Manhã do Norte
BARBOSA DE GODOIS
“Távola do bom humor, Sonetos maranhenses” (1923)
Manhã do norte!
Quanto és linda e bela
irisada de luz !
Quanta alegria
com teu sol
fulgurante que irradia
de sublime beleza
tantas tela!
Não tens das
névoas a sombria umbela
que o sol oculta,
e esta algidez doentia
que o coração e a
alma nos esfria
com esta
temperatura que enregela.
Oh! Quanto a
natureza nesta plaga
é diversa da
nossa! E quanto esmaga
a quem n'outra
viveu e a não esquece!
O teu sol que
ilumina benfazejo
a tudo afaga com
seu ardente beijo
e a nossa vida com
sua luz aquece!
★★★
Manhã de Verão
OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)
As nuvens, que, em
bulcões, sobre o rio rodavam,
Já, com o vir de
manhã, do rio se levantam.
Como ontem, sob a
chuva, estas águas choravam!
E hoje, saudando o
sol, como estas águas cantam!
A estrela, que
ficou por último velando,
Noive que espera o
noivo e suspira em segredo,
— Desmaia de
pudor, apaga, palpitando,
A pupila amorosa,
e estremece de medo.
Há pelo Paraíba um
sussurro de vozes,
Tremor de seios
nus, corpos brancos luzindo...
E, alvas, a
cavalgar broncos monstros ferozes,
Passam, como num
sonho, as náiades fugindo.
A rosa, que
acordou sob as ramas cheirosas,
Diz-me:
"Acorda com um beijo as outras flores quietas!
Poeta! Deus criou
as mulheres e as rosas
Para os beijos do
sol e os beijos dos poetas!"
E a ave diz:
"Sabes tu? Conheço-a bem... Parece
Que os Gênios de
Oberon bailam pelo ar dispersos,
E que o céu se
abre todo, e que a terra floresce,
— Quando ela
principia a recitar teus versos!"
E diz a luz:
"Conheço a cor daquela boca!
Bem conheço a
maciez daquelas mãos pequenas!
Não fosse ela aos
jardins roubar, trêfega e louca,
O rubor da papoula
e o alvor das açucenas!"
Diz a palmeira:
"Invejo-a! ao vir a luz radiante,
Vem o vento
agitar-me e desnastrar-me a coma:
E eu pelo vento
envio ao seu cabelo ondeante
Todo o meu
esplendor e todo o meu aroma!"
E a floresta, que
canta, e o sol, que abre a coroa
De ouro fulvo,
espancando a matutina bruma,
E o lírio, que
estremece, e o pássaro, que voa,
E a água, cheia de
sons e de flocos de espuma,
Tudo, — a cor, o
clarão, o perfume e o gorjeio,
Tudo, elevando a
voz, nesta manhã de estio,
Diz:
"Pudesses dormir, poeta! No seu seio,
Curvo como este
céu, manso como este rio!"
★★★
Manhã no campo
AUTA DE SOUZA
“Poesias”
Estendo os olhos
pelo prado a fora:
Verdura e flores é
o que a vista alcança...
— Bendito oásis
onde o olhar descansa
Quando saudades do
passado chora.
Escuto ao longe
uma canção sonora.
Voz de mulher ou,
antes, de criança
Entoa o hino
branco da Esperança,
Hino das aves ao
nascer da Aurora.
Por toda parte
risos e fulgores
E a Natureza
desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol
risonho,
Recorda um’alma
diluída em prece,
Um coração feliz
que inda estremece
À luz sagrada do
primeiro sonho!
★★★
Uma manhã, no golfo de corinto…
ANTÔNIO PATRÍCIO
Uma manhã, no
golfo de Corinto,
comemos grandes
cachos-moscatel.
O mar, de leite e
azul, tinha veios de absinto;
e o teu corpo, ao
sol, como um sabor a mel.
Enlaçamo-nos nus
entre loureiros-rosas,
róseos e brancos,
alternando, até à praia.
— Não tornam mais
a vir as horas dolorosas:
sumiram-se ao cair
subtil da tua saia.
E boca contra
boca, a sorver bagos de âmbar,
bem brunidos de
sol, e sempre a arder em sede,
assim ficamos nós
até que veio a tarde
deitar-nos devagar
sua mística rede.
Mostraste-me a
sorrir, no golfo, uma medusa:
“Queria viver
assim, disseste, a vida toda.”
Tínhamos vinho com
resina numa infusa,
e bebemo-lo os
dois para acabar a boda.
Fomos nadar
depois: a água era tão densa,
que nos trazia
mornamente, ao colo,
num puro flutuar,
beatitude imensa,
entre reflexos, a
arrolar, de rolo em rolo…
★★★
Manhãs
MELCHIADES DOS
SANTOS.
“Távola do bom humor, Sonetos maranhenses” (1923)
Surge risonha a
luz da madrugada
Banhando as flores
e banhando as franças,
O céu se enche de
fulgidas nuanças,
Corre cantando a
brisa embalsamada.
Modula terna a
alegre passarada,
Tinem os guizos
das garrulas crianças,
Bailam mais longe
as ovelhinhas mansas,
Passa ligeira a
rude cavalgada.
Essas manhãs
bonitas e tocantes
São para ti, de
purpuras brilhantes,
São para ti,
angélicas serenas:
E para mim pojadas
de pavores,
Manhãs que deixam
tenebrosas dores,
Manhãs que deixam
tenebrosas penas.
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