Passou o Outono
(A Abel Aníbal de Azevedo)
(A Abel Aníbal de Azevedo)
CAMILO PESSANHA
Passou o outono já, já torna o frio...
- Outono de seu
riso magoado.
Álgido inverno!
Oblíquo o sol, gelado...
- O sol, e as
águas límpidas do rio.
Águas claras do
rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu
olhar cansado,
Para onde me
levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu
coração vazio?
Ficai, cabelos
dela, flutuando,
E, debaixo das
águas fugidias,
Os seus olhos
abertos e cismando...
Onde ides a
correr, melancolias?
- E, refratadas,
longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas
e frias...
★★★
Em uma tarde de Outono
OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)
Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim
calado, e as águas miro, absorto.
Outono...
Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem.
Viuvez, velhice, desconforto...
Por que, belo
navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar
inabitado e morto,
Se logo, ao vir do
vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao ir da
luz, abandonaste o porto?
A água cantou.
Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma,
desmanchada em riso e flocos brancos...
— Mas chegaste com
a noite, e fugiste com o sol!
E eu olho o céu
deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o
lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão
nascente do arrebol...
Jardim de Outono
MARIO PEDERNEIRAS
“Outono” (1914)
Anda-se em torno,
indefinido,
Um carinho sutil
de doçura e abandono
E de calma sem
fim,
Onde agora, feliz,
minha vida enredomo.
Hoje minh'alma é
como
Isolado recanto de
um Jardim
Adormecido
Na compassiva luz
de um fim do Outono.
E é nesse recanto,
assim, em abandono,
Calmo, ensombrado,
Onde não chega o
Sol que nos sufoca,
Que a Alma no
Outono,
Rememora e evoca
A vida que finou
na mágoa do Passado.
Agora, à extinta
alacridade
Dos intensos
ocasos sulferinos,
À bravura retórica
dos hinos,
A deprimente
excitação do vinho
E das Carnes e
Flores perfumadas,
Abalando, feroz,
nervos e músculos,
Como a todo o
vigor que o Sol sugere,
Agora a alma
prefere;
A fria meia tinta
dos Crepúsculos,
O velho romantismo
das bailadas,
A triste evocação
de um velha saudade
E o cheiro livre e
bom das ervas do Caminho.
Sem a rude emoção
que o sonho ensombra,
Já fugindo do Sol,
que escalda o vale e o monte,
Hoje é assim
minh'alma:
— Um trecho de
Jardim esquecido na sombra,
Quieto, macio e
mudo,
Acolhendo, feliz,
na doçura da calma,
Na sombra de
veludo,
A ilusão já
vencida,
Ou o sonho falaz
que, rápido, se esvai.
E, do Outono a
sentir a luz dolente e gasta,
Minh'alma vive
assim.
Neste velho
recanto de Jardim,
Calmo, deserto,
Sem o mago vigor
da Natureza bruta
E onde apenas se
escuta,
Como a lembrar os
ritmos da vida,
A sonora lamúria
de uma fonte
E o dobre vegetal
de uma folha que cai.
Na vida é sempre
assim, quando o Outono se afasta
E o inverno vem
perto.
★★★
Outono
MARIO PEDERNEIRAS
“Outono” (1914)
Outono!
Qualquer cousa lilás,
Schumann em
violino,
Angelus tangido em lentidões de sino,
Preguiçoso torpor
de um fim de sono,
Espelho de água
quieta dos canais!
Cá dentro,
A idade,
Restos de sonho e
de mocidade;
Trechos dispersos
De velhas ambições
falhas na vida.
Parcelas
De antigas ilusões
que ainda, a custo, concentro
E invoco até
agora!
Lá fora
A descida,
O crepúsculo
inócuo destes dias,
A tristeza das
folhas amarelas,
E a cantar sobre
estas ruínas frias
A monótona toada
de meus versos.
Desces,
Poeta!
A descida é suave,
Não te demanda
rigidez de músculos
E nem exige que
teu passo apresses...
A natureza é
quieta,
Da ingênua
quietação de um sonho de ave,
E há paina nos
crepúsculos...
No Outono a luz é
um eterno poente,
Que mais à calma
que ao rumor se ajeita;
Brilha,
Tão de manso e
calma,
Que até parece
unicamente feita
Par a o estado
d'alma
De um
convalescente.
Faltam-lhe
sugestões de alegria casquilha,
De amplos ares
sadios,
O tom fecundo do
verão insano
E a bamba flacidez
Dos tempos frios.
O Outono que os
troncos encarquilha
E as folhas oxida,
É a mais calma,
talvez,
Das estações do
ano
E a mais suave
também das épocas da vida.
Sem ânsias de
ilusões que as energias cansa,
Sem labores
brutais, que os músculos consomem,.
Mas ainda com a da
esperança
Rude força que o
doma,
O homem,
Que, mesmo assim,
inda canta e trabalha
A luz grisalha que
vem lá de cima
E torna o Céu
brumado,
Vê que tem, como o
Céu, o olhar embaciado,
Vê que tem, como a
luz, a cabeça grisalha
E não mais o seduz
a medieva arrogância
Dos feitos e do
gesto,
Na ânsia
Da defesa vital de
um sonho ou de uma causa
Que, na vida, o
Verão tantas vezes sugere;
No Outono prefere,
À luta inglória,
ao apressado e lesto
Ritmo dos passos,
Ao próprio Sol,
que aclara e doura,
As estradas, os
campos, a lavoura,
A vida regular, a
marcha em pausa
E a encardida
neblina dos mormaços...
A natureza é
quieta,
O Sol é menos
quente,
Menos gárrula a
ave.
Anda por tudo uma
impressão de sono
E a luz é um
eterno poente.
O teu verso também
é mais lento e suave!
É o Outono,
Poeta!
Pela vida e no Céu
a mesma placidez,
A mesma luz que,
em calma, aclara e brilha.
O mesmo aspecto de
cansaço humano.
O Outono que os
troncos encarquilha
E as folhas oxida,
E' a mais calma,
talvez,
Das estações do
ano
E a mais suave
também das épocas da vida.
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