está me debochando, ladrão? Espera que te ensino o que é licença, trapo!” e agarrei-o. não quer pagar a multa. Vou levá-lo ao depósito, autuar a infração para proceder de acordo com as posturas – concluiu um soberbo entono o cariado canino de Maxila fiscal.
– É isso mesmo. Casca-lhe!
E chiando por entre os dentes uma cusparada de esguicho, deu a sua sacudidela suplementar no menino. Depois voltou-se para os basbaques de ordenou com império de soba africano:
– Circula, paisanada! É “purivido” ajuntamentos demais de um.
Os glóbulos vermelhos dispersaram-se em silêncio. O buldogue lá seguiu com o pequeno nas unhas. E o Pau-de-fumo, em atitude de Bonaparte em face das pirâmides, ficou, de dedo no nariz e boca entreaberta, a gozar a prontidão com que, num ápice, sua energia resolvera o tumor maligno formado na artéria sob a sua fiscalização.
O BRÁS
Também lá, no princípio, era o charco – terra negra, fofa, turfa tressuante, sem outra vegetação além dessas plantinhas miseráveis que sugam o lodo como minhocas.
Aquém da várzea, na terra firme e alta, São Paulo crescia. Erguiam-se casas nos cabeços, e esgueiravam-se ladeiras encostas abaixo: a Boa Morte, o Carmo, o Piques; e ruas, Imperador, direita, São Bento.
Poetas cantavam-lhe as graças nascentes:
Ó LIBERDADE, Ó PONTE GRANDE, Ó GLÓRIA…
Deram-lhe um dia o viaduto do chá, esse arrojo… os paulistanos pagavam sessenta réis para, ao atravessá-lo, conhecerem a vertigem dos abismos. E em casa narravam a aventura às esposas e mães, pálidas de espanto. Que arrojo de homem, o Jules Martin que construíra aquilo!
Enquanto São Paulo crescia o Brás coaxava. Enluravam-se naquele brejal legiões de sapos e rãs. À noite, do escuro da terra um coral subia de coaxos, pan-pans de ferreiro, latidos de miumbias, glus-glus de untanhas; e, por cima, no escuro do ar, vaga-lumes ziguezagueantes riscavam fósforos às tontas.
E assim foi até o dia da avalanche italiana.
Quando lá no Oeste a terra roxa se revelou mina de ouro das que pagam duzentos por um, a Itália vazou para cá a espuma da sua transbordante taça de vida. E São Paulo, não bastando ao abrigo da nova gente, assistiu, Antônio, ao surto do Brás.
Drenos sangraram em todos os rumos o brejal turfoso; a água escorreu; os espavoridos sapos sumiram-se aos pulos para as baixadas do Tietê; rã comestível não ficou uma para memória da raça; e, breve, em substituição aos guembês, ressortiu a cogumelagem de centenas e centenas de casinhas típicas – porta, duas janelas e platibanda.
Numerosas ruas, alinhadas na terra cor de ardósia, que já o sol ressequira e o vento erguia em nuvens de pó negro, margearam-se com febril rapidez desses prediozinhos térreos, iguais uns aos outros, como saídos do mesmo molde, pífios, mas únicos possíveis então. Casotas provisórias, desbravadoras da lama e vencedoras do pó, à força de preço módico.
E o Brás cresceu, espraiou-se de todos os lados, comeu todo o barro preto da Mooca, bateu estacas no Marco da Meia Légua, lançou-se rumo á penha, pôs de pé igrejas, macadamizou ruas, inçou-se de fábricas, viu surgirem avenidas e vida própria, e cinemas, e o Colombo, e o namoro, e o corso pelo carnaval. E lá está hoje enorme, feito a cidade do Brás, separado de São Paulo pelo faixão vermelho da várzea aterrada – Pesth desta Buda à beira do Tamanduateí plantada.
São duas cidades vizinhas, distintas de costumes e de almas já bem diversas. Ir ao Brás é uma viagem. O Brás não é ali, como o Ipiranga; é lá do outro lado, embora mais perto que o Ipiranga. Diz-se – vou ao Brás, como quem diz – vou à Itália. Uma agregada como um bom bócio recente e autônomo a uma urbes antiga, filha do país; uma Itália função da terra negra, italiana por sete décimos e “algo nuevo” pelos restantes.
