7/04/2018

Temas Poéticos: TRISTEZA - I


Tristeza amarga

JOSÉ MARIA DO AMARAL

Não chames sonhos a tristeza e dores
Do coração que chora a mocidade,
Na tarde triste da tristonha idade,
Que é tronco seco onde morreram flores.

Sonhos não são; nem são já sonhadores
Os que da vida sabem a verdade;
Dor pungente e real é a saudade
Do tempo em que de nós fomos senhores.

Nossos não somos já, senão da morte,
Quando entre o mundo está e a sepultura
Em fase derradeira, a nossa sorte;

Quem pode então lembrar, sem amargura,
Tenha embora o vigor do ânimo forte,
Que vai da vida a luz ser noite escura!

★★★

Tristeza

FAGUNDES VARELA

Minh’alma é como o deserto
De dúbia areia coberto,
Batido pelo tufão;
É como a rocha isolada,
Pelas espumas banhada,
Dos mares na solidão.

Nem uma luz de esperança,
Nem um sopro de bonança
Na fronte sinto passar!
Os invernos me despiram
E as ilusões que fugiram
Nunca mais hão de voltar!

Roem-me atrozes ideias,
A febre me queima as veias;
A vertigem me tortura!...
Oh! por Deus! quero dormir,
Deixem-me os braços abrir
Ao sono da sepultura!

Despem-se as matas frondosas,
Caem as flores mimosas
Da morte na palidez,
Tudo, tudo vai passando...
Mas eu pergunto chorando:
Quando virá minha vez?

Vem, oh virgem descorada,
Com a fronte pálida ornada
De cipreste funerário,
Vem! oh! quero nos meus braços
Cerrar-te em meigos abraços
Sobre o leito mortuário!

Vem, oh morte! a turba imunda
Em sua miséria profunda
Te odeia, te calunia...
- Pobre noiva tão formosa
Que nos espera amorosa
No termo da romaria.

Quero morrer, que este mundo
Com seu sarcasmo profundo
Manchou-me de lodo e fel,
Porque meu seio gastou-se,
Meu talento evaporou-se
Dos martírios ao tropel!

Quero morrer: não é crime
O fardo que me comprime
Dos ombros lançar ao chão,
Do pó desprender-me rindo
E as asas brancas abrindo
Lançar-me pela amplidão!

Oh! quantas louras crianças
Coroadas de esperanças
Descem da campa à friez!...
Os vivos vão repousando;
Mas eu pergunto chorando:
- Quando virá minha vez?

Minh’alma é triste, pendida,
Como a palmeira batida
Pela fúria do tufão.
É como a praia que alveja,
Como a planta que viceja
Nos muros de uma prisão!

★★★

Tristeza

FAGUNDES VARELA

Eu amo a noite com seu manto escuro
De tristes goivos coroada a fronte
Amo a neblina que pairando ondeia
Sobre o fastígio de elevado monte.

Amo nas plantas, que na tumba crescem,
De errante brisa o funeral cicio:
Porque minh’alma, como a sombra, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.

Amo a desoras sob um céu de chumbo,
No cemitério de sombria serra,
O fogo-fátuo que a tremer doideja
Das sepulturas na revolta terra.
Amo ao silêncio do ervaçal partido
De ave noturna o funerário pio,
Porque minh’alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.

Amo do templo, nas soberbas naves,
De tristes salmos o troar profundo;
Amo a torrente que na rocha espuma
E vai do abismo repousar no fundo.

Amo a tormenta, o perpassar dos ventos,
A voz da morte no fatal parcel,
Porque minh’alma só traduz tristeza,
Porque meu seio se abrevou de fel.

Amo o corisco que deixando a nuvem
O cedro parte da montanha, erguido,
Amo do sino, que por morto soa,
O triste dobre na amplidão perdido.

Amo na vida de miséria e lodo,
Das desventuras o maldito seio,
Porque minh’alma se manchou de escárnios,
Porque meu seio se cobriu de gelo.

Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas negras sacudindo o estrago;
Amo as metralhas, o bulcão de fumo,
De corvo as tribos em sangrento lago.

Amo do nauta o doloroso grito
Em frágil prancha sobre mar de horrores,
Porque meu seio se tornou de pedra,
Porque minha’alma descorou de dores.

O céu de anil, a viração fagueira,
O lago azul que os passarinhos beijam,
A pobre choça do pastor no vale,
Chorosas flores que ao sertão vicejam,

A paz, o amor, a quietação e o riso
A meus olhares não têm mais encanto,
Porque minh’alma se despiu de crenças,
E do sarcasmo se embuçou no manto.

★★★

Velhas tristezas

CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)

Diluências de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.

Murmúrios incógnitos de gruta
Onde o mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões — voz impoluta
De sodas as titânicas grandezas.

Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
Na luz de eternos sóis glorificadas.

Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vão embora
No poente da Saudade amortalhadas!...

★★★

Tristeza

MANUEL DE ARRIAGA
“Cantos Sagrados” (1899)

Como isto cá por fora é tudo alegre!
Quão belo o sol! que esplêndida harmonia
A terra, o mar e os céus!
Porem dentro de mim que mundo à parte!
Que embate de paixões! Que noite fúnebre!
Que mágoas, Santo Deus!

Ai! se as manchas que o sol no rosto esconde
Tem sobre o mundo alguém onde projetem
A triste escuridão,
Minha alma é como o espelho onde elas caem,
Tão profunda é a mágoa que me lavra
Aqui no coração!

E eu via há pouco o azul dum céu sem mácula!
E o sol desta alma fulgurante e límpido
Banha-me todo em luz!
Porém, franqueza humana! eu próprio o obrigo
A alumiar-me com a luz da frouxa lâmpada
Dum templo de Jesus!...

Senhor! Senhor! que um teu olhar me alegre!
Que lave o pavimento de meu peito
De muita ideia vã,
Que o mal é como a noite, e o sol apaga-a
E transforma-a na prata, ouro e púrpura
Das nuvens da manhã!

Oh! tu tristeza, irmã dos desgraçados,
Que lanças no meu peito os ais plangentes
Desses gemidos teus!
Desprende da minha alma as asas negras,
E deixa entrar alegre a luz do dia,
A luz vinda dos céus!

E vós, filhos do sol, tribos inúmeras
Da família de Deus, plantas e flores
Insetos e animais,
Que engolfados nos gozos do Universo,
Nesse concerto imenso de harmonias,
Nos céus a Deus louvais:

Ah! venho-vos tomar por meus mentores,
Pois vale bem mais a luz do vosso instinto,
Que a luz desta razão,
Se eu não sei como vós viver contente,
Trazer o azul dos céus na consciência,
E a paz no coração!

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