7/02/2018

Temas Poéticos: SAUDADE - IV


Saudade

JUNQUEIRA FREIRE

Ao meu amigo
Frei Bento da Trindade Cortez
Atualmente no Mosteiro do Rio de Janeiro
... porque lágrimas também são amor.
Dr. J. J. B. de Oliveira

Em minhas horas de noturna insônia,
Com os olhos fitos no porvir longínquo
Eu penso em mim, - e na segunda ideia
Encontro-me contigo.

Eu te pranteio no arrebol da aurora,
Que em teu exílio meditando esperas.
Envolto num crepúsculo te enxergo
A deplorar teus fados.

Nas nuvens de sanguíneas listras
Lágrimas verto que sobre elas mando,
Partem, - porém do caminhar cansadas
Descaem no oceano.

Desesperado então, maldigo o espaço,
Maldigo o céu e a terra, o vácuo e o pleno.
Em cada criação deparo um erro.
Nem acho Deus tão sábio.

E na minha alma se desenha ao vivo
Melhor, mais belo, mais ditoso, um mundo.
Tiro do nada, sem ausência e males,
Um orbe todo novo.

O amor da pátria que os tiranos banem,
Não choraria maldições e sangue.
Nem tu nem eu seríamos cortados
Por divisões de abismos.

Mas quando ainda não acabo o sonho,
Diviso armadas que vão mar em fora.
Desperto, e caio nos aéreos braços
Da quimera sublime.

E mais amargo te lamento a sorte,
Tu, mártir feito pelas mãos dos bonzos,
Invoco o céu que entornará sobre eles
Alabastros de anátema.

Ligando a mim teu coração dorido,
Que a teus amigos em penhor deixaste,
Tateio nele as emoções tão vivas,
Que em teu desterro sofres.

Conheço as aflições que te salteiam,
Nobre proscrito. O sol, a lua, os astros.
Cruzam teu ponto, e trazem-me sinceros
Tuas ingênuas dores.

Sim! para os claustros não nasceu tua alma.
Teu coração não te palpita - Monge.
Nem tão baixo teus ímpetos serpenteiam,
Que um cárcere os contente.

Nesse vasto palor que te orna a fronte,
- Sinal dos homens de profundo gênio,
Eu leio a grande e destemida ideia,
Que não cabe nos claustros.

Deserta, ó gênio, do covil imundo,
Onde o leão dos vícios se alaparda.
Ah! esta cela, onde a indolência dorme.
Não pode, não, ser tua.

Coral guardado nas flumíneas urnas,
Quem há de te arrancar do equóreo fundo?
Não serias mais belo, em áureo engaste,
No colo de uma virgem?

★★★

Saudade

JOSÉ BONIFÁCIO

I
Eu já tive em belos tempos
Alguns sonhos de criança;
Já pendurei nas estrelas
A minha verde esperança;
Já recolhi pelo mundo
Muita suave lembrança.
Sonhava então - e que sonhos
Minha mente acalentaram?!
Que visões tão feiticeiras
Minhas noites embalaram?!
Como eram puros os raios
De meus dias que passaram?!
Tinha um anjo de olhos negros,
Um anjo puro e inocente,
Um anjo que me matava
Só c’um olhar - de repente,
- Olhar que batia na alma,
Raio de luz transparente!
Quando ela ria, e que riso?!
Quando chorava - que pranto?!
Quando rezava, que prece!
E nessa prece que encanto?!
Quando soltava os cabelos,
Como esparzia quebranto!
..............................................................
Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;
De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram!

II
Oh! que já fui feliz! - ardente, ansioso
Esta vida boiou-me em mar de encantos!
Os meus sonhos de amor eram mil flores
Aos sorrisos de aurora, abrindo a medo
Nos orvalhados campos!
Ela no agreste monte; ela nos prados;
Ela na luz do dia; ela nas sombras
Pardacentas do vale; ela no monte,
No céu, no firmamento - ela sorrindo!
Então o sol surgindo feiticeiro,
Entre nuvens de cores recamadas,
Segredava mistérios!
Como era verde o florejar das veigas,
Brandinha a viração, múrmura a fonte,
Meigo o clarão da lua, a estrela amiga
Na solidão do Céu!
Que sedes de querer, que amor tão santo,
Que crença pura, que inefáveis gozos,
Que venturas sem fim, calcando ousado
Humanas impurezas!
Deus sabe se por ela, em sonho estranho
A divagar sem tino em loucos êxtases,
Sonhei, penei, vivi, morri de amores!
Se um quebro fugitivo de seus olhos
Era mais do que a vida em plaga edênica,
Mais do que a luz ao cego, o orvalho às flores,
A liberdade ao triste prisioneiro,
E a terra da pátria ao foragido!!!
Mas, ai! - tudo morreu!...
Secou-se a relva, a viração calou-se,
Os queixumes da fonte emudeceram,
Mórbida a lua só prateia lousa,
A estrela amorteceu e o sol amigo
No verde-negro seio do oceano
Chorando a face esconde!
Meus amores talvez morreram todos
Da lua no clarão que eu entendia,
Nessa réstia do sol que me falava,
Que tantas vezes me aqueceu a fronte!