***
O Brás trabalha de dia e à noite gesta. Aos domingos fandanga ao som do bandolim. Nos dias de festa nacional (destes tem predileção pelo 21 de abril: vagamente o Brás desconfia que o barbeiro da inconfidência, porque barbeiro, havia de ser um patrício), nos dias feriados o Brás vem a São Paulo. Entope os bondes no travessio da Várzea e cá ensardinha-se nos autos: o pai, a mãe, a sogra, o genro e a filha casada no banco de trás; o tio, a cunhada, o sobrinho e o Pepino escoteiro no da frente; filhos miúdos por entremeio; filhos mais taludos ao lado do motorista; filhos engatinhantes debaixo dos bancos; filhos em estado fatal no ventre bojudo das matronas. Vergado de molas, o carro geme sob a carga e arrasta-se a meia velocidade, exibindo a Paulicéia aos olhos arregalados daquele exuberante cacho humano.
Finda a corrida, o auto debulha-se do enxame no triângulo e o bando toma de assalto as confeitarias para um regabofe de espumones, gasosas, croquetes. E tão a sério toma a tarefa, que ali pelas nove horas não restam iscas de empada nos armários térmicos, nem vestígios de sorvete no fundo das geladeiras. O Brás devora tudo, ruidosa, alegremente e, com massagens ajeitadoras do abdome, sai impando bem-aventurança estomacal. Caroços de azeitonas, palitos de camarões, guardanapos de papel, pratos de papelão seguem nas munhecas da petizada como lembrança da festa e consolo ao bersalherezinho que lá ficou de castigo em casa, berrando com goela de Caruso.
Em seguida, toca para o cinema! O Brás abarrota os de sessão corrida. O Brás chora nos lances lacrimogêneos da Bartini, e ri nas comédias a gás hilariante da L-Ko mais do que autorizam os mil e cem de entrada. E repete a sessão, piscando o olho: é o jeito de dobrar a festa em extensão e obtê-la a meio preço – 550 réis, uma pechincha.
***
As mulheres do Brás, ricas de ovário, são vigorosíssimas de útero. Desovam quase filho e meio por ano, sem interrupções, até que se acabe a corda ou rebente alguma peça essencial da gestatória.
É de vê-las na rua. Bojudas de seis meses, trazem um pepininho à mão e um choramingas à mama. À tarde o Brás inteiro chia de criançalha a chutar bolas de pano, a jogar pião, ou a piorra, ou o tento de telha, ou o tabefe, com palavreados mistos de português e dialetos de Itália . mulheres escarrancadas às portas, com as mãos ocupadas em manobras de agulha de osso, espigaitam para os maridos os sucessos do dia, que eles ouvem filosoficamente, cachimbando calados ou confiando a bigodeira à Humberto primo.
De manhã esfervilha o Brás de gente estremunhada a caminho das fábricas.
A mesma gente reflui à tarde aos magotes – homens e mulheres, de cesta no braço, ou garrafas de café vazias penduradas no dedo; meninas, rapazes, raparigotas de pouco seio, galantes, tagarelas, com o namorente.
Desce a noite, e nos desvãos de rua, nos becos, nas sombras, o amor lateja. Ciciam vozes cautelosas das janelas para os passeios; pares em conversa disfarçada nos portões emudecem quando passa alguém ou tosse lá dentro o pai.
Durante o escuro das fitas, nos cinemas, há contatos longos, febricilantes; e quando nos intervalos irrompe a luz, não sabem os namorados o que se passou na tela – mas estão de olhos langues, em quebreira de amor.
É o latejar da messe futura. Todo aquele eretismo por música, com cicios de pensamentos de cartão postal, estará morto no ano seguinte – legalizado pela igreja e pelo juiz, transfeita a sua poesia em choro de crianças e nas trabalhadeiras sem fim da casa humilde.
Tal menina rosada, leve de andar, toda requebros e dengues, que passa na rua vestida com graça e atrai os olhares gulosos dos homens, não a reconhecereis dois anos depois na lambona filhenta que deblantera com verdureiro a propósito do feixe de cenouras em que há uma menor que as outras...
