O Beija-Flor
TOBIAS BARRETO
Era uma moça
franzina,
Bela visão
matutina
Daquelas que é
raro ver,
Corpo esbelto,
colo erguido,
Molhando o branco
vestido
No orvalho do
amanhecer.
Vede-a lá: tímida,
esquiva...
Que boca! é a flor
mais viva,
Que agora está no
jardim;
Mordendo a polpa
dos lábios
Como quem suga o
ressábio
Dos beijos de um
querubim!
Nem viu que as
auras gemeram,
E os ramos
estremeceram
Quando um pouco
ali se ergueu...
Nos alvos dentes,
viçosa,
Parte o talo de
uma rosa,
Que docemente
colheu.
E a fresca rosa
orvalhada,
Que contrasta
descorada,
Do seu rosto a
nívea tez,
Beijando as
mãozinhas suas,
Parece que diz: nós
duas!...
E a brisa emenda:
nós três!...
Vai nesse andar
descuidoso,
Quando um
beija-flor teimoso
Brincar entre os
galhos vem,
Sente o aroma da
donzela,
Peneira na face
dela,
E quer-lhe os
lábios também
Treme a virgem de
surpresa,
Leva do braço em
defesa,
Vai com o braço a
flor da mão;
Nas asas d’ave
mimosa
Quebra-se a flor
melindrosa,
Que rola esparsa
no chão.
Não sei o que a
virgem fala,
Que abre o peito e
mais trescala
Do trescalar de
uma flor:
Voa em cima o
passarinho...
Vai já tocando o
biquinho
Nos beiços de
rubra cor.
A moça, que se
envergonha
De correr, meio
risonha
Procura se
desviar;
Neste empenho os
seios ambos
Deixa ver;
inconhos jambos
De algum celeste
pomar!...
Forte luta, luta
incrível
Por um beijo! É
impossível
Dizer tudo o que
se deu.
Tanta coisa, que
se esquece
Na vida! Mas me
parece
Que o passarinho
venceu!...
Conheço a moça
franzina
Que a fronte
cândida inclina
Ao sopro de casto
amor:
Seu rosto fica
mais lindo,
Quando ela conta
sorrindo
A história do
beija-flor.
★★★
O sabiá
(Cançoneta)
FAGUNDES VARELA
Oh! meu sabiá
formoso,
Sonoroso,
Já desponta a
madrugada,
Desabrocha a linda
rosa
Donairosa,
Sobre a campina
orvalhada.
Manso o regato
murmura
Na verdura
Descrevendo giros
mil,
Some-se a estrela
brilhante,
Vacilante,
No horizonte cor
de anil.
Ergue-te, oh! meu
passarinho,
De teu ninho,
Vem gozar da
madrugada...
Modula teu terno
canto,
Doce encanto
De minh’alma
amargurada.
Vem junto à minha
janela,
Sobre a bela
Verdejante
laranjeira,
Beber o eflúvio
das flores,
Teus amores,
Nas asas de aura
fagueira.
Desprende a voz
adorada,
Namorada,
Poeta da solidão,
Ah! vem lançar com
encanto
Mais um canto,
No livro da
criação!
Oh! meu sabiá
formoso,
Sonoroso,
Já desponta a
madrugada...
Deixa teu ninho
altaneiro,
Vem ligeiro
Saudar a luz da
alvorada.
★★★
O albatroz
DELFIM GUIMARÃES
Às vezes no alto
mar, distrai-se a marinhagem
Na caça do
albatroz, ave enorme e voraz,
Que segue pelo
azul a embarcação em viagem,
Num voo triunfal,
numa carreira audaz.
Mas quando o
albatroz se vê preso, estendido
Nas tábuas do
convés, — pobre rei destronado!
Que pena que ele
faz, humilde e constrangido,
As asas imperiais
caídas para o lado!
Dominador do
espaço, eis perdido o seu nimbo!
Era grande e
gentil, ei-lo o grotesco verme!...
Chega-lhe um ao
bico o fogo do cachimbo,
Mutila um outro a
pata ao voador inerme.
O Poeta é
semelhante a essa águia marinha
Que desdenha da
seta, e afronta os vendavais;
Exilado na terra,
entre a plebe escarninha,
Não o deixam andar
as asas colossais!
★★★
O canário
BERNARDINO LOPES
I
Na choupana de um
velho proletário,
Entre a ramagem
múrmure e sombria
De virente pomar,
Apresentando um
rústico cenário:
Às vezes em
fragrante eflorescência,
Vistoso e a
balouçar,
Outras — de fruto
Os ramos a pender
no solo bruto,
Como quem cai em
lânguida dormência,
Cantava todo o
dia.
Um aflautado e
trêmulo canário.
