Era uma vez um homem que se
casou com uma mulher muito cheia de dengues. Fingia não ter apetite. Quando se
sentava à mesa era para tocar apenas nos pratos. Comia três grãos de arroz e já
cruzava o talher, como se tivesse comido um boi inteiro.
O marido desconfiou de tanta
falta de apetite, porque apesar daquele eterno jejum ela estava bem gordinha. E
imaginou uma peça.
— Mulher — disse ele — tenho
de fazer uma viagem de muitos dias. Adeus.
E partiu com a mala às costas
— mas deu jeito de voltar sem ser percebido.e de esconder-se na cozinha, atrás
do pilão.
Logo que se viu só em casa, a
mulher dos dengues suspirou de alívio e correu à cozinha.
— Joaquina — disse à
cozinheira — prepare-me depressa uma sopa bem grossa, que quero almoçar.
A negra preparou uma panelada
de sopa, que a dengosa engoliu até o finzinho.
Logo depois disse à
cozinheira:
— Joaquina mate um frango e
prepare-me um ensopado para o jantar.
A negra preparou o ensopado,
que ela comeu sem deixar uma isca.
— Agora, Joaquina, prepare-me
uns beijus bem fininhos para eu merendar.
E merendou os beijus, sem
deixar nem um farelo.
— E agora, Joaquina, prepare-me
um prato de mandioca bem enxuta para
eu cear.
A negra preparou a mandioca,
que a dengosa comeu até não poder mais.
O marido então escapou do seu
esconderijo e foi bater na porta da rua, fingindo estar chegando da viagem. Era
um dia de chuva bem forte.
Quando a mulher abriu e deu
com o homem, ficou desapontada. Ele explicou que havia desistido da tal viagem
e voltado.
— Mas maridinho, como chegou
você tão enxuto, debaixo duma chuva tão grossa?
O marido respondeu:
— Se a chuva fosse tão grossa como a sopa que você almoçou, eu
viria tão ensopado como o frango que
você jantou; mas como era uma chuva fina
como os beijus que você merendou, eu cheguei tão enxuto como a mandioca que você ceou.
A dengosa ficou admiradíssima daquelas palavras em desapontadíssima
ao compreender que o esposo tinha descoberto sua manha. E acabou com os
dengues.
***
— Bem feito! — exclamou
Emília. — Não gosto de gente afetada. Esse homem sabia fazer as coisas. Sem
empregar nenhuma brutalidade, deu uma lição de mestre na dengosa.
— Mas o pior — disse Narizinho
— é que fiquei com água na boca de vontade de comer os tais beijus. Que será
beiju? Nunca vi isso.
— É mesmo! — disse dona Benta
voltando-se para tia Nastácia. — Está aí um petisco que você nunca se lembrou
de fazer.
— E sei fazer, sinhá, sei
fazer beijus dos mais gostosos, mas nunca encontro por aqui farinha boa. A da
venda do Elias Turco não vale nada — é como o nariz dele.
— E eu — disse Pedrinho —
fiquei com vontade de comer mandioca cozida, da bem enxutinha, com melado de
rapadura. Upa! É uma coisa da gente lamber os beiços.
— Beiço é de boi — protestou
Emília. — Gente tem lábios.
— Bom — disse Narizinho — essa
história foi excelente, mas curta demais. Conte uma comprida.
Tia Nastácia, porém, contou
outra ainda mais curta.
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Notas:
Extraído da obra: Histórias de Tia Nastácia.
Transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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