Filho da lama negra, o Brás é como ela um sedimento de aluvião. É São Paulo, mas não é a Paulicéia. Ligados pela expansão urbana, separa-os uma barreira. O velho caso do fidalgo e do peão enriquecido...
PEDRINHO, SEM SER CONSULTADO, NASCE
Viram-se ele e ela. Namoraram-se. Casaram.
Casados, proliferaram.
Eram dois. O amor transformou-se em três. Depois em quatro, em cinco, em seis…
Chamava-se Pedrinho o filho mais velho.
A VIDA
De pé, na porta, a mãe espera o menino que foi à padaria. Entra o pequeno com as mãos abandonado.
– Diz que subiu; custa agora oitocentos.
A mulher, com uma criança ao peito, franze a testa, desconsolada.
– Meus Deus! Onde iremos parar? Ontem era a lenha: hoje é o pão… tudo sobe. Roupa, pela hora da morte. José ganhando sempre a mesma coisa. Que será de nós, Deus do céu!
E voltando-se para o filho:
– Vá a outra padaria, quem sabe lá… se for a mesma coisa, traga só um pedaço.
Pedrinho sai. Nove anos. Franzino, doentio, sempre mal alimentado e vestido com os restos das roupas do pai.
Trabalha este no moinho de trigo, ganhando jornal insuficiente para manutenção da família. Se não fosse a bravura da mulher, que lavava para fora, não se sabe como poderiam substituir. Todas as tentativas feitas com intuito de melhorarem de vida com indústrias caseiras esbarram no óbice tremendo do fisco. A fera condenava-os à fome. Assim escravizados, José perdeu aos poucos a coragem, o gosto de viver, a alegria. Vegetava, recorrendo ao álcool para alívio de uma situação sem remédio.
Bendito sejas, amável veneno, refúgio derradeiro do miserável, gole inebriante de morte que faz esquecer a vida e lhe resume o curso! Bendito sejas!
Apesar da moça, 27 anos apenas, mariana aparentava o dobro. A labuta permanente, os partos sucessivos, a chiadeira da filharada, a canseira sem fim, o serviço emendado com o serviço, sem folga outra além da que o sono força, fizeram da bonita moça que fora a escanzelada besta de carga que era.
Seus dez anos de casada!… Que eternidade de canseiras!…
Rumor à porta. Entra o marido. A mulher, ninando a pequena de peito, recebe-o com a má nova.
– O pão subiu, sabe?
Sem murmurar palavra o homem senta-se apoiando nas mãos a cabeça. Está cansado.
A mulher prossegue:
– Oitocentos réis o quilo agora. Ontem foi a lenha; hoje é o pão… e lá? Sempre aumentaram o jornal?
O marido esboçou um gesto de desalento e permaneceu mudo, com o olhar vago. A vida era um jogo de engrenagens de aço entre cujos dentes se sentia esmagar. Inútil, destino, sorte...
Na cama, à noite, confabulavam. A mesma conversa de sempre. José acabava gruninho rugidos surdos de revolta.
Falava em revolução, saque. A esposa consolava-o, de esperança posta nos filhos.
– Pedrinho tem nove anos. Logo estará em ponto de ajudar-nos. Um pouco mais de paciência e a vida melhora.
Aconteceu que nessa noite Pedrinho ouviu a conversa e a referência à sua futura ação. Entrou a sonhar. Que fariam dele? Na fábrica, como o pai? Se lhe dessem a escolher, iria a engraxador. Tinha um tio no ofício, e em casa do tio era menor a miséria. Pingavam níqueis.
Sonho vai, sonho vem, brota na cabeça do menino uma ideia, que cresceu, tomou vulto extraordinário e fê-lo perder o sono.. começar já, amanhã, por que não? Faria mesmo a caixa; escovas e graxa, com o tio arranjaria. Tudo às ocultas, para surpresa dos pais! Iria postar-se num ponto por onde passasse muita gente. Diria como os outros “engraxa, freguês!” e níqueis haviam de juntar-se no seu bolso. Voltaria para casa recheado, bem tarde, com ar de quem as fez… E mal mãe começasse a ralhar, ele taparia a boca despejando na mesa um monte de dinheiro. O espanto dela, a cara admirada do pai, o regalo da criançada com a perspectiva da ração em dobro! E a mãe a apontá-lo aos vizinhos: “Estão vendo que coisa? Ganhou, só ontem, primeiro dia, dois mil réis!” e a notícia a correr… e murmúrios na rua quando o vissem passar: “É aquele!”
