7/04/2018

Temas Poéticos: NOITE - II


A Noite
(A Wenceslau de Queiroz)

FRANCISCA JÚLIA
"Esfinges" (1903)

Um vento fresco e suave entre os pinhais murmura;
A Noite, aos ombros solta a desgrenhada coma,
No seu plaustro de crepe, entre as nuvens, assoma...
Tornam-se o campo e o céu de uma cor mais escura.

Um novo aspecto em tudo. Um novo e bom aroma
De látiros exala, a amplíssima verdura.
Num hausto longo, a Noite, aos ares a frescura
Doce, entreabrindo a flor dos negros lábios, toma...

Por vales e rechãs caminha, passo a passo,
Atento o ouvido, à escuta... E no seu plaustro enorme
Cujo rumor desperta a placidez do espaço,

À encantada região das estrelas se eleva...
E, ao ver que dorme o espaço e o mundo inteiro dorme,
Volve, quieta, de novo, à habitação da treva.

★★★

Em constelada noite...

DAMASCENO VIEIRA
"Albatrozes" (1908)

Em constelada noite, quando fito
A vasta e palpitante imensidade,
O pensamento quer, com ansiedade,
Perscrutar os mistérios do infinito.

Escuto-o, em sonho, a interrogar aflito:
“Donde irradia a eterna Divindade,
Se dos astros a infinda quantidade
Jamais espaço encontra circunscrito?

Onde está Deus?” E o pensamento, estuoso.
Em gigantesco voar vertiginoso
As estelares amplidões percorre...

De mundo em mundo, no aspirar insano.
Tenta engolfar-se no profundo arcano...
Mas no abismo insondável tomba e morre.

 ★★★

Noite gloriosa

DAMASCENO VIEIRA
"Albatrozes" (1908)

“Descreve-me esta noite deslumbrante,
Este céu que de estrelas se constela,
A grande maravilha palpitante
De sóis cravados na azulada tela!

Descreve, numa estrofe rutilante
Em que a chama sagrada se revela,
A lua, a cismadora deusa errante
Que divaga a sorrir, desnuda e bela!

Canta, poeta, a augusta majestade
Que nos rodeia: a luz, a imensidade,
Tudo quanto respiro e sinto e vejo!

Em prêmio da tarefa sublimada,
Que desejas? A glória ambicionada?”
— Sim, amor ! Quero a glória de teu beijo!

★★★

Noturno

OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)

Já toda a terra adormece.
Sai um soluço da flor.
Rompe de tudo um rumor,
Leve como o de uma prece.

A tarde cai. Misterioso,
Geme entre os ramos o vento.
E há por todo o firmamento
Um anseio doloroso.

Áureo turíbulo imenso,
O ocaso em púrpuras arde,
E para a oração da tarde
Desfaz-se em rolos de incenso.

Moribundos e suaves,
O vento na asa conduz
O último raio da luz
E o último canto das aves.

E Deus, na altura infinita,
Abre a mão profunda e calma,
Em cuja profunda palma
Todo o Universo palpita.

Mas um barulho se eleva...
E, no páramo celeste,
A horda dos astros investe
Contra a muralha da treva.

As estrelas, salmodiando
O Peã sacro, a voar,
Enchem de cânticos o ar...
E vão passando... passando...

Agora, maior tristeza,
Silêncio agora mais fundo;
Dorme, num sono profundo,
Sem sonhos, a natureza.

A flor-da-noite abre o cálix...
E, soltos, os pirilampos
Cobrem a face dos campos,
Enchem o seio dos vales:

Trêfegos e alvoroçados,
Saltam, fantásticos Djins,
De entre as moitas de jasmins,
De entre os rosais perfumados.

Um deles pela janela
Entre no teu aposento,
E para, plácido e atento,
Vendo-te, pálida e bela.

Chega ao teu cabelo fino,
Mete-se nele: e fulgura,
E arde nessa noite escura,
Como um astro pequenino.

E fica. Os outros lá fora
Deliram. dormes... Feliz,
Não ouves o que ele diz,
Não ouves como ele chora...

Diz ele: "O poeta encerra
Uma noite, em si, mais triste
Que essa que, quando dormiste,
Velava a face da terra...

Os outros saem do meio
Das moitas cheias de flores:
Mas eu saí de entre as dores
Que ele tem dentro do seio.

Os outros a toda parte
Levam o vivo clarão,
E eu vim do seu coração
Só para ver-te e beijar-te.

Mandou-me sua alma louca,
Que a dor da ausência consome,
Saber se em sonho o seu nome
Brilha agora em tua boca!

Mandou-me ficar suspenso
Sobre o teu peito deserto,
Por contemplar de mais perto
Todo esse deserto imenso!"

Isso diz o pirilampo...
Anda lá fora um rumor
De asas rufladas... A flor
Desperta, desperta o campo...

Todos os outros, prevendo
Que vinha o dia, partiram,
Todos os outros fugiram...
Só ele fica gemendo.

Fica, ansioso e sozinho,
Sobre o teu sono pairando...
E apenas, a luz fechando,
Volve de novo ao seu ninho,

Quando vê, inda não farto
De te ver e de te amar,
Que o sol descerras do olhar,
E o dia nasce em teu quarto...

 ★★★

Dentro da noite

OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)

Ficas a um canto da sala,
Olhas-me e finges que lês...
Ainda uma vez te ouço a fala,
Olho-te ainda uma vez;
Saio... Silêncio por tudo:
Nem uma folha se agita;
E o firmamento, amplo e mudo,
Cheio de estrelas palpita.
E eu vou sozinho, pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar.

Mas não sei que luz me banha
Todo de um vivo clarão;
Não sei que música estranha
Me sobre do coração.
Como que, em cantos suaves,
Pelo caminho que sigo,
Eu levo todas as aves,
Todos os astros comigo.
E é tanta essa luz, é tanta
Essa música sem par,
Que nem sei se é a luz que canta,
Se é o som que vejo brilhar.

Caminho em êxtase, cheio
Da luz de todos os sóis,
Levando dentro do seio
Um ninho de rouxinóis.
E tanto brilho derramo,
E tanta música espalho,
Que acordo os ninhos e inflamo
As gotas frias do orvalho.
E vou sozinho, pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar.

Caminho. A terra deserta
Anima-se. Aqui e ali,
Por toda parte desperta
Um coração que sorri.
Em tudo palpita um beijo,
Longo, ansioso, apaixonado,
E um delirante desejo
De amar e de ser amado.
E tudo, — o céu que se arqueia
Cheio de estrelas, o mar,
Os troncos negros, a areia,
— Pergunta, ao ver-me passar:

"O amor, que a teu lado levas,
A que lugar te conduz,
Que entras coberto de trevas,
E sais coberto de luz?
De onde vens? Que firmamento
Correste durante o dia,
Que voltas lançando ao vento
Esta inaudita harmonia?
Que país de maravilhas,
Que Eldorado singular
Tu visitaste, que brilhas
Mais do que a estrela polar?"

E eu continuo a viagem,
Fantasma deslumbrador,
Seguido por tua imagem,
Seguido por teu amor.
Sigo... Dissipo a tristeza
De tudo, por todo o espaço,
E ardo, e canto, e a Natureza
Arde e canta, quando eu passo,
— Só porque passo pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar...


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