III
Além, além, meu pensamento, avante!
Que ideia agora a mente me assalteia?!
Lá surge afortunada,
Da minha infância a imagem feiticeira!
Quadra risonha de inocência angélica,
Minha estação no Céu, por que fugiste?
E que vens tu fazer - agora à tarde
Quando o sol já desceu os horizontes,
E a noite do saber já vem chegando
E os lúgubres lamentos?
Minha aurora gentil - tu bem sabias
Como eu falava às brisas que passavam,
Às estrelas do Céu, à lua argêntea,
Sobre nuvem purpúrea ao Sol já frouxo!
Ante mim se erguia então o venerando
O vulto de meu Pai - perto, ao meu lado
Minha irmãs brincavam inocentes,
Puras, ingênuas, como a flor que nasce
Em recatado ermo! - Ai! minha infância
Não voltarás... oh! nunca!... entre ciprestes
Dormes daqueles sonhos esquecida!
Na solidão da morte - ali repoisam
Ossos de Pai, de Irmãos!... embalde choras
Coração sem ventura... a lousa é muda,
E a voz dos mortos só a campa a entende.
Tive um canteiro de estrelas,
De nuvens tive um rosal;
Roubei às tranças da aurora
De pérolas um ramal.
De aurinoturno véu
Fez-me presente uma fada;
Pedi à lua os feitiços,
A cor da face rosada.
Contente à sombra da noite
Rezava a Virgem Maria!
De noite tinha esquecido
Os pensamentos do dia.
Sabia tantas histórias
Que não me lembra nenhuma;
Ao meus prantos apagaram
Todas, todas - uma a uma!

IV
Ambições, que eu já tive, que é delas?
Minhas glórias, meu Deus, onde estão?
A ventura - onde vivi na terra?
Minha rosas - que fazem no chão?
Sonhei tanto!... Nos astros perdidos
Noites... noites inteiras dormi;
Veio o dia, meu sono acabou-se,
Não sei como no mundo me vi!
Esse mundo que outrora habitava
Era Céu... paraíso... eu não sei!
Veio um anjo de formas aéreas,
Deu-me um beijo, depois acordei!
Vi maldito esse beijo mentido,
Esse beijo do meu coração!
Ambições, que eu já tive, que é delas?
Minhas glórias, meu Deus, onde estão?
A cegueira vendou-me estes olhos,
Atirei-me num pego profundo;
Quis coroas de glória... fugiram,
Um deserto ficou-me este mundo!
As grinaldas de louro murcharam,
Nem grinaldas - somente a loucura!
Vi no trono da glória um cipreste,
Junto dele uma vil sepultura!
Negros ódios, infames traições,
E mais tarde... um sudário rasgado!
O futuro?... Uma sombra que passa,
E depois... e depois... o passado!
Ai! maldito esse beijo sentido
Esse beijo do meu coração!
A ventura - onde vive na terra?
Minhas rosas - que fazem no chão?
Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;
De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram....

★★★

Invocação à saudade

GONÇALVES DE MAGALHÃES

Tu, que n’alma te embebes magoada,
Melancólica dor, e gota a gota
Vertes no coração tóxico acerbo,
Que entorpece a existência, e a vida rala!
Tu, tirana da ausência, que retratas
Em fugitiva sombra, em negro quadro
A imagem do passado;
Que ao filho sempre a mãe anosa antolhas,
A pátria ao peregrino, o amigo ao amigo,
O esposo à esposa; e ao malfadado escravo,
Que sem futuro pelo mundo vaga,
Mostras a liberdade, e o lar paterno;
E a cada simulacro que apresentas,
Com farpado aguilhão rasgas o peito
Do triste que te sofre;
E nos olhos sanguíneos, encovados,
Não lágrimas distilas,
Mas fel, só atro fel, bárbara, espremes.

Oh saudade! Oh martírio de alma nobre!
Malgrado o teu pungir, como és suave!
Como a rosa de espinhos guarnecida
Aguilhoa, e apraz co’o doce aroma,
Tu feres, e mitigas com lembranças.
Mas ah! o teu espinho ainda é mais duro;
E essas tuas lembranças são falazes,
Flores são que o punhal de Harmódio cobrem.

Para agora oprimir-me tudo se ergue;
Tudo agora de encantos se reveste,
Para mais agravar minha saudade.
Sítios qu’eu desdenhei, sítios que amava,
Templos que orar me viram respeitoso,
Estes céus de safira, estas montanhas
Cobertas de cocares de palmeiras,
Pais, amigos, irmãos, ah! tudo, tudo
Me está representando a fantasia,
Como que pouco a pouco quer matar-me.

