Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
Reconhecimento da Independência
Reconhecimento da Independência
O Grito do Ipiranga (Quadro do pintor Pedro Américo)
1 - Declarada a Independência, o primeiro trabalho
que se impunha era, naturalmente, o de estabelecer como entidade internacional
o novo Estado.
Desde antes do grito do Ipiranga, tinha D. Pedro, como seu agente em Londres, o marechal Felisberto Caldeira Brant Pontes (depois Marquês de Barbacena). Ali (desde 1821) prestou este homem notável os maiores serviços, já dando para aqui avisos de tudo quanto podia interessar à nossa causa, já encarregando-se da negociação de empréstimos, e da remessa de armamentos e tropas mercenárias. Por intermédio de Beresford conseguiu entrar em relações com o gabinete inglês, e delas se aproveitava para impedir medidas de Portugal contra o Brasil.
Agora, cuida ele de alcançar a intercessão de Lorde
Canning, o grande ministro de Jorge IV. Durante todo o ano de 1822 não
descansou Brant Pontes junto ao grande chanceler Canning; tinha de portar-se, em
relação a Portugal, com muita reserva e prudência, e procurou afagar a
aspiração dos brasileiros sem melindrar ao velho aliado e amigo da Inglaterra.
Mostrou também, o ministro, a Brant Pontes, como em relação ao Brasil só uma
queixa tinha a Inglaterra; a de ver com tristeza a obstinação com que se
continuava aqui a fazer o tráfico de escravos.
Foi-lhe ao encontro o nosso encarregado assegurando
que o governo do Rio não era partidário desse nefando comércio.
Tão satisfeito com essa declaração ficou Canning que
prometeu logo levar o negócio a conselho de ministros, pedindo ao marechal que
fizesse um resumo de tudo por escrito.
2 - Formulou Brant Pontes um conciso memorial,
referindo quanto se passara desde a retirada de D. João, não se esquecendo de
recordar que o próprio soberano português, além de haver nomeado D. Pedro,
Regente do reino americano, teve ainda a "previdência de recomendar-lhe,
no momento da despedida, que por nenhum caso desamparasse o Brasil, a fim de que
esta melhor parte da monarquia não fosse presa de algum aventureiro".
E explicava que D. Pedro cumprira fielmente as
ordens de seu pai, e até as que lhe foram dadas pelas Cortes de Lisboa, às
quais fez contudo sentir as consequências que teriam alguns de seus decretos.
As Cortes, porém, longe de atenderem às
representações do Príncipe, prosseguiram na sua política de oprimir as
populações do Brasil. Como é, portanto — perguntava — que o governo do Regente
há de conservar-se em atitude passiva ante a prepotência das Cortes de Lisboa?
Em desespero de causa — não se esquecia o nosso agente de dizer, para que fosse
bem entendido — ver-se-ia mesmo D. Pedro "na necessidade de recorrer aos
Estados Unidos da América, no caso em que se veja abandonado pelo melhor e mais
antigo aliado da casa de Bragança".
O memorial de Brant Pontes é de 14 de novembro de
1822 (portanto mais de dois meses depois de proclamada a Independência) e, no
entanto, é de um simples arranjo dos dois reinos que se trata ainda em
Londres... É isso o que está no espírito de Canning, e a que o nosso
representante não se mostrava estranho; pois, o que se vê, é que se repudiou
ainda aquele sistema, seguido desde 1821, de ir disfarçando o que se quer, sem
dizer tudo logo e de uma vez, mas pouco a pouco, e por eufemismos que se vão aclarando
à medida que se avança no caminho da vitória.
3 - Mas a Lorde Canning impressionou tão vivamente a
exposição do nosso encarregado que este se persuadiu de que o reconhecimento do
governo do Príncipe estava em vésperas de ser feito por Sua Majestade
Britânica.
O momento suspirado estava, porém, ainda longe.
Primeiro, o gabinete de Londres faz questão de que se tome o compromisso de
abolir o comércio de escravos. E quando Brant Pontes, alarmado com os
preparativos que se fazem contra o Brasil em Lisboa, assume afoitamente o
compromisso imposto, declara-lhe o ministro que o ato do reconhecimento depende
agora de uma resposta que se espera do governo português.
