Mãe
(A Magalhães Castro)
AFONSO CELSO JÚNIOR
“Devaneios” (1876)
I
Minh'alma quando
pensa
Na vida atribulada,
Na chama acerba,
intensa
Da luta
amargurada,
E vê a luz da
crença
De nuvens circundada,
Morrer na treva
densa
Da magoa
desvairada,
Delira e desespera
Sem ar, sem luz,
sem norte
Mais triste do que
Jó:
Só nutre uma quimera
— Que a mão da
negra morte
Transforme tudo em
pó!
II
Mas logo um doce eflúvio
Meu ser inteiro
invade:
Sossega a
tempestade
Se apaga o meu Vesúvio;
Termina a
escuridade
Que foge num
deflúvio
E eu nado num dilúvio
De grata
claridade!
Então tudo serena:
Ressurge a estrela
amena
Num céu azul sem
fim:
— É ela a mãe
cuidosa
Que reza fervorosa
Pedindo à Deus por
mim!
III
Nas asas da
lembrança
Me vem seu
pensamento:
Transmite-me a
esperança
Me infunde o
brando alento!
Então nesse
momento
Que crença pura e
mansa!
Que meigo
sentimento
Que paz e que
bonança!
E nossas duas
almas
Saudosas, porém
calmas
E unidas na
oração,
Em místico
abandono
Se prostram junto
ao trono
Do Deus da Criação!
IV
Depois.... a nossa
lida
De novo recomeça:
Da crença na
promessa
Repousa a incerta
vida,
E a prece que não
cessa
De ser reproduzida
Me deixa luz
querida
No seio d'alma,
impressa!
Então choro sozinho
Por ela que
distante
No seu contente
lar,
Não sabe do
carinho
Que em preito
delirante
Minh'alma lhe quer
dar!
V
Mas breve, em
curtos dias
Oh céus! posso abraçá-la
E ouvir-lhe a doce
fala:'
Que santas
alegrias!
Fugi melancolias
Que o riso me
avassala,
Vesti roupas de
gala
Serenas fantasias.
Depois de longa
ausência
Ditosos nos
veremos!
— Folgai anseios
meus! —
— E em terna
confidencia
Contentes rezaremos
Orando ao Santo
Deus!...
Minha Mãe
MARTINS FONTES
Beijo-te a mão,
que sobre mim se espalma
Para me abençoar e
proteger,
Teu puro amor o
coração me acalma;
Provo a doçura do
teu bem-querer.
Porque a mão te
beijei, a minha palma
Olho, analiso,
linha a linha, a ver
Se em mim descubro
um traço de tua alma,
Se existe em mim a
graça do teu ser.
E o M, gravado
sobre a mão aberta,
Pela sua clareza,
me desperta
Um grato enlevo,
que jamais senti:
Quer dizer — Mãe!
este M tão perfeito,
E, com certeza, em
minha mão foi feito
Para, quando eu
for bom, pensar em ti.
Minha Mãe
LUÍS DA GAMA
Era mui bela e
formosa,
Era a mais linda
pretinha,
Da adusta Líbia
rainha,
E no Brasil pobre
escrava!
Oh, que saudades
que eu tenho
Dos seus mimosos
carinhos,
Quando c’os tenros
filhinhos
Ela sorrindo
brincava.
Éramos dois — seus
cuidados,
Sonhos de sua alma
bela;
Ela a palmeira
singela,
Na fulva areia
nascida.
Nos roliços braços
de ébano.
De amor o fruto
apertava,
E à nossa boca
juntava
Um beijo seu, que
era a vida.
Quando o prazer
entreabria
Seus lábios de roxo
lírio,
Ela fingia o
martírio
Nas trevas da
solidão.
Os alvos dentes
nevados.
Da liberdade eram
mito,
No rosto a dor do
aflito,
Negra a cor da
escravidão.
Os olhos negros,
altivos,
Dois astros eram
luzentes;
Eram estrelas
cadentes
Por corpo humano
sustidas.
Foram espelhos
brilhantes
Da nossa vida
primeira,
Foram a luz
derradeira
Das nossas crenças
perdidas.
Tão terna como a
saudade
No frio chão das
campinas,
Tão meiga como as
boninas
Aos raios do sol
de abril.
No gesto grave e
sombria,
Como a vaga que
flutua,
Plácida a mente —
era a Lua
Refletindo em Céus
de anil.
Suave o gênio,
qual rosa
Ao despontar da
alvorada,
Quando treme
enamorada
Ao sopro d’aura
fagueira.
Brandinha a voz
sonorosa,
Sentida como a
Rolinha,
Gemendo triste
sozinha,
Ao som da aragem
faceira.
Escuro e ledo o
semblante,
De encantos sorria
a fronte,
— Baça nuvem no
horizonte
Das ondas surgindo
à flor;
Tinha o coração de
santa,
Era seu peito de
Arcanjo,
Mais pura n’alma
que um Anjo,
Aos pés de seu
Criador.
Se junto à cruz
penitente,
A Deus orava
contrita,
Tinha uma prece
infinita
Como o dobrar do
sineiro,
As lágrimas que
brotavam,
Eram pérolas
sentidas,
Dos lindos olhos
vertidas
Na terra do
cativeiro.
Mãe
ANTERO DE QUENTAL
Mãe - que
adormente este viver dorido,
E me vele esta
noite de tal frio,
E com as mãos
piedosas até o fio
Do meu pobre
existir, meio partido...
Que me leve
consigo, adormecido,
Ao passar pelo
sítio mais sombrio...
Me banhe e lave a
alma lá no rio
Da clara luz do
seu olhar querido...
Eu dava o meu
orgulho de homem - dava
Minha estéril
ciência, sem receio,
E em débil
criancinha me tornava,
Descuidada, feliz,
dócil também,
Se eu pudesse
dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses,
querida, a minha mãe!
À minha mãe
LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)
I
Minha Mãe, minha
límpida alegria!
Com que orgulho
ante os mais eu te proclamo
minha Santa entre
toda a liturgia,
do Bem piedoso e
perfumado ramo!
Para o amargor do
pranto que derramo,
tens sido, Mãe, a
mão que acaricia;
e nas ingratidões,
em que me enramo,
do sol a doce e
deslumbrante estria...
Bela entre as
belas, Mãe, tua nobreza
faz do meu Sonho a
comovida presa
e os que te
cercam, de fulgor fascina...
Pudesse eu te
mostrar a todo o mundo
com esse orgulho
sem par, grande e profundo,
de Mãe que mostra
a filha pequenina...
II
Sempre ocultei
meus versos torturados
dos teus olhos de
Mãe — perscrutadores!
Eram feitos e em
lágrimas banhados
e amargavam com o
fel de muitas dores.
Eu, que tinha no
rir tantos fulgores
e tanta luz nos
olhos deslumbrados,
como mostrar-te,
Mãe, meus dissabores
e meus anseios tão
mal compensados
Por isso eu tos
vedava... Mas agora
dou-tos e sabe
Deus como a alma chora
ao desvendar-te
tudo quanto fiz;
pois lendo-os,
perderás (e eu não queria
toldar uma só vez
tua alegria)
— a ilusão de que
sempre fui feliz!...
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