Que cena há aí que mais encantos tenha,
Que ver lânguida virgem, pudibunda,
Pálida a fronte, as faces desbotadas,
Baixos os olhos, revoando a coma,
E uma terna expressão de oculta angústia
Que lavra-lhe as entranhas?
Que cena há aí que mais encantos tenha,
Que vê-la num baixel, segura ao mastro,
Suspiros exalar, longos suspiros,
Que voam murmurando, e se misturam
Co’os ventos que sibilam nas enxárcias?
De vez em quando olhar, e só ver nuvens,
Nuvens que o céu encobrem, retratando
Fugitivas imagens, que recordam
Terras da pátria; quem, meu Deus, quem pode
Resistir a tal cena?

Tu matas, oh saudade!... Às crespas ondas,
Delirante Moema, e quase insana,
Por ti ferida se arremessa.... e morre...
Que não pode a mesquinha
Longe viver do fugitivo amante,
Que tanto amor pagara com desprezos
Lindoia, entregue à dor, desesperada
N’ausência de Cacambo, mal lhe soa
Do caro esposo o último suspiro,
Também suspira, odeia a vida, e morre...
E tu, Clara infeliz, filha dos bosques,
Gerada entre palmeiras,
Nada pode aprazer-te, nada pode
Extinguir-te a lembrança
Da rústica cabana, onde embalada
Em berço foste de tecidas varas.
De diurnas, domésticas fadigas
Descansada, lá quando alveja a lua
Em fundo azul, mil vezes te enxergaram
Num tronco de coqueiro reclinada,
Cantar da infância tuas árias saudosas,
Árias bebidas nos maternos lábios:
Ai... minha mãe, dizias.
Ai... minha mãe... quem sabe se ainda vives!
Aldeia onde nasci, pobre cabana,
Rede que me embalavas, eu vos choro!

Oh terra do Brasil, terra querida,
Quantas vezes do mísero Africano
Te regaram as lágrimas saudosas?
Quantas vezes teus bosques repetiram
Magoados acentos
Do cântico do escravo,
Ao som dos duros golpes do machado!

Oh bárbara ambição, que sem piedade,
Cega e surda de Cristo a lei postergas,
E assoberbando mares, e perigos,
Vais infame roubar, não vãs riquezas,
Mas homens, que escravizas!
Mil vezes o Senhor, para punir-te,
Opôs ao teu baixel ondas e ventos;
Mil vezes, mas embalde,
Nas cavernas do mar caiu gemendo.
À voz do Eterno obediente a terra
Se mostra austera e parca,
Que a lágrima do escravo esteriliza
O terreno que orvalha.
A Natureza preza a Liberdade,
E só franqueia aos livres seus tesouros.

Oh suspirada, oh cara Liberdade,
Descende asinha do Africano à choça,
Seu pranto enxuga, quebra-lhe as cadeias,
E adoça-lhe da pátria a dor saudosa.
Oh palavras! oh língua! quão sois fracas,
Para d’alma narrar os sentimentos!
Oh saudade, aflição dura e suave!
Oh saudade, que o rosto me descoras,
Saudade que me apertas, que nos lábios
Secas-me o almo riso,
E o pensamento meu absorves todo,
Como uma esponja o líquido, e o repartes
Co’o passado, o presente, e co’o futuro.

Oh saudade! Oh saudade!
Minhas endechas mal carpidas colhe;
Dá-me um lúgubre som, como o das vagas
Que nas praias se quebram
Sem ordem, como os meus chorados cantos;
Uma voz sepulcral, como o da rola
Que em solitária selva se lamenta;
Um acento funéreo, um eco lúgubre,
Como o eco das grotas, quando a chuva
Goteja reboando.
Ah! corram minhas lágrimas, ah! corram
A quantos meus gemidos escutarem.

Oh saudade! Oh saudade!
Pois que em minha alma habitas,
E sem cessar me lembras pais, e Pátria,
Minhas tristes endechas serão tuas,
Saudade, serei teu... Saudade, és minha.

★★★

Noite de saudade

FLORBELA ESPANCA

A Noite vem pousando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura...
E nem sequer a benção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Porque és assim tão escura, assim tão triste?!
é que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!

★★★

Saudades

FLORBELA ESPANCA

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

★★★

Saudades

BERNARDO DE PASSOS

Saudades de amor, são penas
Que nascem do coração...
E como as penas das aves,
Quantas mais, mais brandas são!

Meu coração fez um ninho
Como o das aves perfeito,
Juntando todas as penas
De que ele me encheu o peito...

E nesse ninho, a sonhar
Dorme, assim, horas serenas,
Como dorme um passarinho
Sobre o seu ninho de penas.


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