O Grito do Ipiranga
MACHADO DE ASSIS
Liberdade!...
Farol divinizado! -
Sob o teu brilho a
humanidade e os séculos
Caminham ao
porvir. Roma as algemas
Quebrou dos filhos
que a opressão lançara
Dentre a sombra de
púrpura dos Césares,
Que envolvia
Tarquínio em fogo e sangue,
Cheia de tua luz e
estimulada
Por teu nome
divino - essa palavra
Imensa como as
vozes do Oceano.
Sublime como a
ideia do infinito!
Tal como Roma a
terra americana,
Um dia alevantando
ao sol dos trópicos
A fronte que
domina os estandartes,
Saudou teu nome
majestoso e belo -
E o brado imenso -
Independência ou morte! -
Soltado lá das
margens do Ipiranga.
Foi nos campos
soar da eternidade.
Desenrola nas
turbas populares
Dos livres a
bandeira o herói tão nobre,
Digno dos louros
festivais que outrora
Roma dava aos
heróis entre os aplausos
Do povo que os
levava ao Capitólio!
Ele foi como o
César de Marengo;
Sua voz como a
lava do Vesúvio
Levada pela voz da
imensidade
Foi do Tejo soar
nas margens, onde
Estremeceu de
susto o lusitano!
Ipiranga!...
Ipiranga!... A voz das brisas
Este nome repete
nas florestas!
Caminhante! Eis
ali onde primeiro
Soou o brado -
Independência ou morte! -
O homem secular
levando as águias
Por entre os
turbilhões de pó, de fumo,
Ostentando nos
livres estandartes
O lúcido farol de
um século ovante,
Mais sublime não
foi nem mais valente
Que Pedro o herói,
da América travando
Do farol da
sagrada liberdade,
E acordando o
Brasil, escravizado,
Sob férreos
grilhões adormecido.
Somos livres! -
Nas paginas da história
Nosso nome fulgura
- ali traçado
Foi por Deus, que
do herói guiando o braço,
Nas folhas o
escreveu do eterno livro.
Somos livres! - No
peito brasileiro
A ideia da
opressão não se acalenta!
Somos já livres
como a voz do oceano,
Somos grandes
também como o infinito,
Como o nome de
Pedro e dos Andradas!
Seja bendito o dia
em que Colombo
César dos mares,
afrontando as ondas,
À Europa revelou
um Novo Mundo;
Ele nos trouxe o
cetro das conquistas
Nas mãos de Pedro
- o fundador do Império!
O herói calcando
os pedestais da história,
Ergue soberbo aos
séculos vindouros
A fronte
majestosa! Imenso vulto!
É ele o sol da
terra brasileira!
Neste dia de
esplêndidas lembranças
No peito
brasileiro se reflete
O nome dele - como
um sol ardente
Brilha dourado no
cristal dos prismas!
Tomando o sabre,
dominou dois mundos
O herói
libertador, valente e ousado!
Ele, o tronco da
nossa liberdade,
Foi como o cedro
secular do Líbano,
Que resiste ao
tufão e às tempestades!
Ipiranga! Inda o
vento das florestas
Que as noites
tropicais respiram frescas
Parecem murmurar
nos seus soluços
O brado imenso -
Independência ou morte!
Qual o trovão nos
ecos do infinito!
Disse ao guerreiro
o Deus da Liberdade:
Liberta o teu
Brasil num brado augusto,
E o herói valente
libertou num grito!
★★★
O Jesuíta
JUNQUEIRA FREIRE
Era longe — bem
longe: e eu vim primeiro
Cindindo as ondas
desse mar profundo.
E por amor da Cruz
vaguei sozinho
Nas ínvias matas
desse novo mundo.
O tamoio gentil
ervava as setas,
Quando pelos
vergéis, tão seus, me via:
E co'os olhos
fosfóricos ardendo
A taquara fatal a
mim tendia.
E tendia a
taquara, — mas ao ver-me
Quão sem temor e
quão inerme estava,
Trocando em doce o
seu olhar fogoso,
O arco e a seta
pelo chão rojava.
De mim as tribos
bárbaras, indômitas,
De mim o verbo do
evangelho ouviram.
E ergui a cruz nos
píncaros dos montes,
E após o verbo os
povos me seguiram!
Eu disse às
tribos: —Todas vós sois ricas,
— Que o ouro e a
prata o solo vosso esmalta.
Sois ricas tribos,
— mas não sois felizes,
Porque uma crença
de um só Deus vos falta.
E eu dei às tribos
uma crença doce,
Qual uma chuva de
maná celeste:
E as tribos foram
desde então felizes,
Qual flor pomposa
que os jardins reveste.
