Um Sonho
MACIEL MONTEIRO
Ao embarque e
partida de uma Senhora.
Ela foi-se! E com
ela foi minh’alma
n’asa veloz da brisa
sussurrante,
que ufana do
tesouro que levava,
ia... corria... e
como vai distante!
Voava a brisa e no
atrevido rapto
frisava do Oceano
a face lisa:
eu que a brisa
acalmar tentava insano,
com meus suspiros
alentava a brisa!
No horizonte
esconder-se anuviado
eu a vi; e dois
pontos luminosos
apenas onde ela ia
me mostravam:
eram eles seus
olhos lacrimosos!
Pouco e pouco
empanou-se a luz confusa,
que me sorria lá
dos olhos seus;
e d’além ondulando
uma aura amiga
aos meus ouvidos
repetiu adeus!
Nada mais via eu,
nem mesmo um raio
fulgir a furto a
esperança bela;
mas meus olhos
ilusos descobriram
numa amável visão
a imagem dela.
Esvaiu-se a visão,
qual nuvem áurea
ao bafejar da
vespertina aragem;
se aos olhos eu
perdia a imagem sua,
no meu peito eu
achava a sua imagem.
Ela foi-se!... E
com ela foi minh’alma
na asa veloz da
brisa sussurrante,
que ufana do
tesouro que levava,
ia... corria... e
como vai distante!
★★★
Sonho
JUNQUEIRA FREIRE
Era um bosque, um
arvoredo,
Uma sagrada
espessura,
— Mitológica
pintura
Que o romantismo
não faz.
Era um sítio tão
formoso,
Que nem um pincel
romano,
Nem Rubens, nem
Ticiano
Copiariam assaz.
Ali pensei que
sonhava
Com a donzela que
me inspira,
Que põe-me nas
mãos a lira,
Que põe-me o estro
a ferver;
Que me acalenta em
seu colo,
Que me beija a
vasta crente,
Que me obriga a
ser mais crente
No Deus que ela
julga crer.
Sonhei com a visão
dourada,
Que todo o poeta
sonha,
— Ideia gentil,
risonha,
Tão poucas vezes
real!
Que só, com o
peito abafado,
Se vai de noite em
segredo
Contar no denso
arvoredo
Ao cipreste
sepulcral.
Mas, despertando
do sonho,
Que aos homens não
se revela,
Achei comigo a
donzela,
Me apertando o
coração,
E ainda presa a
meus lábios,
Entre um riso,
entre um gemido,
Murmurou-me ao pé
do ouvido
— Que não era um
sonho, não. —
E não mais,
enquanto vivo,
Deixarei esta
espessura,
— Mitológica
pintura
Que o romantismo
não faz.
Era um sítio tão
formoso,
Que nem o pincel
romano,
Nem Rubens, nem
Ticiano
Copiariam assaz.
★★★
Dentro do Sonho
ALBERTO DE OLIVEIRA
Tanto de sonho lhe
hão chamado a vida
Que por sonho eu a
tenho e me convenço
Que tudo nela é
sonho, breve ou extenso,
Pouco importa,
querida.
Foi sonho aquela
vez primeira que nos vimos,
A última sonho
foi; sonho o primeiro abraço
Em que os dois nos
unimos;
Sonho o dia em que
tu entraste por meu braço
Num templo, e logo
após na casa que foi nossa;
Sonho o ver-me
então moço e o ver-te também moça...
Vinte anos todos
de felicidade!
E de improviso
tudo acaba, tudo...
Mas esta dor sem
fim, esta saudade,
Aquele golpe rudo,
Tredo e medonho,
- Devo-me
conformar - não passou tudo
De um sonho que
sonhei dentro do grande Sonho.
★★★
Balada do Sonho
(A Ceci Pessoa)
LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)
Sonhei-me castelã.
Dos meus domínios
de léguas em redor,
eu era a prenda
dos sonhos, dos
ridentes vaticínios,
a princesa gentil
de uma legenda.
Versos de amor, em
perfumada renda,
vinham a mim, como
o maior tesouro,
e eu preferia à
límpida oferenda:
meu castelo
feudal, meu pajem louro.
Cavaleiros
audazes, apolíneos
deixavam a meus
pés doces comendas,
e invocavam, em
ternos patrocínios,
meu nome, meu
olhar, à morte horrenda.
E eu alheia, nos
olhos tendo a venda
de um sonho azul,
— um lindo sorvedouro,
preferia à
ardorosa referenda,
no castelo feudal,
meu pajem louro.
Mas um dia (meus
sonhos examine-os
quem ao ler estes
versos se arrependa)
um dia, pondo o
sol os seus flamíneos
raios por sobre o
eirado da fazenda,
um corpo viu tendo
uma larga fenda
no peito; e o
olhar parado — uns olhos de ouro
E eu perdi a
alegria de uma lenda
vendo a morte
levar meu pajem louro.
Desci a ponte
eril. E esplêndida vivenda
abandonei,
deixando o meu tesouro...
E busquei
esquecer, de um claustro, à tenda,
meu castelo
feudal... meu pajem louro...
★★★
Sempre o Sonho
CRUZ E SOUZA
“Últimos Sonetos” (1905)
Para encantar os
círculos da Vida
É ser tranquilo,
sonhador, confiante,
Sempre trazer o
coração radiante
Como um rio e
rosais junto de ermida.
Beber na vinha
celestial, garrida
Das estrelas o
vinho flamejante
E caminhar
vitorioso e ovante
Como um deus, com
a cabeça enflorescida.
Sorrir, amar para
alargar os mundos
Do Sentimento e
para ter profundos
Momentos de
momentos soberanos.
Para sentir em
torno à terra ondeando
Um sonho, sempre
um sonho além rolando
Vagas e vagas de
imortais oceanos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...