II
Quem toma, acaso,
a travessia curta
Daquele sitio,
esmeraldino prado
De rescendente
murta
E bananeira
agreste, que a fragrância
Percebe-se a
distância
Do cachopo
escarlate e azul-ferrete,
Na ribanceira
hirsuta, entre gungis,
Que marchetam
selvático tapete,
Escuta-o,
embevecido,
Sentado ao cepo do
indaiá partido
Do ribeirão ao
lado,
E mais, mais
retirado,
O barulho de
ariscas juritis.
III
No caminho há
festões de escura sombra,
Com mil flores em
cacho;
E a água do
riacho,
Que à superfície é
como um claro espelho,
Atravessando o
leito do caminho
Vai se esconder
nos côncavos da alfombra
Da chácara do
velho.
Tão mole escorre e
rumoreja a fonte
Por debaixo da
ponte,
Que a descansar
convida-nos baixinho...
IV
Tão fresca que ela
é! Tons anilados
Na profundeza
escura e transparente
Da múrmure
corrente;
Uma pétala curva,
a flor de lima,
A folha verde e
limpa do arvoredo
Em delíquio e
brinquedo
Escorregando
vai...
É um barquinho
frágil que se anima...
Some-se! a gente
espera:
Dentre a sombra
fantástica dos matos
A veia d’água sai,
A deslizar-se-lhe,
outra vez, por cima,
Talvez... uma
quimera!
Talvez que a pluma
branca, alva dos patos,
Como uma nuvem na
azulada esfera!
V
E é tempo. O
caminheiro o ponche enrola,
Depois que, o sol
medindo, se levanta
Para seguir
viagem.
Mas o canário
canta
No grubapê
flexível da gaiola
Ao lado do oitão
Da Sombria
choupana, alegre, entanto,
Por trás dos ramos
da limeira — oculta,
Ao dote requebrar
daquele canto,
— Silvestre idílio
de uma letra inculta —
Mas filho e pai
entendem-lhe a linguagem,
Como a bradar —
coragem!!
VI
Tinha um filho
pequeno o proletário.
Era o gentil e
trêfego Joãozinho,
Fruto do seu amor.
No seu caminho
Da vida
transitória
Achara uma
consorte e, solitário,
Deitava luto em
si, dela em memória.
Agora viúvo e
pobre,
E triste como um
funerário dobre,
Ama o pequeno e
dá-lhe bons conselhos,
Quando assentado o
tem sobre os joelhos.
VII
Mandava o filho de
manhã à escola.
VIII
O que a este
entretinha era a gaiola,
De grubapê e cana,
Dependurada ao
caibro da choupana,
Onde cantava
alegre o seu canário.
Era um pássaro
belo,
Pequenino, gentil
todo amarelo!
Quando voltava do
arraial, sozinho,
Com o cajado ao
ombro,
Sem mostras de
temor, sequer de assombro,
Pelo deserto e
rústico caminho;
Na bolsa os
livros, o calçado à mão,
Calça ao joelho,
em desafio ao chão,
Despida a
jaquetinha, o peito aberto,
Cantando uma
cantiga
De sertanejo e
antiga
E do velho casebre
já bem perto,
Conhecia o canário
a voz do amigo
E punha-se a
cantar, cantar, cantar,
Com a cabacinha
junto do postigo...
O menino corria
pressuroso,
Mal chegava no
lar,
Do seu canário à
rústica prisão...
Nadava em pranto o
carinhoso olhar!
De júbilo,
coitado!
E acariciava-o
tanto,
Que o passarinho
transformava o canto
Em torrente de
célere trinado!
X
Embora fronte
branca e veneranda
Do trêmulo ancião
Pousasse,
acabrunhada, sobre a mão
Trigueira e
descarnada,
Assim como quem
anda
A imaginar a morte
muito perto,
Ele sorria sempre,
— rir incerto!
Dando ao semblante
uma expressão, um brilho,
Como luz de
relâmpago em sudário,
Ao infantil
espírito do filho,
Ao requebro
mavioso do canário!
Tanto que, se
achava na gaiola
Mudo e arrepiado,
Quando voltava do
labor diário,
Ia chorar o velho
na viola
Um lânguido
estribilho...
E o bom cantor
erguia o bico aberto!
Melancólico,
então, era o concerto!
***
Depois de uma
orfandade,
De álgida e
lutulenta viuvez,
Estava a
felicidade,
A alegria do
albergue solitário,
Do bom filho, do
honrado proletário,
Em rústica prisão
de grubapês.
★★★
A águia
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras”
(1938)
A águia negra, num
voo, de repente
Fura o céu,
desprendida da montanha,
E parece levar em
feixe ardente
Luz, que às garras
metálicas apanha.
Afronta o sol,
provoca-o frente a frente,
Deixa as nuvens
atrás, remonta em sanha...
E volta irada,
triste, e lentamente,
Por ver tão longe
a luminosa aranha.
Liso, e em fogo o
areal, como um espelho
Amplo, se estende
ao seu olhar vermelho...
Vermelho, como a
espuma dos vulcões:
Desce; e por
desenfado ao bico enorme,
Enquanto um grupo
de gazelas dorme,
Folga arrancando
os olhos aos leões.
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