Havia um viúvo com três
filhas. Um dia resolveu casar-se de novo — e casou com uma mulher muito má, que
tinha ódio às meninas. Fazia-as trabalhar como verdadeiras escravas.
No quintal havia uma grande
figueira. Quando chegou o tempo dos figos, a madrasta botou as meninas lá
tomando conta para que os passarinhos não bicassem os figos.
As três coitadinhas passavam
debaixo da figueira o dia todo, dizendo aos sanhaços que se aproximavam:
Xô, xô, passarinho,
aí não toques o biquinho.
Vai-te embora pro teu ninho...
Mas mesmo assim aparecia um ou
outro figo bicado e a madrasta batia nas três.
Um dia em que o homem fez uma
longa viagem a madrasta aproveitou-se para mandar enterrar vivas as
coitadinhas. Quando o homem voltou e indagou das filhas, a peste respondeu que
haviam caído doentes e morrido, apesar de todos os remédios. O pobre pai ficou
muito triste.
Mas aconteceu que no lugar
onde as meninas tinham sido enterradas brotou logo um lindo capinzal — dos
cabelos delas, e quando batia o vento o capinzal murmurava:
Xô, xô, passarinho,
aí não toques o biquinho.
Vai-te embora pro teu ninho...
Um negro, tratador dos animais
da casa, andando a cortar capim, ouviu aqueles murmúrios e teve medo de mexer
nas pontinhas. Foi contar o caso ao patrão.
O patrão não quis acreditar, e
disse-lhe que cortasse o capim com murmúrio e tudo. O negro obedeceu. Mas
quando levantou a foice, ouviu novamente a misteriosa voz, que dizia:
Capineiro de meu pai,
não me cortes os cabelos;
minha mãe me penteava,
minha madrasta me enterrou
pelo figo da figueira
que o passarinho bicou.
O negro foi correndo contar o
caso ao patrão, com um grande susto na cara. E tanto fez que o obrigou a chegar
até lá. E então o pai das meninas ouviu o lamento das filhas enterradas.
Mandou buscar uma enxada e
cavar, e retirou-as da terra, vivas por milagre de Nossa Senhora, que era
madrinha das três.
Quando voltaram para casa, na
maior alegria deram com a madrasta estrebuchando. Um castigo do céu tinha caído
sobre a peste.
**
— Bom — disse Emília — esta
história já está bem mais aceitável. Tem sua originalidade e explica tudo.
Desde que houve milagre, era natural que as enterradinhas vivas não morressem.
Milagres não se discutem.
— E há ainda um traço delicado
— disse dona Benta — esse das cabeleiras das meninas que viraram capinzal
murmurejante ao vento. Aparece também a figura da madrasta, que é muito comum
nas histórias populares. Toda madrasta tem que ser má. O povo não admite a
possibilidade de madrasta boa.
— E não há — disse Narizinho.
— As que eu conheço, como a madrasta da Quinota e a da Maricoquinha, não chegam
a ponto de enterrar crianças vivas — mas boas não são.
— E a do Zeferininho da
Estiva, que dava na cabeça dele com a colher de pau? — acrescentou Pedrinho.
— Sim — disse dona Benta. —
Talvez a regra seja a madrasta má, embora as haja excelentes. Sei dois casos de
madrastas boníssimas, quase como mães. Tudo depende da criatura, e não do ato
de ser mãe ou madrasta. Há mães tão perversas como as piores madrastas.
— Mas o povo assentou que as
madrastas não prestam e não prestam mesmo — concluiu Emília. O coitado do povo
sofre tanto que há de saber alguma coisa. Esse ponto da madrasta má o povo sabe.
São más como caninanas — embora haja alguma degenerada que seja boa. Madrasta
boa não é madrasta. Para ser madrasta, tem que ser uma bisca das completas. Eu,
se pilhar alguma por aqui, furo-lhe os olhos.
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Notas:
Extraído da obra: Histórias de Tia Nastácia.
Transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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