Era uma vez uma raposa que
estava quase morrendo de fome.
Desesperada saiu pelo mundo
para comer a primeira coisa que topasse.
Encontrou um leitão.
Agarrou-o.
— Que vais fazer comigo? —
perguntou o leitão.
— Devorar-te, está claro.
— Oh — exclamou o leitão —
crua minha carne não vale nada — não tem gosto. Veja uma caçarola e um bom
forno para assar-me.
A raposa foi procurar a
caçarola e o forno: quando voltou não viu nem sombra do leitão. Furiosa da
vida, continuou a viagem. Deu com uma cabra. Agarrou-a.
— Que quer fazer de mim? —
perguntou a cabra.
— Devorar-te, está claro.
— Assim com pelo e tudo? Não
caia nessa. Vá ver uma tesoura e tose-me primeiro.
Enquanto a raposa procurava a
tesoura, a cabra sumiu. Logo depois apareceu um lobo.
— Onde vai, raposa?
— Ando a procurar comida
porque estou morrendo de fome.
— Nesse caso acompanhe-me.
Seguiram juntos até encontrar
um cavalo. O lobo plantou-se diante dele, com o pelo arrepiado, e perguntou à
raposa: "Está meu pelo arrepiado? Estão meus olhos soltando fogo?"
— Sim — respondeu a raposa. —
E o lobo lançou-se ao cavalo e matou-o. Depois dividiram a carne, comendo até
não poderem mais. Estômago, porém, é saco sem fundo. Não há o que o contente.
Passados uns dias a fome da raposa voltou. Saiu novamente à caça. Uma lebre
vinha vindo.
— Para onde vai, lebre?
— Ando a procurar o que comer
— respondeu o animalzinho.
— Neste caso acompanhe-me —
disse a raposa com uma ideia na cabeça: imitar o lobo.
Seguiram. Logo adiante
encontraram um cavalo. A raposa plantou-se diante dele, com o pelo arrepiado, e
perguntou à lebre:
— Estão meus olhos lançando
fogo? A lebre olhou e não viu fogo nenhum.
— Não — respondeu.
— Estúpida! — gritou a raposa.
— Responde que sim, senão te mato.
A lebre, com medo, respondeu:
— Sim, estão lançando fogo.
— Que queres comigo, raposa? —
perguntou o animal.
— Devorar-te.
— Não vale a pena — disse o
cavalo. — Uso ferradura de ouro no pé direito. Vai lá e tira-a. Poderás com
esse ouro comprar quantas coisas de comer quiseres.
A raposa foi pegar a ferradura
de ouro, mas pegou o maior coice de sua vida. Muito maltratada, manquitolando,
recolheu-se a uma cova, onde começou a filosofar. "Achei um leitão, mas em
vez de comê-lo depressa, fui procurar caçarola e forno. Resultado: sumiu-se o
leitão. Achei uma cabra mas em vez de comê-la depressa, fui procurar uma
tesoura — e lá se sumiu a cabra. Achei um cavalo, mas em vez de comê-lo
depressa, fui atrás duma ferradura de ouro — e quase morri dum coice. Sou bem
infeliz..."
A cova onde a raposa se
escondera ficava ao pé dum morro, no qual apareceu um pastor que a enxergou. O
pastor pegou uma grande pedra e zás!
— atirou-lhe em cima.
— Ai, ai! — gemeu a raposa. —
Levo pedrada até aqui, onde não há ninguém!
E dando um suspiro morreu.
***
— É do Cáucaso mesmo, vovó? —
perguntou Narizinho.
— Sim, minha filha. Esta história
é do folclore da gente do Cáucaso, e como lá é terra de neve, surgem a raposa e
o lobo famintos, bichos que muito sofrem durante o inverno.
— E também um pastor — disse
Pedrinho. — Nós aqui não temos pastores, a não ser nos versos. Temos vaqueiros,
porqueiros — pastor nenhum. Eu, pelo menos, nunca vi nenhum.
— Nos velhos países — explicou
dona Benta
— há o uso de guardarem-se os
rebanhos. A carneirada pasta e um homem — o pastor — toma conta dela. Entre nós
o sistema é outro. Os rebanhos vivem largados pelas pastarias.
— Por quê?
— Talvez porque estamos ainda
no regime das grandes propriedades. Nos países velhos a terra é muito dividida
e toda ocupada. Quando nossas terras ficarem subdivididas como as da Europa, é
possível que também apareçam por aqui os pastores.
— Eu gostaria bastante — disse
Emília. — Acho lindo isso de pastor, pastora e pastorinha — sobretudo pastorinhas. Como
é poético! Todos acharam graça na poesia emiliana.
— Conte agora uma do... do...
da Pérsia, por exemplo — pediu a menina. E dona Benta contou uma história da
Pérsia.
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Notas:
Extraído da obra: Histórias de Tia Nastácia.
Transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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