7/04/2018

Temas Poéticos: OUTONO - I


Passou o Outono
(A Abel Aníbal de Azevedo)

CAMILO PESSANHA

Passou o outono já, já torna o frio...
- Outono de seu riso magoado.
Álgido inverno! Oblíquo o sol, gelado...
- O sol, e as águas límpidas do rio.

Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?

Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando...

Onde ides a correr, melancolias?
- E, refratadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias...

★★★

Em uma tarde de Outono

OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao ir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
— Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...

★★★

Jardim de Outono

MARIO PEDERNEIRAS
“Outono” (1914)

Anda-se em torno, indefinido,
Um carinho sutil de doçura e abandono
E de calma sem fim,
Onde agora, feliz, minha vida enredomo.
Hoje minh'alma é como
Isolado recanto de um Jardim
Adormecido
Na compassiva luz de um fim do Outono.

E é nesse recanto, assim, em abandono,
Calmo, ensombrado,
Onde não chega o Sol que nos sufoca,
Que a Alma no Outono,
Rememora e evoca
A vida que finou na mágoa do Passado.

Agora, à extinta alacridade
Dos intensos ocasos sulferinos,
À bravura retórica dos hinos,
A deprimente excitação do vinho
E das Carnes e Flores perfumadas,
Abalando, feroz, nervos e músculos,
Como a todo o vigor que o Sol sugere,

Agora a alma prefere;
A fria meia tinta dos Crepúsculos,
O velho romantismo das bailadas,
A triste evocação de um velha saudade
E o cheiro livre e bom das ervas do Caminho.

Sem a rude emoção que o sonho ensombra,
Já fugindo do Sol, que escalda o vale e o monte,
Hoje é assim minh'alma:
— Um trecho de Jardim esquecido na sombra,
Quieto, macio e mudo,
Acolhendo, feliz, na doçura da calma,
Na sombra de veludo,
A ilusão já vencida,
Ou o sonho falaz que, rápido, se esvai.
E, do Outono a sentir a luz dolente e gasta,
Minh'alma vive assim.
Neste velho recanto de Jardim,
Calmo, deserto,
Sem o mago vigor da Natureza bruta
E onde apenas se escuta,
Como a lembrar os ritmos da vida,
A sonora lamúria de uma fonte
E o dobre vegetal de uma folha que cai.

Na vida é sempre assim, quando o Outono se afasta

E o inverno vem perto.

★★★

Outono

MARIO PEDERNEIRAS
“Outono” (1914)

Outono!
Qualquer cousa lilás,
Schumann em violino,
Angelus tangido em lentidões de sino,
Preguiçoso torpor de um fim de sono,
Espelho de água quieta dos canais!

Cá dentro,
A idade,
Restos de sonho e de mocidade;
Trechos dispersos
De velhas ambições falhas na vida.
Parcelas
De antigas ilusões que ainda, a custo, concentro
E invoco até agora!

Lá fora
A descida,
O crepúsculo inócuo destes dias,
A tristeza das folhas amarelas,
E a cantar sobre estas ruínas frias
A monótona toada de meus versos.

Desces,
Poeta!
A descida é suave,
Não te demanda rigidez de músculos
E nem exige que teu passo apresses...
A natureza é quieta,
Da ingênua quietação de um sonho de ave,
E há paina nos crepúsculos...

No Outono a luz é um eterno poente,
Que mais à calma que ao rumor se ajeita;
Brilha,
Tão de manso e calma,
Que até parece unicamente feita
Par a o estado d'alma
De um convalescente.

Faltam-lhe sugestões de alegria casquilha,
De amplos ares sadios,
O tom fecundo do verão insano
E a bamba flacidez
Dos tempos frios.
O Outono que os troncos encarquilha
E as folhas oxida,
É a mais calma, talvez,
Das estações do ano
E a mais suave também das épocas da vida.

Sem ânsias de ilusões que as energias cansa,
Sem labores brutais, que os músculos consomem,.
Mas ainda com a da esperança
Rude força que o doma,
O homem,
Que, mesmo assim, inda canta e trabalha
A luz grisalha que vem lá de cima
E torna o Céu brumado,
Vê que tem, como o Céu, o olhar embaciado,
Vê que tem, como a luz, a cabeça grisalha
E não mais o seduz a medieva arrogância
Dos feitos e do gesto,
Na ânsia
Da defesa vital de um sonho ou de uma causa
Que, na vida, o Verão tantas vezes sugere;
No Outono prefere,
À luta inglória, ao apressado e lesto
Ritmo dos passos,
Ao próprio Sol, que aclara e doura,
As estradas, os campos, a lavoura,
A vida regular, a marcha em pausa
E a encardida neblina dos mormaços...

A natureza é quieta,
O Sol é menos quente,
Menos gárrula a ave.
Anda por tudo uma impressão de sono
E a luz é um eterno poente.

O teu verso também é mais lento e suave!
É o Outono,
Poeta!

Pela vida e no Céu a mesma placidez,
A mesma luz que, em calma, aclara e brilha.
O mesmo aspecto de cansaço humano.
O Outono que os troncos encarquilha
E as folhas oxida,
E' a mais calma, talvez,
Das estações do ano
E a mais suave também das épocas da vida.

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