As Regências
AS REGÊNCIAS
TRINAS
Tornado público o ato de abdicação, impunham-se no
momento medidas de urgência no sentido de assegurar a ordem. Tinham, os
liberais moderados, grande responsabilidade naqueles acontecimentos e
cumpria-lhes, agora, reagir, energicamente contra as facções desvairadas.
Haviam começado na véspera as suas sessões
preparatórias as Câmaras, convocadas no dia 3 para "logo que houvesse na
capital o indispensável número de representantes".
Pela manhã de 7 de abril, reuniram-se no paço do
Senado sessenta e dois membros da Assembleia Geral (26 senadores e 36
deputados). Não constituindo poder deliberativo, formaram um conselho de
notáveis, e procederam à eleição de uma Regência Provisória, que assumiu o
governo em nome do Imperador menor.
Ficou essa Regência composta do Marquês de Caravelas,
senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e Francisco de Lima e Silva.
O primeiro ato dessa Regência foi reintegrar o
ministério que D. Pedro havia demitido no dia 5 de abril.
No dia 8 publicou a Assembleia Geral um manifesto,
dirigido à nação, dando-lhe conta do que se fizera, e pedindo-lhe que confiasse
no governo provisório que se constituíra em nome do soberano infante, e que governaria
até que a Assembleia elegesse a Regência Permanente.
Dali a algumas semanas, dizia a Regência, ao
instalar a Assembleia Geral, a 3 de maio, que o 7 de abril ficaria em nossa
história como um dia faustosíssimo para o
Brasil, pelo heroísmo de seus filhos, pelo triunfo da liberdade constitucional,
e derrota dos inimigos da Independência, glória e nacionalidade brasileira!
2 - Esta Regência Provisória teve a mais nítida
compreensão das suas funções naquele grave momento. Cuidou logo de acentuar o
espírito daquela revolução, volvendo vistas para as províncias e mudando em
todas
elas a situação no sentido liberal.
Tratava-se, de reorganizar a nação; e isso ia
fazer-se no meio das maiores complicações que em todo o país perturbaram a ação
do novo governo.
Instalaram-se as Câmaras no dia 3 de maio, no meio
de gerais esperanças, lendo um dos membros da Regência, o Marquês de Caravelas,
a Fala do Trono, dando conta dos últimos acontecimentos, e com muitos encômios ao
civismo dos brasileiros. "O 7 de abril — dizia a Regência — será um dia
para sempre memorável nos fastos do Brasil: ele removeu os embaraços que a
prepotência, a intriga e a ignorância muitas vezes opunham às vossas sábias
deliberações em benefícios da Pátria; ele fez luzir a aurora da nossa
felicidade. As províncias de São Paulo e de Minas Gerais receberam e aplaudiram
com transportes de júbilo e entusiasmo as notícias do triunfo da liberdade. É
de esperar que as comunicações que se enviaram às outras províncias tenham
nelas iguais resultados, mesmo na Bahia, onde os primeiros acontecimentos da
corte, nos infaustos dias de março, fazendo a mais funesta impressão, haviam
demasiadamente inflamado os ânimos de alguns patriotas, levando-os a fazer
requisições exageradas, e a praticar atos indiscretos, que toda a prudência das
autoridades não tinha ainda bem podido remediar".
3 - Na sessão do dia seguinte elegeu-se a comissão
(de três membros) que devia formular o projeto de lei regulando o exercício da
Regência.
Apresentado no dia 9, longamente discutido e aceito,
foi o projeto enviado à câmara vitalícia, onde não levou muito tempo.
No dia 17 de junho, reunia-se no paço do Senado a
Assembleia Geral, e elegia para a Regência Permanente o mesmo general Francisco
de Lima e Silva e os deputados José da Costa Carvalho e João Bráulio Muniz.
Estava dado o primeiro passo no caminho da paz. Que
andava esta, no entanto, ainda muito longe, mal se suspeitaria das excelentes
disposições com que a parte mais ponderada e sadia da população ia recebendo
esses atos.
Dolorosos iam ser os dias em que os grandes homens
daquela fase da nossa história tinham de por a provas o seu imenso valor.
Compreendendo a situação que se havia criado, tanto
no Rio, como nas províncias, mantiveram-se os dois poderes — a Legislatura e a
Regência — harmônicos e unidos no firme propósito de opor seguro paradeiro ao espírito
de indisciplina, e de conter as audácias da anarquia que andava latente, quando
já não lavrava em todo o país.
Desde as primeiras sessões, tratou a Assembleia, de
acordo com o governo, de votar medidas de rigor tendentes a garantir a ordem.
Entre essas medidas excepcionais, figuram as da lei de 5 de junho, proibindo
ajuntamentos à noite nas ruas e praças; cassando a fiança nos casos de
flagrante delito, mesmo em crimes policiais; e atribuindo ao governo a
faculdade de suspender os juízes de paz que se mostrassem negligentes ou prevaricadores.
Criaram-se também as guardas municipais, formadas de cidadãos que pudessem ser
eleitores, e sob a autoridade dos juízes de paz.
4 - Tinha esta milícia a seu cargo a ronda noturna
da cidade, velando pelo sossego geral; e nela se alistaram homens dos mais
distintos de todas as classes — médicos, engenheiros, advogados, e até membros
do corpo legislativo e oficiais superiores do exército.
Pela sua parte, foi a Câmara Municipal da Corte,
solícita e incansável em cooperar com a polícia na manutenção da ordem,
decretando posturas provisórias sobre a venda de armas, sobre o jogo em casas
públicas, sobre a inspeção de transeuntes à noite etc...
