Paisagens de inverno
(A Alberto Osório de Castro)
CAMILO PESSANHA
Ó meu coração,
torna para traz.
Onde vais a correr
desatinado?
Meus olhos
incendidos que o pecado
Queimou! Volvei,
longas noites de paz.
Vergam da neve os
olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu
sobre o brasido.
Noites da serra, o
casebre transido...
Cismai, meus
olhos, como uns velhinhos.
Extintas
primaveras, evocai-as.
Já vai florir o
pomar das macieiras.
Hemos de enfeitar
os chapéus de maias.
Sossegai, esfriai,
olhos febris...
Hemos de ir a
cantar nas derradeiras
Ladainhas... Doces
vozes senis.
★★★
Noite de inverno
ARRONCHES JUNQUEIRO
O vento rosna nas
frinchas
das portas. Um
pingo cai
compassado
a chorar
do beiral do meu
telhado
E pela vastidão da
noite escura
misteriosa
angustiosa,
ecoa a sinfonia da
procela.
Enfurecido,
com braço vigoroso
de bandido
o vento vem
forçar-me os vidros da janela.
A luz
à minha cabeceira,
oscila e treme.
Sinto um calafrio
a repelar-me,
e olho a vida em
doidas espirais…
parece uma
bandeira a acenar-me,
a fazer-me sinais.
Lá fora há uivos,
gritos, estertores
de árvores a
gemer,
numa miséria
trágica de dores…
Troncos estalando,
folhas doidejando,
na luta colossal
de querer viver.
O vento, como um
deus louco e potente
em fúrias
singulares,
rugindo como fera
onipotente
sacode e torce, em
crises de demente
os troncos
seculares
Alta noite.
O bandido
cansou-se. Reina o silêncio
Apenas um pingo
cai
Compassado,
Espaçado,
A chorar
dos beirais do meu
telhado.
★★★
Manhã de inverno
RONALD DE CARVALHO
"Poemas e Sonetos" (1919)
É tarde, e o sol
não vem; sobre as colinas
Volteiam rolos
pardos de neblinas.
O orvalho escorre
pelas folhas; tudo,
Nos ares e nas
selvas, está mudo.
No beiral dos
casebres, quando a quando,
Andam pombos, aos
pares, esvoaçando;
E, ao dormente
frescor dos laranjais,
Tremem de frio,
unidos, os pardais.
Nos campos cheios
de água e de umidade
Erra um cheiro de
lírios. Que saudade
Há nas árvores
quietas, nos relvados,
Nas serras, nos
caminhos encharcados,
Nos mangues
silenciosos, na espessura
Dos grotões, e nas
massas de verdura.
Que saudade há no
gesto com que a mão
Aperta, desolada,
o coração!
Mas, de repente, o
céu todo estremece,
O horizonte se
alarga, a terra cresce
Em grandes
labaredas voluptuosas.
As aves cantam,
desabrocham rosas...
Num mar de fogo
ferve, toda acesa,
Em faixas de ouro
vivo a Natureza;
E a alma fica a
sorrir, à flor do olhar,
Ao sol, que a
abelha e os mundos move no ar!
★★★
Noite de Inverno
OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)
Sonho que estás à
porta...
Estás – abro-te os
braços! – quase morta,
Quase morta de
amor e de ansiedade...
De onde ouviste o
meu grito, que voava,
E sobre as asas
trêmulas levava
As preces da
saudade?
Corro à porta...
ninguém! Silêncio e treva.
Hirta, na sombra,
a Solidão eleva
Os longos braços
rígidos, de gelo...
E há pelo corredor
ermo e comprido
O suave rumor de
teu vestido,
E o perfume sutil
de teu cabelo.
Ah! se agora
chegasses!
Se eu sentisse
bater em minhas faces
A luz celeste que
teus olhos banha;
Se este quarto se
enchesse de repente
Da melodia, e do
clarão ardente
Que os passos te
acompanha:
Beijos, presos no
cárcere da boca,
Sofreando a custo
toda a sede louca,
Toda a sede
infinita que os devora,
— Beijos de fogo,
palpitando, cheios
De gritos, de
gemidos e de anseios,
Transbordariam por
teu corpo afora!...
Rio aceso,
banhando
Teu corpo, cada
beijo, rutilando,
Se apressaria,
acachoado e grosso:
E, cascateando, em
pérolas desfeito,
Subiria a colina
de teu peito,
Lambendo-te o
pescoço...
Estrela humana que
do céu desceste!
Desterrada do céu,
a luz perdeste
Dos fulvos raios,
amplos e serenos;
E na pele morena e
perfumada
Guardaste apenas
essa cor dourada
Que é a mesma cor
de Sírius e de Vênus.
Sob a chuva de
fogo
De meus beijos,
amor! terias logo
Todo o esplendor
do brilho primitivo;
E, eternamente
presa entre meus braços,
Bela, protegerias
os meus passos,
— astro formoso e
vivo!
Mas... talvez te
ofendesse o meu desejo...
E, ao teu contato
gélido, meu beijo
Fosse cair por
terra, desprezado...
Embora! que eu ao
menos te olharia,
E, presa do
respeito, ficaria
Silencioso e
imóvel a teu lado.
Fitando o olhar
ansioso
No teu, lendo esse
livro misterioso,
Eu descortinaria a
minha sorte...
Até que ouvisse,
desse olhar ao fundo,
Soar, num dobre
lúgubre e profundo,
A hora da minha
morte!
Longe embora de
mim teu pensamento,
Ouvirias aqui,
louco e violento,
Bater meu coração
em cada canto;
E ouvirias, como
uma melopeia,
Longe embora de
mim a tua ideia,
A música abafada
de meu pranto.
Dormirias,
querida...
E eu,
guardando-te, bela e adormecida,
Orgulhoso e feliz
com o meu tesouro,
Tiraria os meus
versos do abandono,
E eles embalariam
o teu sono,
Como uma rede de
ouro.
Mas não bens! não
virás! Silêncio e treva...
Hirta, na sombra,
a Solidão eleva
Os longos braços
rígidos de gelo;
E há, pelo
corredor ermo e comprido,
O suave rumor de
teu vestido
E o perfume sutil
de teu cabelo...
★★★
Inverno
CÁRMEN FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)
Vão-se os anos, e
as cãs, aparecendo,
Tornam-me a vida
lúgubre e sombria;
Nada me resta, e a
carne é já tão fria
Que, apesar de
viver, estou morrendo.
Não vive quem o
amor não conhecendo
Não vê jamais o
claro sol de um dia.
Que a luz do sol
que as almas alumia
É o amor, que as
almas vai de luz enchendo,
Vivo e não vivo, e
falecendo em vida
Come a lâmpada
triste pouco a pouco
Num claustro
fulgurando amortecida,
Calma e tranquila
deixa a vida ingrata,
Onde da luta o
sofrimento louco
Cega, apunhá-la,
dilacera e mata.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...