A Noite
(A Wenceslau de Queiroz)
FRANCISCA JÚLIA
"Esfinges" (1903)
Um vento fresco e
suave entre os pinhais murmura;
A Noite, aos
ombros solta a desgrenhada coma,
No seu plaustro de
crepe, entre as nuvens, assoma...
Tornam-se o campo
e o céu de uma cor mais escura.
Um novo aspecto em
tudo. Um novo e bom aroma
De látiros exala,
a amplíssima verdura.
Num hausto longo,
a Noite, aos ares a frescura
Doce, entreabrindo
a flor dos negros lábios, toma...
Por vales e rechãs
caminha, passo a passo,
Atento o ouvido, à
escuta... E no seu plaustro enorme
Cujo rumor desperta
a placidez do espaço,
À encantada região
das estrelas se eleva...
E, ao ver que
dorme o espaço e o mundo inteiro dorme,
Volve, quieta, de
novo, à habitação da treva.
★★★
Em constelada noite...
DAMASCENO VIEIRA
"Albatrozes" (1908)
Em constelada
noite, quando fito
A vasta e
palpitante imensidade,
O pensamento quer,
com ansiedade,
Perscrutar os
mistérios do infinito.
Escuto-o, em
sonho, a interrogar aflito:
“Donde irradia a
eterna Divindade,
Se dos astros a
infinda quantidade
Jamais espaço
encontra circunscrito?
Onde está Deus?” E
o pensamento, estuoso.
Em gigantesco voar
vertiginoso
As estelares
amplidões percorre...
De mundo em mundo,
no aspirar insano.
Tenta engolfar-se
no profundo arcano...
Mas no abismo
insondável tomba e morre.
Noite gloriosa
DAMASCENO VIEIRA
"Albatrozes" (1908)
“Descreve-me esta
noite deslumbrante,
Este céu que de
estrelas se constela,
A grande maravilha
palpitante
De sóis cravados
na azulada tela!
Descreve, numa
estrofe rutilante
Em que a chama sagrada
se revela,
A lua, a cismadora
deusa errante
Que divaga a
sorrir, desnuda e bela!
Canta, poeta, a
augusta majestade
Que nos rodeia: a
luz, a imensidade,
Tudo quanto
respiro e sinto e vejo!
Em prêmio da
tarefa sublimada,
Que desejas? A
glória ambicionada?”
— Sim, amor !
Quero a glória de teu beijo!
Noturno
OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)
Já toda a terra
adormece.
Sai um soluço da
flor.
Rompe de tudo um
rumor,
Leve como o de uma
prece.
A tarde cai.
Misterioso,
Geme entre os
ramos o vento.
E há por todo o
firmamento
Um anseio
doloroso.
Áureo turíbulo
imenso,
O ocaso em
púrpuras arde,
E para a oração da
tarde
Desfaz-se em rolos
de incenso.
Moribundos e
suaves,
O vento na asa
conduz
O último raio da
luz
E o último canto
das aves.
E Deus, na altura
infinita,
Abre a mão
profunda e calma,
Em cuja profunda
palma
Todo o Universo
palpita.
Mas um barulho se
eleva...
E, no páramo
celeste,
A horda dos astros
investe
Contra a muralha
da treva.
As estrelas, salmodiando
O Peã sacro, a
voar,
Enchem de cânticos
o ar...
E vão passando...
passando...
Agora, maior
tristeza,
Silêncio agora
mais fundo;
Dorme, num sono
profundo,
Sem sonhos, a
natureza.
A flor-da-noite
abre o cálix...
E, soltos, os
pirilampos
Cobrem a face dos
campos,
Enchem o seio dos
vales:
Trêfegos e
alvoroçados,
Saltam,
fantásticos Djins,
De entre as moitas
de jasmins,
De entre os rosais
perfumados.
Um deles pela
janela
Entre no teu
aposento,
E para, plácido e
atento,
Vendo-te, pálida e
bela.
Chega ao teu
cabelo fino,
Mete-se nele: e
fulgura,
E arde nessa noite
escura,
Como um astro
pequenino.
