Velho
ALMEIDA JÚNIOR
“Távola do bom humor, Sonetos maranhenses” (1923)
Velho! — tu me
chamaste, gracejando,
Quando te disse
ter vinte dois anos!
Estou velhinho,
sim, de desenganos...
E de ilusões as
barbas vou pintando...
Mas tu também
virás na mesma estrada,
E colherás a neve
dos caminhos...
E quando longa for
nossa jornada,
Como estaremos
velhos... tão velhinhos!
Então, querida,
trêmulos, juntinhos,
De olhar nublado,
riso doce e franco,
Nós viveremos só
para os netinhos,
Contando
histórias, lendas de tiranos:
Eu beijarei o teu
cabelo branco...
Tu lembrarás os
meus vinte e dois anos!
★★★
Envelhecendo
(A Luís Murat)
EMÍLIO DE MENEZES
Tomba às vezes meu
ser. De tropeço a tropeço,
Unidos, alma e
corpo, ambos rolando vão.
É o abismo e eu
não sei se cresço ou se decresço,
À proporção do
mal, do bem à proporção.
Sobe às vezes meu
ser. De arremesso a arremesso,
Unidos, estro e
pulso, ambos fogem ao chão
E eu ora encaro a
luz, ora à luz estremeço.
E não sei onde o
mal e o bem me levarão.
Fim, qual deles
será? Qual deles é começo?
Prêmio, qual deles
é? Qual deles é expiação?
Por qual deles
ventura ou castigo mereço?
Ante o perpétuo
sim, e ante o perpétuo não,
Do bem que sempre
fiz, nunca busquei o preço,
Do mal que nunca
fiz, sofro a condenação.
★★★
O velhinho
(A J. César Machado)
ANTÔNIO CRESPO
"Noturnos" (1882)
Aquele que ali vai
triste e cansado
E mais tremente
que os juncais do brejo.
Foi outrora o mais
belo e o mais amado
Entre os moços do
antigo lugarejo.
Nas fitas desse
lábio desmaiado
Quantas mulheres
trêmulas de pejo
Não sorveram os
néctares do beijo
Dos trigais sobre
o leito perfumado!
Hoje é velhinho, e
fala dos franceses
Aos rapazes da
escola, e às raparigas
Que não cansam de
ouvi-lo... As mais das vezes
Sobre a ponte,
sozinho, ouve as cantigas
Das que lavam no
rio, e o olhar estende
Ao sol que ao
longe na agonia esplende...
★★★
Velhice verdejante
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Noventa e tantos
anos ela tinha,
Sem ter as nuvens
dessa grande idade:
Guardara a força,
a chama, a mocidade
Da alma, que tanta
gente perde asinha.
Viveu na paz da
pérola marinha,
Que ouve de longe
o grito à tempestade,
E foi da extensa
vida à eternidade
Como quem para um
certo fim caminha.
Por ser magra,
mais alta parecia;
Era como uma seta
na estatura:
— Flexível,
grácil, longa, reta, esguia.
Fora, em moça, de
esplêndida brancura;
E o áureo casco da
trança, que a cobria,
Levou consigo
intacto à sepultura.
★★★
Sobre as bodas de um sexagenário
OLAVO BILAC
"Sarças de fogo" (1888)
Amas. Um novo sol
apontou no horizonte,
E ofuscou-te a
pupila e iluminou-te a fronte...
Lívido, o olhar
sem luz, roto o manto, caída
Sobre o peito, a
tremer, a barba encanecida,
Descias,
cambaleando, a encosta pedregosa
Da velhice. Que
mão te ofereceu, piedosa,
Um piedoso bordão
para amparar teus passos?
Quem te estendeu a
vida, estendendo-te os braços?
Ias desamparado,
em sangue os pés, sozinho...
E era horrendo o
arredor, torvo o espaço, o caminho
Sinistro,
acidentado... Uivava perto o vento
E rodavam bulcões
no torvo firmamento.
Entrado de terror,
a cada passo o rosto
Voltavas,
perscrutando o caminho transposto,
E volvias o olhar:
e o olhar alucinado
Via de um lado a
treva, a treva de outro lado,
E assombrosas
visões, vultos extraordinários,
Desdobrando a
correr os trêmulos sudários.
E ouvias o rumor
de uma enxada, cavando
Longe a terra... E
paraste exânime.
Foi quando
Te pareceu ouvir,
pelo caminho escuro,
Soar de instante a
instante um passo mal seguro
Como o teu. E
atentando, entre alegria e espanto,
Viste que vinha
alguém compartindo o teu pranto,
Trilhando a mesma
estrada horrível que trilhavas,
E ensanguentando
os pés onde os ensanguentavas.
E sorriste. No céu
fulgurava uma estrela...
E sentiste falar
subitamente, ao vê-la,
Teu velho coração
dentro do peito, como
Desperto muita
vez, no derradeiro assomo
Da bravura, — sem
voz, decrépito, impotente,
Trôpego, sem
vigor, sem vista, — de repente
Riça a juba, e,
abalando a solidão noturna,
Urra um velho leão
numa apartada furna.
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