Tristeza amarga
JOSÉ MARIA DO AMARAL
Não chames sonhos
a tristeza e dores
Do coração que
chora a mocidade,
Na tarde triste da
tristonha idade,
Que é tronco seco
onde morreram flores.
Sonhos não são;
nem são já sonhadores
Os que da vida
sabem a verdade;
Dor pungente e
real é a saudade
Do tempo em que de
nós fomos senhores.
Nossos não somos
já, senão da morte,
Quando entre o
mundo está e a sepultura
Em fase
derradeira, a nossa sorte;
Quem pode então
lembrar, sem amargura,
Tenha embora o
vigor do ânimo forte,
Que vai da vida a
luz ser noite escura!
★★★
Tristeza
FAGUNDES VARELA
Minh’alma é como o
deserto
De dúbia areia
coberto,
Batido pelo tufão;
É como a rocha
isolada,
Pelas espumas
banhada,
Dos mares na
solidão.
Nem uma luz de
esperança,
Nem um sopro de
bonança
Na fronte sinto
passar!
Os invernos me
despiram
E as ilusões que
fugiram
Nunca mais hão de
voltar!
Roem-me atrozes
ideias,
A febre me queima
as veias;
A vertigem me
tortura!...
Oh! por Deus!
quero dormir,
Deixem-me os
braços abrir
Ao sono da
sepultura!
Despem-se as matas
frondosas,
Caem as flores
mimosas
Da morte na
palidez,
Tudo, tudo vai
passando...
Mas eu pergunto
chorando:
Quando virá minha
vez?
Vem, oh virgem
descorada,
Com a fronte
pálida ornada
De cipreste
funerário,
Vem! oh! quero nos
meus braços
Cerrar-te em
meigos abraços
Sobre o leito
mortuário!
Vem, oh morte! a
turba imunda
Em sua miséria
profunda
Te odeia, te
calunia...
- Pobre noiva tão
formosa
Que nos espera amorosa
No termo da
romaria.
Quero morrer, que
este mundo
Com seu sarcasmo
profundo
Manchou-me de lodo
e fel,
Porque meu seio
gastou-se,
Meu talento
evaporou-se
Dos martírios ao
tropel!
Quero morrer: não
é crime
O fardo que me
comprime
Dos ombros lançar
ao chão,
Do pó
desprender-me rindo
E as asas brancas
abrindo
Lançar-me pela
amplidão!
Oh! quantas louras
crianças
Coroadas de
esperanças
Descem da campa à
friez!...
Os vivos vão
repousando;
Mas eu pergunto
chorando:
- Quando virá
minha vez?
Minh’alma é
triste, pendida,
Como a palmeira
batida
Pela fúria do
tufão.
É como a praia que
alveja,
Como a planta que
viceja
Nos muros de uma
prisão!
★★★
Tristeza
FAGUNDES VARELA
Eu amo a noite com
seu manto escuro
De tristes goivos
coroada a fronte
Amo a neblina que
pairando ondeia
Sobre o fastígio
de elevado monte.
Amo nas plantas,
que na tumba crescem,
De errante brisa o
funeral cicio:
Porque minh’alma,
como a sombra, é triste,
Porque meu seio é
de ilusões vazio.
Amo a desoras sob
um céu de chumbo,
No cemitério de
sombria serra,
O fogo-fátuo que a
tremer doideja
Das sepulturas na
revolta terra.
Amo ao silêncio do
ervaçal partido
De ave noturna o
funerário pio,
Porque minh’alma,
como a noite, é triste,
Porque meu seio é
de ilusões vazio.
Amo do templo, nas
soberbas naves,
De tristes salmos
o troar profundo;
Amo a torrente que
na rocha espuma
E vai do abismo
repousar no fundo.
Amo a tormenta, o
perpassar dos ventos,
A voz da morte no
fatal parcel,
Porque minh’alma
só traduz tristeza,
Porque meu seio se
abrevou de fel.
Amo o corisco que
deixando a nuvem
O cedro parte da
montanha, erguido,
Amo do sino, que
por morto soa,
O triste dobre na
amplidão perdido.
Amo na vida de
miséria e lodo,
Das desventuras o
maldito seio,
Porque minh’alma
se manchou de escárnios,
Porque meu seio se
cobriu de gelo.
Amo o furor do
vendaval que ruge,
Das asas negras
sacudindo o estrago;
Amo as metralhas,
o bulcão de fumo,
De corvo as tribos
em sangrento lago.
Amo do nauta o
doloroso grito
Em frágil prancha
sobre mar de horrores,
Porque meu seio se
tornou de pedra,
Porque minha’alma
descorou de dores.
O céu de anil, a
viração fagueira,
O lago azul que os
passarinhos beijam,
A pobre choça do
pastor no vale,
Chorosas flores
que ao sertão vicejam,
A paz, o amor, a
quietação e o riso
A meus olhares não
têm mais encanto,
Porque minh’alma
se despiu de crenças,
E do sarcasmo se
embuçou no manto.
★★★
Velhas tristezas
CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)
Diluências de luz,
velhas tristezas
Das almas que
morreram para a lute!
Sois as sombras
amadas de belezas
Hoje mais frias do
que a pedra bruta.
Murmúrios
incógnitos de gruta
Onde o mar canta
os salmos e as rudezas
De obscuras
religiões — voz impoluta
De sodas as
titânicas grandezas.
Passai, lembrando
as sensações antigas,
Paixões que foram
já dóceis amigas,
Na luz de eternos
sóis glorificadas.
Alegrias de há
tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas
que se vão embora
No poente da
Saudade amortalhadas!...
★★★
Tristeza
MANUEL DE ARRIAGA
“Cantos Sagrados” (1899)
Como isto cá por
fora é tudo alegre!
Quão belo o sol!
que esplêndida harmonia
A terra, o mar e
os céus!
Porem dentro de
mim que mundo à parte!
Que embate de
paixões! Que noite fúnebre!
Que mágoas, Santo
Deus!
Ai! se as manchas
que o sol no rosto esconde
Tem sobre o mundo
alguém onde projetem
A triste
escuridão,
Minha alma é como
o espelho onde elas caem,
Tão profunda é a
mágoa que me lavra
Aqui no coração!
E eu via há pouco
o azul dum céu sem mácula!
E o sol desta alma
fulgurante e límpido
Banha-me todo em
luz!
Porém, franqueza
humana! eu próprio o obrigo
A alumiar-me com a
luz da frouxa lâmpada
Dum templo de
Jesus!...
Senhor! Senhor!
que um teu olhar me alegre!
Que lave o
pavimento de meu peito
De muita ideia vã,
Que o mal é como a
noite, e o sol apaga-a
E transforma-a na
prata, ouro e púrpura
Das nuvens da
manhã!
Oh! tu tristeza,
irmã dos desgraçados,
Que lanças no meu
peito os ais plangentes
Desses gemidos
teus!
Desprende da minha
alma as asas negras,
E deixa entrar
alegre a luz do dia,
A luz vinda dos
céus!
E vós, filhos do
sol, tribos inúmeras
Da família de
Deus, plantas e flores
Insetos e animais,
Que engolfados nos
gozos do Universo,
Nesse concerto
imenso de harmonias,
Nos céus a Deus
louvais:
Ah! venho-vos
tomar por meus mentores,
Pois vale bem mais
a luz do vosso instinto,
Que a luz desta
razão,
Se eu não sei como
vós viver contente,
Trazer o azul dos
céus na consciência,
E a paz no
coração!
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