Havia uma disputa entre o cormorão
e o êider...
— Antes de mais nada — pediu
Narizinho — explique que bichos são esses.
— O cormorão é uma ave marinha
que tem um saco debaixo do bico. Uma ave com fama de ser a mais glutona de
todas. Por isso os homens de certas zonas utilizam-na para a pesca. Botam-lhe
uma argola no pescoço, debaixo do tal saco, de modo que o cormorão pesque o
peixe mas não possa engoli-lo. E o êider é um patão marinho dos países frios,
famoso pela maciez de sua pluma; muito usada para travesseiros e acolchoados.
Bem. O cormorão e o êider
andavam brigando justamente por causa da pluma. Cada qual queria ter o
privilégio de produzi-la. Por fim combinaram uma coisa. Ficaria com o
privilégio da pluma o que acordasse mais cedo e avisasse ao outro de que o sol
estava nascendo.
Disposto a ganhar a partida
custasse o que custasse, o cormorão resolveu passar a noite acordado. Já o êider
tratou de dormir o mais cedo possível. Sono, porém é sono. Quando chega não há
quem aguente, de modo que lá pela madrugada o cormorão estava de não poder mais
consigo. Tinha de fazer esforços tremendos para conservar os olhos abertos.
De repente não pôde mais,
cochilou — e teve um pesadelo, pondo-se a gritar: "O sol! O sol está
nascendo!
A gritaria acordou o êider,
que ficou a rir-se de ver o pobre cormorão naquela luta para resistir ao sono.
Por mais que fizesse, o sono o ia vencendo. Afinal sua cabeça pendeu e ele
dormiu duma vez.
Justamente nesse instante o
sol começou a levantar-se.
— O sol! O sol! Lá vem vindo o
sol! Ganhei! — gritou o êider. E teve de sacudir o cormorão para acordá-lo.
Desde então ficou o êider com
o privilégio das plumas maciíssimas — tudo porque soube fazer as coisas.
***
— Está aí um ponto meio
duvidoso — disse Pedrinho. — O êider não soube fazer nada — apenas dormiu. Teve
sorte, isso sim.
— Espere, Pedrinho. Note que o
cormorão, muito estupidamente, quis forçar a vitória, e a vitória não gosta de
vir desse modo. Já o êider respeitou as leis da natureza, não forçou coisa
nenhuma.
— Que lei?
— A lei do sono. A sabedoria
do êider foi tratar de dormir o mais cedo possível. Era o meio de estar bem
acordadinho à hora do nascer dó sol. O cormorão contrariou a lei do sono — e
pá! levou na cabeça.
— Por falar em êider, vovó,
não poderíamos criar essa ave aqui? — perguntou a menina. — Teríamos plumas
para os nossos travesseiros — coisa muito, melhor que macela.
— Pois eu em vez de plumas de êider
preferia papos de cormorão, para pescar de argola na lagoa — disse Emília.
— Impossível — respondeu dona
Benta. — Essas aves não aguentariam o nosso clima. Muito quente para elas.
— Poderiam dormir na geladeira
— lembrou Emília.
— Ei, ei, ei! — exclamou
Narizinho. — Eu já andava admirada dum livro inteiro sem uma asneirinha só...
— E agora vovó? — indagou
Pedrinho. — Que história vai contar?
— Creio que chega. Com tantas
histórias assim, vocês apanham uma indigestão.
— Mais uma apenas, para fechar
a série. Pedrinho pensou um bocado.
— Uma de onde?
— Uma do Rio de Janeiro, por
exemplo — uma bem carioca.
Dona Benta olhou para o forno.
Depois riu-se e contou "História dos dois ladrões".
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Notas:
Extraído da obra: Histórias de Tia Nastácia.
Transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
Ótimos livros, eu recordo dessa história, creio que na introdução falava algo sobre "contar uma história do Cáucaso", acho que era esta. É um ma pena que estão deturpando a obra de Lobato em nome debuma absurda"adequação" às manias políticas atuais.
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