Ao cair da tarde
EMILIANO PERNETA
Agora nada mais.
Tudo silêncio. Tudo.
Esses claros
jardins com flores de giesta,
Esse parque real,
esse palácio em festa,
Dormindo à sombra
de um silêncio surdo e mudo…
Nem rosas, nem
luar, nem damas… Não me iludo,
A mocidade aí vem,
que ruge e que protesta,
Invasora brutal. E
a nós que mais nos resta,
Senão ceder-lhe a
espada e o manto de veludo?
Sim, que nos resta
mais? Já não fulge e não arde
O sol! E no covil
negro desse abandono,
Eu sinto o coração
tremer como um covarde!
Para que mais
viver, folhas tristes de outono?
Cerra-me os olhos,
pois, Senhor. É muito tarde.
São horas de
dormir o derradeiro sono.
★★★
Tarde na praia
(A Leal de Sousa)
EMÍLIO DE MENEZES
Quando, à primeira
vez, lhe via grandeza,
Foi nos tempos da
longe meninice.
E quedei-me à
mudez de quem sentisse
A alma de 'pasmos
e terrores presa.
Depois, na
mocidade, a olhá-lo, disse:
É moço o mar na
força e na beleza!
Mas, ao dia
apagado e à noite acesa,
Hoje o sinto entre
as brumas da velhice.
Distanciado de
escarpas e barrancos,
Vejo-o a morrer-me
aos pés, calmo, ao abrigo
Das grandes fúrias
e os hostis arrancos.
E ao contemplá-lo assim,
tristonho digo,
Vendo-lhe, à
espuma, os meus cabelos brancos:
O velho mar
envelheceu comigo!
★★★
De tarde
CESÁRIO VERDE
Naquele “pic-nic”
de burguesas,
Houve uma coisa
simplesmente bela,
E que, sem ter
história nem grandezas,
Em todo o caso
dava uma aguarela.
Foi quando tu,
descendo do burrico,
Foste colher, sem
imposturas tolas,
A um granzoal azul
de grão-de-bico
Um ramalhete rubro
de papoulas.
Pouco depois, em
cima duns penhascos,
Nós acampamos,
inda o sol se via;
E houve talhadas
de melão, damascos,
E pão de ló
molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro,
a sair da renda
Dos teus dois
seios como duas rolas,
Era o supremo
encanto da merenda
O ramalhete rubro
das papoulas.
★★★
Coisas da tarde
LUÍS DELFINO
"Algas e Musgos" (1927)
Era o disco do
sol, no poente, um forno
Aberto, a chama
calma, e cor-de-rosa:
E a lua, uma
camélia branca, adorno
Que tinha a tarde
azul na trança ondosa.
Criara o amor o
acaso, e a voluptuosa
Hora, e o lugar, e
o monte escuso, em torno
Do qual as vagas,
num marulho morno,
Gemiam, como quem
ou sofre ou goza.
Profundamente um
cheiro glauco e amargo
Aspirávamos nós,
num beijo insano...
Num beijo insano,
demorado, largo.
Fugia ao longe um
barco a todo pano...
E era uma dor
sumir-se... sem embargo
De quanta verde
luz enchia o oceano...
★★★
Pela tarde
LUÍS DELFINO
“Algas e Musgos” (1927)
...quoedam flere voluptas...
Ovídio
Num assento de
mármore, que doura
O tempo, e o sol,
que vai passando, olhá-la
É ver a tarde triste
e cismadora
Diante de um
verde, que flutua e a embala.
Velho raio de luz
desce a animá-la:
É a brancura numa
sombra loura,
Como num quadro,
cujo fundo fora
Pensado adrede por
quem quer pintá-la.
Arfa o silêncio no
seu rosto lindo,
Enquanto os olhos
seus pairam pregados
No azul, mais
forte sempre, o céu tingindo.
E ao barulho dos
leques espalmados,
Vê, sem ver, os
pavões, que vão subindo
Dois a dois, beira
a beira dos telhados...
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