Havia um homem com três
filhos: João, o mais velho; Manuel, o do meio: e José, o caçula. Um dia
os dois mais velhos se revoltaram contra o pai e fugiram de casa.O caçula foi e
disse: "Não se amofine, meu pai; sairei pelo mundo em busca de meus
irmãos."
E saiu. Foi andando, andando,
até que chegou à casa duma velha. — Que anda fazendo aqui por estas alturas,
menino? — perguntou a velha.
— Saí a correr mundo, em
procura de dois irmãos fugidos de casa.
— Pois vou te ajudar, menino,
disse a velha. Entras e dormes aqui. Amanhã conversaremos.
No outro dia a velha disse:
— O que tens de fazer é o
seguinte. Irás ao reino das Três Pombas, porque é lá que se acham os teus
irmãos. Encontrarás a cidade num grande rebuliço de festas, porque o rei vai
escolher o desencantador das três pombas que estão no fundo do mar. Dou-te esta
varinha de condão, toma-a. E também esta esponja. Mas muito cuidado para que
ninguém te veja com estes objetos, porque vai acontecer o seguinte: teus
próprios irmãos vão caluniar-te perante o rei, dizendo que te gabas de seres
capaz de descer ao fundo do mar, quebrar uma pedra que há lá e desencantar as
três pombas, que são três princesas.
Bem. O rei vai te chamar à sua
presença e te perguntará se isso é verdade. Responderás que é mentira, mas que
és capaz de fazer o desencantamento.
E então irás para a praia do
mar e lançarás na água a esponja: a esponja irá flutuando e tu a acompanharás a
nado até encontrares uma pedra. Baterás nessa pedra com a varinha de condão; a
pedra se abrirá e aparecerá uma serpente. Baterás na serpente e a serpente
adormecerá. Entrarás pela rachadura da pedra e encontrarás bem no fundo uma
caixa,
dentro da qual existe um ovo.
É um ovo de três gemas. Quebrarás esse ovo e darás a clara à serpente. Feito
isso, os teus trabalhos estarão terminados. As três gemas são as três
princesas.
A velha abençoou-o e José se
dirigiu para o reino das Três Pombas. Encontrou o reino das Três Pombas.
Encontrou o palácio em grandes festas e também viu seus irmãos. Falou com eles,
mas os malvados fingiram não conhecê-lo — e foram intrigá-lo com o rei, dizendo
que havia aparecido um grande gabola com prosa de que era capaz de desencantar
as princesas.
O rei chamou José à sua
presença e interpelou-o.
— Saiba Vossa Majestade que é
mentira, mas apesar disso estou pronto para desencantar as princesas.
O rei ficou admiradíssimo da
segurança com que o rapazinho afirmava tal coisa, e mandou que lhe pusessem um
navio à disposição. José respondeu que não era preciso — que iria a nado, e o
rei riu-se, porque era o absurdo dos absurdos.
No dia seguinte foi José à
praia do mar e lançou à água a esponja, que não afundava como fazem todas as
esponjas. E a esponja foi indo em certa direção e ele atrás, nadando, até que
chegou à pedra. Tirou a varinha da cintura e bateu. A pedra abriu-se e apareceu
a serpente. José bateu na serpente e a serpente adormeceu. Entrou então pela
rachadura da pedra e descobriu a caixa. Abriu-a e tirou o ovo. Partiu o ovo;
deitou a clara na boca da serpente e recolheu as gemas no chapéu.
Feito isso, lançou-se de novo
no mar e veio nadando até à praia. Quando chegou, bateu com a varinha nas
gemas, que se transformaram nas três moças mais bonitas do mundo.
Foi um grande assombro no
reino, mas os maus irmãos levantaram outro aleive contra José, dizendo que ele
andava se gabando de ser capaz de trazer até a serpente. O rei perguntou-lhe se
era verdade. "É mentira, mas sou capaz de trazer a serpente" — e
lançando-se ao mar foi à pedra e trouxe a serpente.
Os maus irmãos tentaram
levantar um terceiro aleive, mas desta vez José danou com a maldade deles e com
a burrice do rei — e, dando-lhes umas varadas, adormeceu-os.
Quando o rei voltou a si, não
quis mais saber de histórias. Casou José com a mais bonita das três princesas e
mandou expulsar do reino os maus irmãos. E acabou-se o caso.
***
— Bom — disse Emília — esta
história é das tais de virar. Eu já tive comigo a varinha de condão que
Cinderela esqueceu cá no sítio, no tempo daquela festa, e brinquei de virar uma
coisa noutra até não poder mais. É facílimo e não há mérito nenhum nisso.
Prefiro as histórias em que o freguês vence à custa de esperteza, isto é, de
inteligência. Com varinha mágica tudo se torna extremamente simples.
— Também acho bastante boba
esta história — disse Narizinho — além de que há muita repetição de coisas de
outras. Os tais três irmãos, o tal do mais novo sair pelo mundo, a eterna
velha, o tal reino das Três Pombas, os tais três aleives — tudo três, três,
três. Isso até cansa. E os nomes? Não há história em que não apareça um João.
Agora variou um pouco e veio um José...
— Eu, o que mais me admiro —
disse Pedrinho — é a burrice desses reis, pais de três princesas. Nesta
história, por exemplo, houve o primeiro aleive dos maus irmãos, mas José deu
conta do recado muito bem, indo à pedra e desencantando a princesa. Que mais
queria o rei? No entanto o palerma novamente deu ouvidos aos dois perversos que
vieram com o segundo aleive. Isso nem é ser rei; é ser camelo.
— O negócio dos três — disse
Emília — é coisa que só serve para maçar as crianças. O contador faz isso para
espichar a história. Bem se vê que quem as inventa é gente do povo, de pouca
imaginação e cultura.
— Bom — disse dona Benta. — O
que estou observando é que as crianças de hoje são muito mais exigentes do que
as antigas. Eu, quando era pequenina, ficava deslumbrada quando ouvia histórias
como esta. Hoje está tudo diferente. Em vez de meus netos deslumbrarem-se,
metem-se a criticar, como se fossem uns sabiozinhos da Grécia...
Emília ficou muito admirada de
saber que dona Benta já havia sido criança.
— Mas então a senhora também
já foi criança, das pequenininhas? — perguntou.
— Está claro, Emília. Que
pergunta!
— E tia Nastácia também?... Que interessante! Está aí uma coisa que nunca
me passou pela cabeça.
E ficou pensativa, imaginando
como seriam as duas velhas quando criancinhas.
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Notas:
Extraído da obra: Histórias de Tia Nastácia.
Transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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