O Livro e a América
CASTRO ALVES
(Bahia, 1867)
(Bahia, 1867)
Talhado para as
grandezas,
P'ra crescer,
criar, subir,
O Novo Mundo nos
músculos
Sente a seiva do
porvir.
— Estatuário de
colossos —
Cansado doutros
esboços
Disse um dia
Jeová:
"Vai,
Colombo, abre a cortina
"Da minha
eterna oficina...
"Tira a
América de lá".
Molhado inda do
dilúvio,
Qual Tritão
descomunal,
O continente
desperta
No concerto
universal.
Dos oceanos em
tropa
Um — traz-lhe as
artes da Europa,
Outro — as bagas
de Ceilão...
E os Andes
petrificados,
Como braços
levantados,
Lhe apontam para a
amplidão.
Olhando em torno
então brada:
"Tudo
marcha!... Ó grande Deus!
As cataratas —
p'ra terra,
As estrelas — para
os céus
Lá, do polo sobre
as plagas,
O seu rebanho de
vagas
Vai o mar
apascentar...
Eu quero marchar
com os ventos,
Com os mundos...
co'os firmamentos!!!"
E Deus responde —
"Marchar!"
"Marchar!...
Mas como?... Da Grécia
Nos dóricos
Partenons
A mil deuses
levantando
Mil mármores
Panteons?...
Marchar co'a
espada de Roma
— Leoa de ruiva
coma
De presa enorme no
chão,
Saciando o ódio
profundo...
— Com as garras
nas mãos do mundo,
— Com os dentes no
coração?...
"Marchar!...
Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma
montanha
Em cada uma
catedral?...
Não!... Nem
templos feitos de ossos,
Nem gládios a
cavar fossos
São degraus do
progredir...
Lá brada César
morrendo:
"No pugilato
tremendo
"Quem sempre
vence é o porvir!"
Filhos do sec'lo
das luzes!
Filhos da Grande
nação!
Quando ante Deus
vos mostrardes,
Tereis um livro na
mão:
O livro — esse
audaz guerreiro
Que conquista o
mundo inteiro
Sem nunca ter
Waterloo...
Eólo de
pensamentos,
Que abrira a gruta
dos ventos
Donde a Igualdade
voou!...
Por uma fatalidade
Dessas que descem
de além,
O sec'lo, que viu
Colombo,
Viu Guttenberg
também.
Quando no tosco
estaleiro
Da Alemanha o
velho obreiro
A ave da imprensa
gerou...
O Genovês salta os
mares...
Busca um ninho
entre os palmares
E a pátria da
imprensa achou...
Por isso na
impaciência
Desta sede de
saber,
Como as aves do
deserto —
As almas buscam
beber...
Oh! Bendito o que
semeia
Livros... livros à
mão cheia...
E manda o povo
pensar!
O livro caindo
n'alma
É germe — que faz
a palma,
É chuva — que faz
o mar.
Vós, que o templo
das ideias
Largo — abris às
multidões,
P'ra o batismo
luminoso
Das grandes
revoluções,
Agora que o trem
de ferro
Acorda o tigre no
cerro
E espanta os
caboclos nus,
Fazei desse
"rei dos ventos"
— Ginete dos
pensamentos,
— Arauto da grande
luz!...
Bravo! a quem
salva o futuro
Fecundando a
multidão!...
Num poema amortalhada
Nunca morre uma
nação.
Como Goethe
moribundo
Brada
"Luz!" o Novo Mundo
Num brado de
Briaréu...
Luz! pois, no vale
e na serra...
Que, se a luz rola
na terra,
Deus colhe gênios
no céu!...
★★★
Salve, ó Livro
(Num Álbum)
LUÍS DELFINO
"Poesias Líricas" (1934)
À sombra do vergel
coberto de loureiros,
Onde os cisnes da
Lísia e do Brasil rivais
Roubam à abelha o
mel e o clarão aos luzeiros,
Em melódicos sons,
em cantos divinais,
Vim sentar-me,
conviva estranho, humilde, ignoto,
Entre a turba de
reis, que é cada um pensador,
E erguer a voz
também, também fazer meu voto,
Mesclando aos seus
lauréis a minha pobre flor.
Sonhei: — Vi do
horizonte erguer-se um vulto armado,
Com gesto de
guerreiro antigo e colossal,
E abraçar um
mancebo a erguer-se do outro lado
Tão grande que o
cabelo era-lhe um florestal.
Tinha um rio
enroscado à floresta; — era o casco,
Como serpente
argêntea em troncos a silvar:
Na boca enorme
traz um enorme penhasco,
Que, disséreis,
ser ilha em verde e pleno mar.
