Violoncelo
(A Carlos Amaro)
CAMILO PESSANHA
Chorai, arcadas
Do violoncelo,
Convulsionadas.
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos.
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro.
Que ruínas,
ouçam...
Se se debruçam,
Que sorvedouro!
Lívidos astros,
Soidões
lacustres...
Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas.
Blocos de gelo!
Chorai, arcadas
Do violoncelo,
Despedaçadas...
★★★
Dança do ventre
CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)
Torva, febril,
torcicolosamente,
Numa espiral de
elétricos volteios,
Na cabeça, nos
olhos e nos seios
Fluíam-lhe os
venenos da serpente.
Ah! que agonia
tenebrosa e ardente!
Que convulsões,
que lúbricos anseios,
Quanta volúpia e
quantos bamboleios,
Que brusco e
horrível sensualismo quente.
O ventre, em
pinchos, empinava todo
Como réptil abjeto
sobre o lodo,
Espolinhando e
retorcido em fúria.
Era a dança
macabra e multiforme
De um verme
estranho, colossal, enorme,
Do demônio
sangrento da luxúria!
★★★
Música misteriosa...
CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)
Tenda de estrelas
níveas, refulgentes,
Que abris a doce
luz de alampadários,
As harmonias dos
Estradivarius
Erram da lua nos
clarões dormentes...
Pelos raios
fluídicos, diluentes
Dos astros, pelos
trêmulos velários,
Cantam Sonhos de
místicos templários,
De ermitões e de
ascetas reverentes...
Cânticos vagos,
infinitos, aéreos
Fluir parecem dos
azuis etéreos,
Dentre os
nevoeiros do luar fluindo...
E vai, de estrela
a estrela, a luz da Lua,
Na láctea
claridade que flutua,
A surdina das
lágrimas subindo...
★★★
Sinfonias do ocaso
CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)
Musselinosas como
brumas diurnas
Descem do acaso as
sombras harmoniosas,
Sombras veladas e
musselinosas
Para as profundas
solidões noturnas.
Sacrários virgens,
sacrossantas urnas,
Os céus resplendem
de sidéreas rosas,
Da lua e das
estrelas majestosas
Iluminando a
escuridão das furnas.
Ah! por estes
sinfônicos ocasos
A terra exala
aromas de áureos vasos,
Incensos de
turíbulos divinos.
Os plenilúnios
mórbidos vaporam...
E como que no azul
plangem e choram
Cítaras, harpas,
bandolins, violinos...
★★★
A música do seu corpo
LUÍS DELFINO
“Íntimas e Aspásias” (1935)
Deus fez a luz: a
luz inda não era:
Imagina essa noite
imensa, extrema,
Que em treva densa
role cada esfera,
E em cada mundo
solitário gema.
Ao pé do cisne
tropeçando a fera:
Por toda parte
lúgubre celeuma;
E esculturada em
corpo a primavera
Sem a c'roa de
luz, seu rico emblema.
De repente
rasgou-se o manto escuro:
De cada ponto
aberto e cada furo
Sai luz líquida em
grande jorro unido.
E essa sonora
música triunfante
É que ouço em ti,
cantando a todo instante,
Se o corpo moves
dentro do vestido.
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