A resposta que se esperava é relativa à mediação que
Sua Majestade Britânica oferecia ao seu antigo aliado, debaixo do princípio de serem os dois reinos independentes, mas com um
só soberano. O próprio marechal Brant, que já sabia que no Brasil a
Independência era um fato consumado, tem de dizer ainda que a comunicação do
governo inglês está "inteiramente conforme às vistas de Sua Alteza Real o
Príncipe-Regente"...
Estava-se à espera dos despachos de Lisboa, quando
rebenta em Londres (pelos fins de novembro) a notícia, desconcertante para o
gabinete inglês, da aclamação de D. Pedro como Imperador do Brasil... Manda Canning
chamar à sua secretaria o marechal Brant, e interpela-o com estranheza. Fingindo-se surpreendido também, procura o
nosso encarregado explicar tudo como prova da situação em que se encontra no
Brasil o espírito público, obstando que o Príncipe faça o que quer, e
induzindo-o a ceder para evitar males maiores, ante as medidas violentas que as
Cortes se obstinam em decretar contra o reino americano.
4 - Era afinal, na Europa, a Inglaterra, a potência
mais sinceramente interessada em amparar a nossa causa. Conquanto se reconheça
que era para ela o meio mais simples de defender os interesses do seu comércio,
nada seria menos justo do que negar à política liberal do governo inglês os
maiores serviços prestados naquele momento, quer à emancipação dos povos
americanos em geral, quer ao problema da escravatura — o que mais impressionava
o espírito do tempo, e que o gabinete britânico soube habilmente ligar, até
certo ponto, à sorte das novas nações que se constituíam.
Estando (pelo mês de fevereiro de 1823) a sair para
a índia o Conde de Amherst, nomeado para o governo daquela possessão, e devendo
tocar, de passagem, no Rio de Janeiro, encarregou-o Canning de fazer sentir ao governo
do novo império que "uma estreita união da Inglaterra com o Brasil"
só dependia agora de saber-se em Londres alguma coisa de positivo quanto ao
tráfico de escravos.
Em conferência com Lorde Amherst, declarou-lhe José
Bonifácio que não seria prudente fazer-se a abolição imediata do tráfico, mas
que se comprometia a fazê-lo pouco a pouco até que cessasse dentro de dois ou
três anos.
Antes, porém, que chegassem a Londres as
comunicações de Lorde Amherst, dão-se em Portugal os acontecimentos que
restituíram a Sua Majestade Imperial o exercício da autoridade absoluta; e o
chanceler britânico aproveitou o ensejo de aconselhar ao velho aliado da
Inglaterra a que se dispusesse, na situação em que se estava, a entrar em
concerto com o Brasil.
De fato, com a mudança operada lá no reino, renasceu
na corte de D. João a esperança de conservar o Brasil unido à monarquia.
Bastou, porém, o insucesso da missão Rio-Maior para que se desvanecesse tal
esperança.
5 - Teve de apelar para Londres o governo de Lisboa,
mas fazendo ainda questão de conservar a soberania de Sua Majestade Imperial no
Brasil... O ministro Canning mostrou-se
logo disposto a interceder de novo no caso, mas fez ver que essa insistência em
exigir semelhante condição tornaria mais difícil a solução do litígio.
Os argumentos do grande chanceler afinal produziram
efeito; e cuidou-se, entre os negociadores, de achar uma formula para o
arranjo.
Parecia, pois, que os caminhos se aplanavam, quando
os sucessos de 12 de novembro vão, ainda uma vez, reacender em Portugal as
velhas esperanças. Pensou-se lá que o ato violento de D. Pedro contra a
Constituinte era "uma prova do ascendente do partido português; e que o
Imperador na plenitude da sua força, "não mais hesitaria, agora, em por em
prática o seu intento de reconhecer a supremacia de seu pai"...
Volta então, o governo de Lisboa, a insistir de novo
na sua exigência de uma soberania nominal da Coroa portuguesa no Brasil.
Abstém-se Canning de agir; e toda a negociação
cessou.