Os pés punha-os
também sobre outra igual serpente,
Estendendo a
lamber ubérrimos vergéis:
A imagem cri eu
ver do meu Brasil ingente,
Que à fronte tem
um rio e outro rio nos pés.
Levando aos ombros
nus as vagas espumosas,
Entre eles o
oceano estortegava em vão:
Fronte a fronte no
ar, ali os dois gigantes
Firmavam num
amplexo uma eterna união.
Enquanto à mente o
quadro em sonhos me apresenta,
E eu quero e
aspiro vê-lo eternamente assim,
De um e de outro
país o gênio aqui se assenta
No mesmo livro
como à mesa de um festim.
O livro então
parece o braço destinado
A ter a humanidade
em senda mais feliz,
A ligar o Cruzeiro
ao Tejo decantado
E os montes de um
país ao mar de outro país.
O livro é como o
sol, águia da imensidade
Nos páramos do céu
em voo perenal,
O facho que
ilumina o passo à humanidade,
A espada que
fulmina o anjo torvo do mal.
O raio que derruba
as raias dos impérios,
E nivela as nações
e une povos e reis,
Que faz o poeta
ver nos espaços etéreos
Junto ao jovem
Brasil o ancião português,
Caldeira
refervente em que cai a pedaços
A vida e o coração
e a alma do pensador,
Donde sai, pé em
terra e a fronte nos espaços,
Feita de sons e
luz a figura do amor,
Elo santo que
prende o mar grande ao vil lenho
E às divinas
canções um tênue som de mais:
Salve, ó livro,
arca de ouro em que guardar eu venho
Meu pobre nome e
uni-lo aos nomes imortais.
★★★
Livros e Flores
MACHADO DE ASSIS
“Falenas” (1870)
Teus olhos são
meus livros.
Que livro há aí
melhor,
Em que melhor se
leia
A página do amor?
Flores me são teus
lábios.
Onde há mais bela
flor,
Em que melhor se
beba
O bálsamo do amor?
★★★
Livros
AFONSO CELSO
"Poesias escolhidas" (1902)
De livros mil vivo
cercado,
Dias e noites
passo a ler,
Mas, francamente,
o resultado
Coisa não é de
agradecer.
Nenhum me dá — paz
e conforto,
Nenhum me diz se
eu amanhã
Vivo estarei ou
se, já morto,
Terá cessado o meu
afã.
Nada afinal sabeis
ao certo
Sobre das almas o
tropel...
Do vosso cume
vê-se perto;
Chatas montanhas
de papel.
Vans pretensões!
Orgulho fofo!
Do ser mesquinho
que vos fez
Tendes o mesmo vil
estofo,
Tendes a mesma
pequenez.
Cada vez mais,
debalde, avulta
Vossa maré... Fudo
invadis;
Mas não tornais
quem vos consulta
Nem menos mau, nem
mais feliz.
Que um cataclismo vos
destrua,
Mal não fará...
Sem o sentir,
Mas não tornais
quem vos consulta
Nem menos mau, nem
mais feliz.
Que um cataclismo
vos destrua,
Mal não fará...
Sem o sentir,
Serena a vida
continua:
Lutar, sofrer,
sonhar, mentir...
★★★
Livro
HEYDINE MILANEZ
“Diário da Manhã” (1936)
Livro! sagrada
fonte, cristalina;
Onde sacio a sede
em gotas de ouro.
Foste sempre meu
enlevo de menina,
Foste sempre meu
único tesouro!
Pequena ainda, eu
lia extasiada,
João-Maria e a
Gata Borralheira,
A Vida da princesa
acorrentada,
Por arte da
maldosa feiticeira!
Depois,
interessou-me do passado
Feitos heroicos da
raça Varonil.
Contigo este meu
ser tem vibrado,
Quando falas da
história do Brasil!
Tantas vezes fonte
eu tenho ido
As gotas d’ouro,
sôfrega, beber.
Mas apesar de ter
muito aprendido,
Não sinto nunca a
sede decrescer.
As ideias na
mente, baralhadas,
Num tumulto febril
e num grande clamor,
No livro, como
rosas desfolhadas,
Dão brilho e
graça, tomam forma e cor!
Quando eu tiver
vista cansada,
E não puder as
tuas linhas ler,
Quero sentir a tua
presença amada,
Ó luz querida, ó
fonte de saber!
E então já velha —
que importa a idade?
Rememorando os
dias do passado,
Livro bendito,
sentirei saudade
Das histórias do
príncipe encantado!...
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