Logo depois (em agosto) criou-se a Guarda Nacional,
extinguindo-se os antigos corpos de milícias, as ordenanças e as guardas
municipais. Enquanto se exercia assim, diretamente, a ação dos
poderes públicos, formava a opinião sensata ao lado da autoridade, como se se
combinasse um movimento geral de impulsos para salvar a nação. Tanto na corte
como nas províncias fundaram-se clubes e sociedades patrióticas, que tomavam o encargo
de defender as instituições, e de prestar em todo o terreno mão
forte aos poderes constitucionais.
Ao mesmo tempo, tomava forte incremento a imprensa moderada,
saindo para a arena da controvérsia política e da discussão os homens de mais experiência,
a rebater com extremo vigor aos excessos dos jornais oposicionistas.
Por aqueles dias, a ânsia da publicidade, a volúpia
do escândalo, o desbragamento das paixões, não tinham limites: só a coragem dos
defensores da lei e da ordem podia neutralizar-lhes os excessos.
5 - É nas angústias de semelhante situação que se
apuram bem nitidamente as grandes reservas de valor moral que trazia em si
aquela geração gloriosa. Dir-se-ia que é pelas proporções dos perigos que se
andava medindo o que de energia e esforço guardava a nação para o momento mais grave
da sua história.
Não era, no entanto, só na corte que havia
necessidade de reprimir a indisciplina e
o vício do motim.
Por todo o país lavrava o mesmo espírito de anarquia.
Parece mesmo que para os fins de 1831 (de setembro
por diante) se havia tramado um vasto plano de perturbar todas as províncias,
preparando assim terreno para alguma solução imprevista. De algumas delas
recebiam-se mesmo, desde muito, avisos e denúncias de movimentos que deviam explodir.
No Pará, instigada por uma das facções que traziam,
havia mais de dez anos, a terra em tumultos, a tropa depõe e remete para a
corte o presidente da província, ficando Belém completamente entregue à insânia
do partido vitorioso.
No Maranhão, populares e soldados, reunidos na praça
pública, fazem exigências e impõem medidas violentas contra a facção
imperialista, e principalmente contra os portugueses. Cedeu o presidente; mas
não pôde contemporizar com os sediciosos sem conformar-se com a disposição do
comandante das armas. Ainda assim, saindo da capital, foram os rebeldes
convulsionar todo o interior.
6 - Na Paraíba, o povo, com apoio da tropa, depõe o
comandante das armas e outros oficiais militares, acusando-os de contrários ao
regime constitucional.
Em Pernambuco, já se havia deposto o comandante das
armas. Na noite de 14 para 15 de setembro, revoltam-se os soldados do 14ª de
infantaria; e tendo logo o apoio de toda a guarnição, tomam conta da cidade. No
dia 16, porém, uma legião patriótica de estudantes, milicianos e alguns
cidadãos, conseguem bater a soldadesca insurgida, sendo presos e remetidos para
Fernando de Noronha mais de 800, e tendo sido mortos, em combate, para mais de
300. Dois meses depois, subleva-se outra vez uma parte da tropa, unida a muitos
paisanos, fazendo as usuais exigências contra os inimigos do Brasil... que, já
se sabe, eram os portugueses, a quem se atribuía o descaminho de D. Pedro.
Auxiliado por voluntários e guardas municipais, conseguiu afinal, o governo,
subjugar os rebeldes.
Essas desordens na província complicavam ainda mais
a situação da Regência.
Era preciso ir atendendo a toda parte com os parcos
meios de ação de que dispunha, e preocupada como vivia com as condições em que se
encontra a própria corte.
Para mais atormentá-la, uma das mais graves
consequências imediatas do mal que lavra por todo o país, era a perturbação da
economia geral refletindo-se nas finanças públicas.
Só mesmo a coragem daqueles homens é que poderia
resistir a uma crise tão dolorosa.
7 - De todas as províncias onde reina a discórdia, a
mais convulsionada era a do Ceará.
Vivia na vila do Jardim, desde que por lá chegara a
notícia da abdicação, um antigo coronel de milícias (Joaquim Pinto Madeira)
conhecido pelo seu ostentoso aferro à pessoa e à política do ex-Imperador; e
famoso em toda a província, desde o tempo em que ali exercera despótico
domínio.
Era por isso mesmo profundamente odiado dos liberais
cearenses.
Dispondo ainda de algum prestígio, reuniu Madeira,
um bando de inconscientes, e marchou para a vila do Crato, onde levantou o
grito de rebelião (a 2 de janeiro de 1832).
Ali "restabeleceu as autoridades e empregados
que tinham sido destituídos: prendeu os adversários que lhe caíram sob as mãos,
e fez do Crato a sede de um governo próprio, que em seguida compreendeu toda a
região chamada Cariri".
Foi mandado contra ele o general Pedro Labatut. À
frente de 3.000 homens, ofereceu Madeira combate às forças legais perto de Icó,
sendo, porém, desbaratado. Vendo que as suas forças se reduzem, e sentindo-se "perseguido
tenazmente por seus inimigos resolveu entregar-se". Remetido para
Pernambuco, onde embarcou com destino à corte, suspendeu-se-lhe de repente a
viagem sob qualquer pretexto. Começou, então, a vagar "de prisão em
prisão, de navio para navio; até que foi entregue ao rancor dos inimigos
constituídos em juízes".
Julgado pelo júri da vila do Crato, foi condenado à
morte.
Em vão apelou para o júri da capital, como lhe
facultava o Código do Processo: foi fuzilado na manhã de 28 de novembro.
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