Enquanto isso, grandes aparatos de forças fazem-se
por lá, destinados — fazia-se correr — a "castigar o governo rebelde do
Rio de Janeiro"... E teve-se ainda a coragem e sem-cerimônia de avisar aos
governos da Europa que — "o pau-brasil e os diamantes, como gêneros
pertencentes à Coroa portuguesa, seriam apreendidos em qualquer parte"...
e ainda — "que os navios cobertos com a bandeira do novo Império não
podiam ser acolhidos em nenhum porto"...
Sentindo logo, porém, que tudo isso era inútil, teve
o governo de Lisboa de volver outra vez para Londres, e agora pedindo
oficialmente a mediação da Grã-Bretanha.
6 - Retoma Canning com toda a paciência aquela causa
tão penosa. Haviam chegado a Londres os plenipotenciários brasileiros; e
estavam a encetar-se as negociações, quando ocorrem em Lisboa os fatos que
ficaram conhecidos na história portuguesa sob o nome de abrilada, e que bem revelavam a crítica situação em que se debatia
o velho reino.
Só depois de restabelecida a ordem em Lisboa é que
começam as conferências em Londres. Empregou o ministro mediador os maiores
esforços para vencer as impertinências do governo português, cujos
plenipotenciários fazem agora questão de assegurar para D. João VI a dignidade
de Imperador titular do Brasil.
Entendeu Canning que essa exigência era infantil e nada significava contra o
Imperador do Brasil, não devendo, portanto, ser obstáculo ao que se queria
concertar.
Mas é ainda de Lisboa que vão motivos para se
interromperem as negociações. Com grande espanto do chanceler e dos
brasileiros, eis que se sabe em Londres que o governo português recorre para as
várias cortes europeias, e até procura a proteção da Santa Aliança, para dar
toda força a um novo emissário que se expede para o Rio...
Canning, ainda uma vez, põe termo às conferências.
Agora, porém, muda a causa de aspecto para a própria
Inglaterra. O governo dos Estados Unidos acabava de reconhecer a existência do
Império. Sabia-se que outras nações estavam em vésperas de reconhecer oficialmente
os representantes do novo Estado. Acontece ainda que a Inglaterra não podia
mais retardar o reconhecimento de algumas repúblicas espanholas da América do
Sul; e seria uma inexplicável incoerência não fazer a mesma justiça ao Brasil.
Sentiu, portanto, Canning, que era chegada a hora,
ou de conciliar os dois litigantes, ou de pôr-se em relações com o governo
imperial.
7 - Para chegar prontamente a uma decisão,
encarregou Canning ao hábil diplomata, sir Charles Stuart, de entender-se
diretamente com as duas cortes.
Por meados de março chegava Stuart a Lisboa,
pondo-se às ordens de S. M. F. para vir ao Rio como negociador. Julgando-se já
solicitado, começou de novo o gabinete português a fazer as suas exigências
absurdas. Muito se esforçou o mediador por chamá-lo à boa razão; e afinal teve
do próprio rei a permissão verbal e ampla de "tudo fazer para ultimar-se
um ajuste".
Parte Stuart para o Rio, onde chega a 18 de julho
(1825). Recebeu-o D. Pedro muito satisfeito, e mostrando-se muito grato a S. M.
B. pela sinceridade com que intervinha na dirimissão do litígio; e entregou o
caso
ao ministério. Fizeram-se várias conferências, e
discutiu-se muito, conseguindo Stuart afinal, que não se fizesse questão de
conceder a D. João VI, "como condecoração honorífica", o título de Imperador.
O mais foi fácil.
No dia 29 de agosto assinava-se no Rio o tratado, em
11 artigos, estipulando-se que as ratificações deviam trocar-se dentro de cinco
meses. O convênio em si não tinha nada de estranho; mas um aditamento continha
a obrigação que assumia D. Pedro de tomar sobre si o pagamento da dívida (1400.000
libras esterlinas) que Portugal contraíra em Londres em nome do Reino Unido.
Obrigou-se ainda, D. Pedro, a dar ao pai, pessoalmente, 600 000 libras, como
indenização das "propriedades" que D. João perdia no Brasil.
Foi realmente bem duro este arranjo, ao cabo de mais
de três anos de esforço; mas, enfim, estávamos livres de semelhante empecilho.
Logo depois, foi o Império sendo reconhecido por
outros governos.
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