E fica. Os outros
lá fora
Deliram. dormes...
Feliz,
Não ouves o que
ele diz,
Não ouves como ele
chora...
Diz ele: "O
poeta encerra
Uma noite, em si,
mais triste
Que essa que,
quando dormiste,
Velava a face da
terra...
Os outros saem do
meio
Das moitas cheias
de flores:
Mas eu saí de
entre as dores
Que ele tem dentro
do seio.
Os outros a toda
parte
Levam o vivo
clarão,
E eu vim do seu
coração
Só para ver-te e
beijar-te.
Mandou-me sua alma
louca,
Que a dor da
ausência consome,
Saber se em sonho
o seu nome
Brilha agora em
tua boca!
Mandou-me ficar
suspenso
Sobre o teu peito
deserto,
Por contemplar de
mais perto
Todo esse deserto
imenso!"
Isso diz o
pirilampo...
Anda lá fora um
rumor
De asas
rufladas... A flor
Desperta, desperta
o campo...
Todos os outros,
prevendo
Que vinha o dia,
partiram,
Todos os outros
fugiram...
Só ele fica
gemendo.
Fica, ansioso e
sozinho,
Sobre o teu sono
pairando...
E apenas, a luz
fechando,
Volve de novo ao
seu ninho,
Quando vê, inda
não farto
De te ver e de te
amar,
Que o sol
descerras do olhar,
E o dia nasce em
teu quarto...
Dentro da noite
OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)
Ficas a um canto
da sala,
Olhas-me e finges
que lês...
Ainda uma vez te
ouço a fala,
Olho-te ainda uma
vez;
Saio... Silêncio
por tudo:
Nem uma folha se
agita;
E o firmamento,
amplo e mudo,
Cheio de estrelas
palpita.
E eu vou sozinho,
pensando
Em teu amor, a
sonhar,
No ouvido e no olhar
levando
Tua voz e teu
olhar.
Mas não sei que
luz me banha
Todo de um vivo
clarão;
Não sei que música
estranha
Me sobre do
coração.
Como que, em
cantos suaves,
Pelo caminho que
sigo,
Eu levo todas as
aves,
Todos os astros
comigo.
E é tanta essa
luz, é tanta
Essa música sem
par,
Que nem sei se é a
luz que canta,
Se é o som que
vejo brilhar.
Caminho em êxtase,
cheio
Da luz de todos os
sóis,
Levando dentro do
seio
Um ninho de
rouxinóis.
E tanto brilho
derramo,
E tanta música
espalho,
Que acordo os
ninhos e inflamo
As gotas frias do
orvalho.
E vou sozinho,
pensando
Em teu amor, a
sonhar,
No ouvido e no
olhar levando
Tua voz e teu
olhar.
Caminho. A terra
deserta
Anima-se. Aqui e
ali,
Por toda parte
desperta
Um coração que
sorri.
Em tudo palpita um
beijo,
Longo, ansioso,
apaixonado,
E um delirante
desejo
De amar e de ser
amado.
E tudo, — o céu
que se arqueia
Cheio de estrelas,
o mar,
Os troncos negros,
a areia,
— Pergunta, ao
ver-me passar:
"O amor, que
a teu lado levas,
A que lugar te
conduz,
Que entras coberto
de trevas,
E sais coberto de
luz?
De onde vens? Que
firmamento
Correste durante o
dia,
Que voltas
lançando ao vento
Esta inaudita
harmonia?
Que país de
maravilhas,
Que Eldorado
singular
Tu visitaste, que
brilhas
Mais do que a
estrela polar?"
E eu continuo a
viagem,
Fantasma
deslumbrador,
Seguido por tua
imagem,
Seguido por teu
amor.
Sigo... Dissipo a
tristeza
De tudo, por todo
o espaço,
E ardo, e canto, e
a Natureza
Arde e canta,
quando eu passo,
— Só porque passo pensando
Em teu amor, a
sonhar,
No ouvido e no
olhar levando
Tua voz e teu
olhar...
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