MARIA
SOUSÂNDRADE
“Guesa Errante” (1868)
Onde foram os encantos divinos,
Onde a crença de eterna magia,
Fonte meiga da luz e dos hinos,
Onde estas? onde foste, Maria?
Tens a fronte que tinhas na infância,
Pura e branca, inda toda harmonia:
Mas, da bela inocência a fragrância...
Onde estas? onde foste, Maria?
Ter em ti eu pensava encontrado
Meu sublime ideal da poesia;
Encontrei a mulher em seu fado —
Onde estas? onde foste, Maria?
Se hoje choro, aos que estavam descentes
Já mostrei meu amor na alegria:
Terno orgulho dos dias contentes,
Onde estas? onde foste, Maria?
Onde foste? onde foste? — procuro
O que na alma cantando te ouvia,
E já temo de ouvir-te — e murmura:
Onde estas? onde foste, Maria?
Onde foram os divinos encantos,
Onde o mundo em que eu dantes vivia?
Porque a fonte do riso é dos prantos?
Onde estas? onde foste, Maria?
★★★
CHIQUITA
PAULO SETÚBAL
“Alma
cabocla” (1920)
"Bom
dia! Sempre bonita?"
-
É assim que eu vou, de manhã,
Saudar
a linda Chiquita,
Que,
toda em frios, tirita
No
seu vestido de lã.
Maneiras
brandas e amenas,
Olhos
de negro fulgor,
Chiquita,
a flor das morenas,
Com
seus quinze anos apenas,
É
um mimo de graça e amor.
De
estranho tédio ferida
No
seu colégio francês,
Quisera,
langue e abatida,
Mudar
um pouco de vida,
Passar
nos campos um mês.
E
em festa e risos, agora,
Nos
ares bons do sertão,
Chiquita
se revigora,
E
alegra-se, e viça, e cora,
Como
uma rosa em botão.
Mal
surge, fresca e orvalhada,
No
céu azul, a manhã,
Saímos
nós pela estrada,
Com
alma leve, e dourada
Pela
alegria mais sã.
Que
graça!... Ela tudo admira:
O
campo, as roças, os bois.
Às
vezes passa um caipira,
Que,
com espanto, nos mira,
E
fica a rir de nós dois!
Em
casa, o dia inteiro, ela
Faz
mil perguntas pueris.
Ah,
como é ingênua e singela!
Conversa.
Ri. Tagarela.
É
um pássaro feliz!
Sol
a pino, a todo transe,
Quer
ir saltar no café;
E
à volta, sem que descanse,
Começa
a ler um romance,
Ou
trabalhar num crochê
De
quando em quando, um espinho
Sangrar
o peito me vem.
A
tarde inteira, sozinho,
Sentado
ao pé do caminho,
Fico
a lembrar-me de alguém.
Eis
que ela chega, de branco,
Cabelo
negro, em bandós;
Festiva,
num riso franco,
Ali,
no pobre barranco,
Sentamos
os dois a sós...
Na
tarde azul, merencória,
Dum
sossego espiritual,
Chiquita,
como uma glória,
Repete-me
toda a história
Da
vida de colegial.
Então,
nesse ermo pacato,
Ela,
menina e mulher,
Relembra,
fato por fato,
As
diversões do internato,
Os
ralhos da Notre-Mère...
Fala...
E eu, ouvindo a macia
Brandura
do seu falar,
Sinto,
no olhar que me envia,
A
doce melancolia
Do
seu nostálgico olhar.
Não
há feitiço que prenda
Como
o dulçor dessa voz.
Assim,
sem que ela o compreenda,
Chiquita
é o sol da fazenda,
É a festa de todos nós!
★★★
A CAROLINA
MACHADO DE ASSIS
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
★★★
LAURA
LUÍS DA GAMA
“Primeiras
Trovas Burlescas de Getulino” (1904)
Aqui, ó Laura,
No teu jardim,
Pétalas colho
D’alvo jasmim.
Delas rescende
Doce fragrância,
Quais meigos sonhos
Da tua infância.
As plúmbeas nuvens,
Já fugitivas,
Os ermos buscam,
Serras esquivas.
Plácida lua
Nos Céus alveja,
Prateia os lagos,
E as flores beija.
Aqui, ó Laura,
Teus olhos garços,
Na linfa clara,
Nos Céus esparsos.
Lânguidos brilham
Nestas estrelas,
Que as brandas ondas
Retratam belas.
Na cor de rosa,
A luz da lua,
Risonha vejo
A face tua.
Carmíneos lábios
Nos rubros cravos,
Que n’hástea pendem,
Quais melios favos.
Teu níveo colo
— Na estátua erguida
Do amor de Tasso
— Da bela Arminda.
Na onda breve
O arfar do seio,
Que a aragem move
Com brando enleio.
Dos malmequeres
Áureos novelos
Os anéis fingem
Dos teus cabelos.
Da violeta
Na singeleza
Tua alma vejo,
Tua pureza
Ergue-te, ó Laura,
Do brando leito,
Dá-me em teu peito
De amor gozar;
Um volver d’olhos,
Um beijo apenas
Entre as verbenas
Do teu pomar.
Não fujas, Laura,
Vem a meus braços
Leva-me vida
Nos teus abraços...
Lá surge um Anjo!
Oh Céus, é ela!
— Estrela vésper
De luz singela!
Cobre-lhe os membros
Alva roupagem,
Que manso agita
Suave aragem.
Longos cabelos
Belos se estendem,
E em ondas de ouro
Dos ombros pendem.
A ela corro
Tento abraçá-la
Recurvo os braços,
Mas sem tocá-la!
Era um Arcanjo
De aéreo sonho
No ar perdeu-se
Ledo e risonho.
Laura formosa
No leito estava,
Dos meus lamentos.
Só desdenhava.
Já a luz do dia
Renasce além,
Debalde espero,
Laura não vem.
Não têm meus versos
Beleza tanta,
Que ouvi-los possa
Quem tudo encanta.
Naquele peito
De olente flor,
Paixões não entram,
Não entra amor.
★★★
ALICE
LÚCIO DE MENDONÇA
“Murmúrios e
Clamores”
(1902)
“Os seus olhos são como os das pombas,
sem falar no que
está oculto dentro.”
Cântico dos Cânticos
Imagina um sorriso só de criança,
Todo candura, e junta-lhe a meiguice
De um sorriso de mãe; e tens ideado
O sorriso de Alice.
Imagina um olhar - mistério e sonho,
Cheio de luz, de glória, de doidice...
Com a sedução dos olhos da mãe d’água:
E tens o olhar de Alice.
Imagina uma grave melodia,
Tão doce como nunca mais se ouvisse,
Como nunca se ouviu na terra ainda,
E tens a voz de Alice.
Já viste como o cisne fende o lago?
Como desliza a névoa na planície?
Como anda na clareira a pomba rola?
É ver o andar de Alice.
Olha o macio pétalo corado
De rosa que de todo não abrisse.
O mimo da conchinha nacarada
É a boca de Alice.
Se um dia visses no alcantil dos cerros
A imaculada neve que caísse,
Verias, ai de mim! do que é formado
O coração de Alice.
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