A Vida
(No álbum de Mlle. Elisabeth Henninger)
AFONSO CELSO JÚNIOR
"Prelúdios" (1876)
A vida não é mais
que a folha seca,
Que o vento da
fortuna impele além.
Ora aqui, ora ali,
vagando à toa
Certeza onde ela
para ninguém tem.
Agora meu viver é
manso e ledo,
Mas se logo o será
— eu o não sei:
Neste momento,
tenho risos — festas
E amanhã ninguém
sabe onde estarei!
Por isso numa
folha deste álbum,
De flores tão
gentis lindo jardim,
Meu nome eu deixo
para que mais tarde
Ao lê-lo se
recorde alguém de mim!
★★★
Vida
RONALD DE CARVALHO
Para um destino
incerto caminhamos,
Tontos de luz,
dentro de um sonho vão;
E finalmente, a
gloria que alcançamos
Nem chega a ser
uma desilusão!
Levanta-se da
sombra, entre altos ramos,
Como um fumo a
subir, lento, do chão,
A distancia que
tanto procuramos,
E os nossos braços
nunca atingirão.
Mas um dia,
perdidos, hesitante,
A alma vencida e
farta, as mãos tateantes,
De repente,
paramos de lutar;
E ao nosso olhar,
cansado de amargura,
As montanhas têm
muito mais altura,
O céu mais astros,
e mais água o mar.
★★★
À Vida
FLORBELA ESPANCA
É vão o amor, o
ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e
o sentimento...
Lançar um grande
amor aos pés de alguém
O mesmo é que
lançar flores ao vento!
Todos somos no
mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é
feita dum tormento,
Um riso é sempre o
eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo
de onde vem!
A mais nobre
ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta
em nós renasce
Que no mesmo
momento é já perdida...
Amar-te a vida
inteira eu não podia,
A gente esquece
sempre o bom de um dia.
Que queres, meu
Amor, se é isto a vida!
★★★
Vida
CAMILO PESSANHA
Choveu! E logo da
terra humosa
Irrompe o campo
das liliáceas.
Foi bem fecunda, a
estação pluviosa!
Que vigor no campo
das liliáceas!
Calquem.
Recal-quem, não o afogam.
Deixem. Não
calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem.
Porque as degradam?
Para que as
calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que
anda na serra.
É a queimada...
Que lumaréu!
Podem calcá-lo,
deitar-lhe terra,
Que não apagam o
lumaréu.
Deixem! Não
calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam,
rebenta além.
— E se arde tudo? — Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é
para arder...
★★★
A Vida
(Impressão do Moisés, de Menotti del Picchia)
AMADEU AMARAL
Eis a Vida: seguir
umas quimeras vagas,
lançando a mão em
sangue aos cardos e aos espinhos;
rolar no pó;
gemer; deixar pelos caminhos
mil farrapos de
carne e o sangue de mil chagas;
sorver o horrendo
fel que anda em todos os vinhos,
o veneno que jaz
em todas as teriagas;
persistir,
todavia, entre as chufas e as pragas
dos que vão, a
ulular, por trilhos convizinhos;
chegar, enfim,
exausto, ao fastígio da idade,
ver desfeito o
jardim de encanto que sonhamos,
cair desfalecido e
— supremo revés —
olhando para trás,
ver que a felicidade
ficou além, no
vale, onde, espectros, passamos,
ficou além, na
flor que calcamos aos pés...
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