À LUCÍLIA
FAGUNDES VARELA
“Vozes da
América”
(1864)
Se eu pudesse ao luar, Lucília bela,
Queimar-te a fronte de insensatos beijos,
Dobrar-te ao colo, minha flor singela,
Ao fogo insano de eternais desejos;
Ai! se eu pudesse de minh’alma aos elos
Prender tu’alma enfebrecida e cálida,
Erguer na vida os festivais castelos
Que tantas noites planejaste, pálida;
Ai! se eu pudesse nos teus olhos turvos
Beber a vida da volúpia ao véu,
Bem como os juncos sobre as ondas curvos
A chuva bebem que derrama o céu,
Talvez que as mágoas que meu peito ralam
Em cinzas frias se perdessem logo,
Como as violas que ao verão trescalam
Somem-se aos raios de celeste fogo!
Oh! vem Lucília! é tão formosa a aurora
Quando uma fada lhe batiza o alvor,
E a madressilva, que ao frescor vapora
Os ares peja de lascivo amor...
Sou moço ainda; de meu seio aos ermos
Posso-te louco arrebatar comigo...
De um mundo novo na solidão sem termos
Deitar-te à sombra de amoroso abrigo!
Tenho um dilúvio de ilusões na fronte,
Um mundo inteiro de esperanças n’alma,
Ergue-te acima de azulado monte,
Terás dos gênios do infinito a palma!...
★★★
ESTELA E NISE
ALVARENGA PEIXOTO
“Obras poéticas” (Século XVIII)
Eu vi a linda Estela, e namorado
Fiz logo eterno voto de querê-la;
Mas vi depois a Nise, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado.
A qual escolherei, se neste estado
Não posso distinguir Nise d'Estela?
Se Nise vir aqui, morro por ela;
Se Estela agora vir, fico abrasado.
Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer por inconstante.
Vem, Cupido, soltar-me destes laços,
Ou faz de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!
★★★
A MARIA IFIGÊNIA
ALVARENGA PEIXOTO
“Obras poéticas” (Século XVIII)
Amada filha, é já chegado o dia,
Em que a luz da razão, qual tocha acesa,
Vem conduzir a simples natureza:
— É hoje que teu mundo principia.
A mão que te gerou, teus passos guia;
Despreza ofertas de uma vã beleza,
E sacrifica as honras e a riqueza
Às santas leis do Filho de Maria.
Estampa na tu alma a Caridade,
Que amar a Deus, amar aos semelhantes,
São eternos preceitos de verdade;
Tudo o mais são ideias delirantes;
Procura ser feliz na Eternidade,
Que o mundo são brevíssimos instantes.
★★★
ISMÁLIA
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
“Pastoral aos
crentes do amor e da morte” (1923)
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
★★★
Alda
CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)
Alva, do alvor das límpidas geleiras,
Desta ressumbra
candidez de aromas...
Parece andar em
nichos e redomas
De Virgens
medievais que foram freiras.
Alta, feita no
talhe das palmeiras,
A coma de ouro,
com o cetim das comas,
Branco esplendor
de faces e de pomas
Lembra ter asas e
asas condoreiras.
Pássaros, astros,
cânticos, incensos
Formam-lhe
aureoles, sóis, nimbos imensos
Em torno a carne
virginal e rara.
Alda fez meditar
nas monjas alvas,
Salvas do Vício e
do Pecado salvas,
Amortalhadas na
pureza clara.
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