Rosa
AFONSO CELSO
“Poesias” (1876)
Rosa colhia
sozinha
Lindas rosas no
jardim,
E nas faces também
tinha
Rosas da cor do
carmim.
Cheguei-me e
disse-lhe: Rosa
Qual dessas rosas
me dás?
As da face
primorosa
Ou essas que
unindo estás?
Ela fitou-me
sorrindo,
Inda mais
enrubesceu,
Depois ligeira
fugindo
De longe me
respondeu:
“Não dou-te as
rosas das faces
Nem estas que
tenho à mão.
Daria — se me
estimasses
As rosas do
coração! "
★★★
Zélia
(A Dulce)
AFONSO CELSO
“Poesias” (1876)
Zélia, a menina
travessa,
Demônio em corpo
de arcanjo,
Cuja pequena
cabeça,
— Onde for que ela
apareça,
Quer pôr tudo em
desarranjo,
Ontem chorava
sentida
Sem a constante
alegria:
Soluçava comovida,
Tendo a face
humedecida
Pelo chorar de
agonia,
Ao vê-la assim
suspirosa
Fui perguntar-lhe
sorrindo,
Que nuvem
calamitosa
Turbara o céu cor
de rosa
Do seu viver puro
e lindo.
Olhou-me cheia de
espanto
Mas me vendo
atento ouvinte
Entre soluços e
pranto
Mas sempre rica de
encanto
Contou-me a
história seguinte:
No meu pequeno
aposento
Formosa jovem
vivia;
De boniteza um
portento,
Nas horas de
isolamento
Me fazendo
companhia.
Comigo há muito
morava
De Babel na
miniatura!...
Humilde qual uma
escrava
As magoas
compartilhava
De minha
existência escura!
Que carinha
feiticeira
Que feição correta
e rara.
Mesmo a botina
faceira
Da famosa
Borralheira
No seu pé grande
ficara.
Dos pigmeus as
meninas
Não eram, não,
mais mimosas!
Suas faces
peregrinas
Tinham as cores
divinas
Das açucenas e
rosas.
Nas covinhas de
seu rosto
Acetinado e
marmóreo,
Fosse alvorada ou
sol posto,
Luzia a expressão
de gosto
Dos santos lá do
oratório.
Vivia sempre
calada,
Pouco sujava os
vestidos;
Mas quando a punha
assentada
Da boquinha
descerrada
Saíam débeis
gemidos.
Sempre tranquila e
serena
Não tinha fome nem
sede,
Passava a
existência amena
Deitada em cama
pequena
Pendurada na
parede.
Sem sentir calor
nem frio
Sorria sempre
contente!
Que colo branco e
macio
Jamais um disco
sombrio
Naquela fronte
inocente!
Vivia como rainha
Tendo cultos de
Madona:
Pois da bela
coitadinha
Era amiga, mãe,
madrinha,
Companheira, mestra
e dona!
Punha-a às vezes
na janela,
Na hora em que o
sol desponta;
De minha alcova
singela
Quando eu sabia
era ela
Quem ficava a
tomar conta.
Nascera lá no
estrangeiro
Donde pequena
viera!
Comprei-a com meu
dinheiro.
Oh! que afeto
verdadeiro
Que simpatia
sincera!
Mas ontem... que
negro fado!
Tirando um livro
da estante,
Num movimento
estouvado,
Seu bercinho
pendurado
Foi ao chão no
mesmo instante!
Quase que fiz em
pedaços
A culpada
biblioteca.
Quis afagá-la em
meus braços
Mas só achei
estilhaços
Da espedaçada
BONECA!!
★★★
Susana
AFONSO CELSO
“Poesias” (1876)
Ao corpo de Susana
a linfa da corrente
Envolve num abraço
e beija docemente.
As ondas do regato
às ondas do cabelo
Osculam a gemer...
talvez de fundo zelo.
A vaga quer
cobri-la: — em volta se avoluma...
Qual tom maior
alvura, o corpo ou a branca espuma?
No colo
alabastrino as águas murmurantes
Desatam um colar
de gotas cintilantes.
Na fronte divinal
esplendem diademas
De pingos cujo
brilho imita finas gemas.
No álveo do regato
areia fina e clara
Ao pé da linda
hebreia encobre rica e avara.
