Quando a noite se estrela
(Para Nadir)
LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)
Quando a noite se estrela, doce e calma,
estendendo da lua
os voos de prata,
a minh'alma
das roxas flores
da melancolia,
sob a influência
dessa noite fria,
as delicadas
pétalas desata.
E um perfume
inebria-me os sentidos;
capitoso
adormenta-me a
carne e me elastece
os nervos
doloridos;
tenho a impressão
que a mão
de um Sonho
místico e envolvente,
suave, delicioso,
do pobre coração
a chaga que
enlouquece,
anestesia
pacientemente
e as dores
adormece...
E o ópio bebendo
do luar fluídico,
fantásticas visões
a mente me povoam:
bizarras e sadias,
afastando da mágoa
o tom fatídico,
voam,
chegam, revoam
as minhas
Alegrias...
Conheço-as uma a
uma:
o sorriso daquela
me enternece;
desta
o olhar meigo e
macio como a pluma
enche a minh’alma
de um rumor de festa.
Brinco, sorrio,
canto,
e, em cada canto,
nova sombra
querida me aparece:
minha glória, meu
sonho, meu desejo,
juras,
promessas... o dulçor de um beijo.
meu Amor...
e atrás dele
(passa-me sobre a
pele
um arrepio...)
atrás dele
— desvario! —
vem a dor...
Quero fugir-lhe: o
ópio me entorpece
do luar;
quero gritar:
a voz paralisada
jaz na garganta
anestesiada...
Com o olhar
aflito, busco as alegrias:
risonhas,
fugidias,
lá se vão a
cantar...
E a Dor,
enquanto a noite
fria me amortalha
na lívida toalha
de nebulosas e de
estrelas frouxas,
em nome do meu
Amor,
a dor
espalha
sobre a minha
mortalha
pétalas tristes de
saudades roxas,...
★★★
Fantasia de uma noite branca
(A Dadá)
LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)
Enquanto a terra
dorme, a Noite
por se entreter,
põe-se a fiar
flocos de nevoa,
sob o açoite
do vento frio e do
luar.
Rendas mais caras
e alvadias
a pobre tece sem
parar,
bordando as loucas
fantasias
que sempre tem
olhando o mar...
Trabalha sempre...
fia... fia
rendas de nevoa e
de luar.
Sanefas põe na
árvore esguia,
de seda cobre a
úmida flor;
não se detém: só
teme o dia
— o seu rival e
seu senhor...
De prata loira e
alvinitente
um manto faz —
lindo penhor!
ao mar que canta
docemente,
rolando em ondas,
seu amor.
Trabalha sempre...
fia... fia
mantos de nevoa e
de dulçor.
Põe cuidadosa no
trabalho
todo o seu sonho
de mulher:
nas folhas prende
argênteo orvalho,
despetalando um
malmequer.
Pérolas raras, nos
caminhos,
espalha e dá —
louca e esmoler —
de luz enchendo os
passarinhos!
— a tessitura é
seu mister...
Trabalha sempre...
fia... fia
despetalando um
malmequer.
Da lua entrança os
frios raios
e faz do espaço o
seu tear;
queima no alvor
dos lírios maios
o ópio do sono e
do luar.
E, enquanto tece,
ardente e ansiosa,
doce perfume erra
pelo ar,
mais capitoso do
que a rosa,
e mais selvagem do
que o mar..
Trabalha sempre...
fia... fia
o ópio do sono e
do luar.
E lodo o ardil da
fantasia,
todo o mistério de
um amor,
a Noite branca
tece e fia
num grande sonho
protetor...
Salpica o eco
cheio de estrelas
qual com mais
brilho e mais fulgor
ai, como é bom
sonhar e vê-las,
vendo e sonhando o
nosso amor
que a Noite branca
fia... fia...
num grande sonho
protetor!
★★★
Noite
RONALD DE CARVALHO
"Poemas e Sonetos" (1919)
No remanso da
noite, quem não sente
Uma velha aflição,
magoada, imensa?
Quem não abaixa os
olhos, de repente,
Cheio de
inquietação, e de descrença!
Essa tranquilidade
funda, algente,
Feita de desengano
e indiferença,
Onde os seres se
apagam, lentamente,
Quem ha que dentro
da alma insone a vença?
Nas árvores, nas
brumas vaporosas,
Nas pedras rudes,
nas planícies erra
A tristeza das
coisas silenciosas.
E quanto mais de
horror a alma recua,
Mais sombra cai
dos ares sobre a terra,
Mais refulge no
céu sereno a lua.
★★★
Alegoria da Noite
RONALD DE CARVALHO
"Poemas e Sonetos" (1919)
A noite é suave
como um beijo sobre a face.
Nas frondes
quietas ronda o luar, e o luar acende
Figuras de marfim,
suspensas entre a bruma.
Pelo céu de cristal,
luminosa e fugace,
Brilha uma
estrela, e foge; e todo o espaço esplende,
Num trêmulo clarão
de alabastro e de espuma.
A paisagem parece
um aquário gelado.
As gramas são
corais sombrios, e as raízes
Lembram aranhas de
ouro, a fugir na penumbra.
O casario, sobre
as curvas de um montado,
Deita espectros no
chão, e há lágrimas felizes
Nos ramos, de onde
o orvalho escorre, e me deslumbra.
Na doçura do
ambiente a solidão é um poema
Que a alma diz,
devagar, num leve choro de harpas;
E o silêncio é uma
voz que emudeceu na sombra...
A lua abre, no
azul, como a flor de um diadema,
E no céu de
cristal, aprumando as escarpas,
Num tropel de
alcantis o horizonte se escombra.
Noite, irmã da
ilusão, quanto sonho glorioso
Semeiam tuas mãos,
onde ardem, num chuveiro,
Astros,
constelações, nebulosas distantes,
E toda a flora
ideal de um país maravilhoso!
Quanto desejo vão,
inquieto e passageiro,
Tomba de tuas
mãos, como a hora dos quadrantes...
Nas sombras do
jardim sobe um rumor de chuva
Da água dos vasos,
que um Tritão indiferente
Na fonte senhorial
deixa rolar, num salto.
E os faunos, em
redor da vinha aberta em uva,
Descerram, num
clarão, os olhos de repente,
E movem quase, a
rir, os cornos de basalto.
Pelo céu de
cristal, luminosa e fugace,
Brilha uma
estrela, e foge. O espaço claro esplende.
Nas frondes
quietas ronda o luar que a terra acende.
A noite é suave
como um beijo sobre a face...
★★★
Noites do Polo Norte
LUÍS DELFINO
“Íntimas e Aspásias” (1935)
Não conheceis a
noite do poeta...
A minha noite, a
noite em que volteio,
E o turbilhão de
trevas do meu seio,
E a angústia negra
já sem fim nem meta?...
Pois continua a
noite escura e inquieta:
Mas encheu-se de
pássaros, e creio
Que um raio que a
feriu, como uma seta,
Foi dos raios dos
olhos seus que veio.
Frios céus todo a
arder no polo Norte,
Os meus agora têm
a vossa sorte:
Redondas taças
leite a transbordar,
Chamejam cheias de
uma luz divina:
E o sol, que assim
as doira e as ilumina,
Ninguém vê de que
ponto anda a brilhar...
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