Morte (hora de delírio)
JUNQUEIRA FREIRE
Pensamento gentil
de paz eterna
Amiga morte, vem.
Tu és o termo
De dois fantasmas
que a existência formam,
— Dessa alma vã e
desse corpo enfermo.
Pensamento gentil
de paz eterna,
Amiga morte, vem.
Tu és o nada,
Tu és a ausência
das moções da vida,
do prazer que nos
custa a dor passada.
Pensamento gentil
de paz eterna
Amiga morte, vem.
Tu és apenas
A visão mais real
das que nos cercam,
Que nos extingues
as visões terrenas.
Nunca temi tua
destra,
Não vou o vulgo
profano;
Nunca pensei que
teu braço
Brande um punhal
sobr’humano.
Nunca julguei-te
em meus sonhos
Um esqueleto
mirrado;
Nunca dei-te, pra
voares,
Terrível ginete
alado.
Nunca te dei uma
foice
Dura, fina e
recurvada;
Nunca chamei-te
inimiga,
Ímpia, cruel, ou
culpada.
Amei-te sempre: —
pertencer-te quero
Para sempre também,
amiga morte.
Quero o chão,
quero a terra, - esse elemento
Que não se sente
dos vaivéns da sorte.
Para tua hecatombe
de um segundo
Não falta alguém?
— Preencha-a comigo:
Leva-me à região
da paz horrenda,
Leva-me ao nada,
leva-me contigo.
Miríades de vermes
lá me esperam
Para nascer de meu
fermento ainda,
Para nutrir-se de
meu suco impuro,
Talvez me espera
uma plantinha linda.
Vermes que sobre
podridões refervem,
Plantinha que a
raiz meus ossos fera,
Em vós minha alma
e sentimento e corpo
Irão em partes
agregar-se à terra.
E depois nada
mais. Já não há tempo,
nem vida, nem
sentir, nem dor, nem gosto.
Agora o nada —
esse real tão belo
Só nas terrenas
vísceras deposto.
Facho que a morte
ao lumiar apaga,
Foi essa alma
fatal que nos aterra.
Consciência,
razão, que nos afligem,
Deram em nada ao
baquear em terra.
Única ideia mais
real dos homens,
Morte feliz — eu
quero-te comigo,
Leva-me à região
da paz horrenda,
Leva-me ao nada,
leva-me contigo.
Também desta vida
à campa
Não transporto uma
saudade.
Cerro meus olhos
contente
Sem um ai de
ansiedade.
E como um autômato
infante
Que ainda não sabe
mentir,
Ao pé da morte
querida
Hei de insensato
sorrir.
Por minha face
sinistra
Meu pranto não
correrá.
Em meus olhos
moribundos
Terrores ninguém
lerá.
Não achei na terra
amores
Que merecessem os
meus.
Não tenho um ente
no mundo
A quem diga o meu
– adeus.
Não posso da vida
à campa
Transportar uma
saudade.
Cerro meus olhos
contente
Sem um ai de
ansiedade.
Por isso, ó morte,
eu amo-te e não temo:
Por isso, ó morte,
eu quero-te comigo.
Leva-me à região
da paz horrenda,
Leva-me ao nada,
leva-me contigo.
★★★
Morte
GUIMARÃES PASSOS
És negra, és
negra, dizem-me os felizes,
Dizem que ao
ver-te o vulto atro e sombrio,
Gelam-se os
corações, tamanho frio,
Serena, espalhas
onde quer que pises.
É que tu levas
para um céu vazio,
Onde somente as
dores tem raízes,
As esperanças
todas, e não dizes
Nada a quem fica,
nem a quem partiu.
Anjo negro, terror
da humanidade,
Morte, estilete
que nos toca o fundo
D’alma, enchendo
de mágoa e de saudade!
Morte, há no mundo
tanta dor contida!
Que, tu, que
findas todo o bem do mundo,
És a coisa melhor
que há nesta vida.
★★★
O arranco da morte
JUNQUEIRA FREIRE
Pesa-me a vida já.
Força de bronze
Os desmaiados
braços me pendura.
Ah! já não pode o
espírito cansado
Sustentar a
matéria.
Eu morro, eu
morro. A matutina brisa
Já não me arranca
um riso. A rósea tarde
Já não me doura as
descoradas faces
Que gélidas se
encovam.
O noturno
crepúsculo caindo
Só não me lembra o
escurecido bosque,
Onde me espera, a
meditar prazeres,
A bela que eu
amava.
A meia-noite já
não traz-me em sonhos
As formas dela -
desejosa e lânguida -
Ao pé do leito,
recostada em cheio
Sobre meus braços
ávidos.
A cada instante o
coração vencido
Diminui um
palpite; o sangue, o sangue,
Que nas artérias
férvido corria,
Arroxa-se e
congela.
Ah! é chegada a
minha hora extrema!
Vai meu corpo
dissolver-se em cinza;
Já não podia
sustentar mais tempo
O espírito tão
puro.
É uma cena
inteiramente nova.
Como será? - Como
um prazer tão belo,
Estranho e
peregrino, e raro e doce,
Vem assaltar-me
todo!
E pelos imos ossos
me refoge
Não sei que fio
elétrico. Eis! sou livre!
O corpo que foi
meu! que lodo impuro!
Caiu, uniu-se à
terra.
★★★
Morrer dormir
FRANCISCO OTAVIANO
Morrer...
dormir... não mais! Termina a vida
E com ela terminam
nossas dores:
Um punhado de
terra, algumas flores,
E às vezes uma
lágrima fingida!
Sim! minha morte
não será sentida;
Não deixo amigos,
e nem tive amores!
Ou, se os tive,
mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma
alma consumida.
Tudo é podre no
mundo. Que me importa
Que ele amanhã se
esbroe e que desabe,
Se a natureza para
mim é morta!
É tempo já que o
meu exílio acabe,
Vem, pois, ó
Morte, ao Nada me transporta!
Morrer...
dormir... talvez sonhar... quem sabe?
★★★
À Morte
FLORBELA ESPANCA
Morte, minha
Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve
ser o teu abraço!
Lânguido e doce
como um doce laço
E como uma raiz,
sereno e forte.
Não há mal que não
sare ou não conforte
Tua mão que nos
guia passo a passo,
Em ti, dentro de
ti, no teu regaço
Não há triste
destino nem má sorte.
Dona Morte dos
dedos de veludo,
Fecha-me os olhos
que já viram tudo!
Prende-me as asas
que voaram tanto!
Vim da Moirama,
sou filha de rei,
Má fada me
encantou e aqui fiquei
À tua espera...
quebra-me o encanto!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...