Pedrinho não dormiu essa noite. De manhãzinha já estava a dispor a madeira dum caixote velho sob forma da caixa de engraxate ao molde clássico. Lá a fez. Os preços, bateu com o salto de uma velha botina. As tábuas serrou pacientemente com um facão dentado. Saiu coisa tosca e mal-ajambrada, de fazer rir a qualquer carapina, e pequena demais – sobre ela só caberia um pé de criança igual ao seu. Mas Pedrinho não notou nada disso, e nunca trabalho nenhum de carpintaria lhe pareceu mais perfeito.
Conclusa a caixa, pô-la a tiracolo e esgueirou-se para a rua, às escondidas. Foi à casa do tio e lá obteve duas velhas escovas fora de uso, já sem pelos, mas que à sua exaltada imaginação se afiguraram ótimas. Graxa, conseguiu alguma raspando o fundo de quanta lata velha encontrou no quintal.
Aquele momento marcou em sua vida um apogeu de felicidade vitoriosa. Era como um sonho – e sonhando saiu para a rua. Em caminho viu o dinheiro crescer-lhe nas mãos, aos montes. Dava à família parte e o resto encafuava. Quando enchesse o canto da arca onde tinha suas roupas, montaria um “corredor”, pondo a jornal outros colegas. Aumentaria as rendas! Enriqueceria! Compraria bicicletas, automóvel, doces todas as tardes na confeitaria, livros de figuras, uma casa, um palácio, outro palácio para os pais. Depois…
Chegou ao parque. Tão bonito aquilo – a relva tão verde, tosadinha… Havia de ser bom o ponto. Parou perto de um banco de pedra e, sempre as futuras grandezas, pôs-se a murmurar para cada passante, fisgando-lhe os pés: “Engraxa, freguês!”
Os fregueses passavam sem lhe dar atenção. “É assim mesmo”, refletia consigo o menino, “no começo custa. Depois se afreguesam.”
Súbito, viu um homem de boné caminhando para seu lado. Olhou-lhe para as botinas. Sujas. Viria engraxar, com certeza – e o coração bateu-lhe apressado, no tumulto delicioso da estreia. Encarou o homem já a cinco passos e sorriu com infinita ternura nos olhos, num agradecimento antecipado em que havia tesouros de gratidão.
Mas em vez de lhe espichar o pá, o homem rosnou aquela terrível interpelação inicial:
– Então, cachorrinho, que é da licença?
EPÍLOGO? NÃO! PRIMEIRO ATO…
Horas depois o fiscal aparecia em casa de Pedrinho com o pequeno pelo braço. Bateu. O pai estava, mas quem abriu foi a mãe. O homem nesses momentos não aparecia, para evitar explosões. Ficou a ouvir do quarto o bate-boca.
O fiscal exigia o pagamento da multa. A mulher debateu-se, arrepelou-se. Por fim, rompeu em choro.
– Não venha com lamúrias – rosnou o buldogue, – conheço o truque dessa aguinha nos olhos. Não me embaça, não. Ou bate aqui os vinte mil réis, ou penhoro toda essa cacaria.
Exercer ilegalmente a profissão! Ora, dá-se! E olha cá madama, considere-se feliz de serem só vinte. Eu é de dó de vocês, uns miseráveis; se não aplicava o máximo. Mas se resiste dobro a dose!
A mulher limpou as lágrimas. Seus olhos endureceram, com uma chispa má de ódio represado a faiscar. O fisco, percebendo-o, motejou:
– Isso. É assim que as quero – tesinhas! ah! ah! ah! Mariana nada mais disse. Foi à arca, reuniu o dinheiro existente – dezoito mil réis ratinhados havia meses, aos vinténs, para o caso dalguma doença, e entregou-os ao fisco.
– É o que há – murmurou com tremura voz.
O homem pegou o dinheiro e gostosamente o afundou no bolso, dizendo:
– Sou generoso, perdoo o resto. Adeuzinho, amor! E foi à venda próxima beber dezoito mil réis de cerveja!
Enquanto isso, no fundo do quintal, o pai batia furiosamente no menino.
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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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