Se acaso a
sedutora o corpo seu mergulha
O rio arfa e se
alteia... após triste marulha.
Da bela israelita
aos lânguidos sorrisos
Respondem do
regato os palpitantes frisos.
Mas nisso de
repente —além, dentre os palmares
Cintilam sobre ela
una lúbricos olhares.
Medrosa ela
estremece e cheia de receio
Oculta com a mão o
peregrino seio.
Nas faces o rubor,
levada pelo espanto,
Mergulha e logo a
vaga envolve-a qual um manto.
Depois do banho
sai, confusa e amedrontada,
Levando gotas mil
na pele acetinada.
Traduz-se em seu
semblante um medo que contrista:
As vestes vai
buscar da plaga entre os abrolhos:
Julgando que não
ver também é não ser vista
Encruza as mãos no
seio e fecha os lindos olhos .
★★★
Inês
CRUZ E SOUZA
“Faróis” (1900)
Tem teu nome a
estranha graça
De uma galga
verde, estranha.
Certo langor te
adelgaça,
Certo encanto te
acompanha.
És velada,
quebradiça
Como teu nome é
velado.
Certa flor curiosa
viça
No teu corpo
edenizado.
Chamam-te a Inês
dos quebrantos,
A galga verde, a
felina,
Amaranto de
amarantos,
Das franzinas a
franzina.
Teus olhos,
langues aquários
Adormentados de
cisma,
Vivem mudos,
solitários
Como uma treva que
abisma.
Tua boca, vivo
cravo
Sanguíneo,
púrpuro, ardente,
De certa forma tem
travo
Embora
veladamente.
És lírio de velho
outono,
Meiga Inês, e de
tal sorte
Que já vives no
abandono,
Meio enevoada da
morte.
Teu beijo, do
rosmaninho
Tem o sainete
amargoso...
Lembra a saudade
de um vinho
Secreto, mas
venenoso.
Por um mistério
indizível
Não te é dado amar
na terra.
Vem de longe o
Indefinível
Que os teus
silêncios encerra!
Deus fechou-te a
sete chaves
O coração lá no
fundo...
Mas deu-te as asas
das aves
Para irradiares no
mundo.
★★★
Sofia
CRUZ E SOUZA
“Missal” (1893)
Foi na
sala branca, de leves listrões d’ouro, que eu a vi interpretar um dia ao piano
Mendelsohn, Schumann, as fugas de Bach, as sinfonias de Beethoven.
Tinha um
nome bíblico, lembrando palmeiras e cisternas: chamava-se Sofia.
Era alta,
de uma brancura de hóstia, como certas aves esguias que os aviários conservam e
que aí vivem num grande ar dolente de nostalgia de selvas, de matas cerradas,
de sombrios bosques.
Nervosa,
de um desdém fidalgo de fria flor dos gelos polares, e triste, traía a Arte
aquele altivo aspecto, a orgulhosa cabeça ereta em frente às partituras, que os
seus olhos garços liam e que os seus dedos rosados e aristocráticos executavam
com perfeição, com claro entendimento nas teclas.
E de todo
esse nobre ser delicado, de todo esse perfil de imagem de jaspe, irradiava uma
harmonia vaga, melancólica, uma auréola de pungitiva amargura, mais desoladas
que as sinfonias de Beethoven, como se todas aquelas músicas excelsas tivessem
sido inspiradas nela.
— Ó
aromas, sutilíssimas essências dos finos frascos facetados do luxuoso boudoir
dessa musical Magnólia; aromas vaporosos, maravilhosos perfumes que incensais,
à noite, de volúpia, a sua alcova, como as purpurinas bocas das rosas, falai a
linguagem alada que as vozes humanas não podem falar e dizei os murmúrios
estranhos dos sentimentos imperceptíveis, imaculados, que alvoroçam a alma
ansiosa dessa sonhadora Sofia.
Só os
aromas, só as essências terão os eflúvios castos, os fluidos luares de
expressão, o ritmo inefável para contar que latentes palpitações traz ela no
sangue, que chama d’astro lhe inflama o peito, quando volta triste dos
concertos egrégios e vai enclausurar-se na alcova, – muda, muda, talvez sob a
névoa de lágrimas, na comovente concentração dos que morrem amando…
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