E quando os reis
da terra se esqueceram
Das tribos dadas a
seu cetro forte,
Eu levantei-me, e
disse aos reis da terra,
— O povo geme:
Transmudai-lhe a sorte. —
Eternos templos eu
ergui sozinho,
Eternos como a
duração da terra.
E sozinho sagrei
altares tantos
Ao Deus que aos
ímpios c'o trovão aterra.
Eu dei às tribos
uma crença doce,
Eu levantei
alcáceres eternos.
Deram-me os homens
proscrição e morte,
Deram-me em prêmio
as fezes dos infernos.
★★★
Manuel de Sousa enterra D. Leonor na praia
JERÔNIMO CORTE-REAL
Apartando co'as
mãos a branca areia
Abre nela uma
estreita sepultura
Torna-se atrás
alçando nos cansados
Braços aquele
corpo lasso e frio.
Ajudam as criadas
as funestas
Derradeiras
exéquias, com mil gritos.
Ai duro tempo!
(dizem),como apartas
Para sempre de nós
tal formosura!
Na perpétua morada
tenebrosa
A deixam,
levantando alto alarido,
Com salgado licor
banhando a terra,
Aquele último
vale. todas dizem.
Não fica só Lianor
na causa infausta,
Que de um tenro
filhinho se acompanha,
Que a luz vital
gozou, quatro perfeitos
Anos, ficando o
quinto interrompido.
Ali co'a morta mãe
o filho morto
Ambos com morto
amor em cerra jazem,
Ela lhe nega o
branco amado peito,
E ele o doce,
materno, amado gosto.
Ambos na solitária
praia ficam,
Junto das grossas
ondas sepultados,
Deixando ao mundo
um triste raro exemplo
De perversa,
cruel, ímpia fortuna.
★★★
A Confederação dos Tamoios
GONÇALVES DE
MAGALHÃES
Como da pira
extinta a labareda,
Ainda o rescaldo
crepitante fica,
Assim do ardente
moço a mente acesa
Na desusada luta
que a excitara,
Ainda, alerta e
escaldada se revolve!
De um lado e de
outro balanceia o corpo,
Como após da
tormenta o mar banzeiro;
Alma e corpo
repouso achar não podem.
Debalde os olhos
cerra; a igreja, as casas,
A vila, tudo ante
ele se apresenta.
Das preces a
harmonia inda murmura
Como um eco
longínquo em seus ouvidos.
Os discursos do
tio mutilados,
Malgrado seu,
assaltam-lhe a memória.
No espontâneo
pensar lançada a mente,
Redobrando de
força, qual redobra
A rapidez do corpo
gravitante,
Vai discorrendo, e
achando em seu arcanos
Novas respostas às
razões ouvidas.
Mas a noite
declina, e branda aragem
Começa a
refrescar. Do céu os lumes
Perdem a nitidez
desfalecendo.
Assim já frouxo o
Pensamento do índio,
Entre a vigília e
o sono vagueando,
Pouco a pouco se
olvida, e dorme, sonha,
Como imóvel na
casa entorpecida,
Clausurada a
crisálida recobra
Outra vida em
silêncio, e desenvolve
Essas ligeiras
asas com que um dia
Esvoaçará nos ares
perfumados,
Onde enquanto
réptil não se elevara;
Assim a alma, no
sono concentrada,
Nesse mistério que
chamamos sonho,
Preludiando a
vista do futuro,
A póstuma visão
preliba às vezes!
Faculdade divina,
inexplicável
A quem só da
matéria as leis conhece.
Ele sonha... Alto
moço se lhe antolha
De belo e santo
aspecto, parecido
Com uma imagem que
vira atada a um tronco,
E de setas o corpo
traspassado,
Num altar desse
templo, onde estivera,
E que tanto na
mente lhe ficara,
— "Vem!"
lhe diz ele e ambos vão pelos ares.
Mais rápidos que o
raio luminoso
Vibrado pelo sol
no veloz giro,
E vão pousar no
alcantilado monte,
Que curvado domina
a Guanabara.
Cerrado nevoeiro
se estendia
Sobre a vasta
extensão de espaço em torno,
Cobertando o
verdor da imensa várzea;
E o topo da
montanha sobranceiro
Parecia um penedo
no Oceano.
Mas o velário de
cinzenta névoa
Pouco a pouco,
subindo adelgaçou-se,
E rarefeito enfim,
em brancas nuvens.
Foi flutuando pelo
azul celeste.
Que grandeza! Que
imensa majestade!
Que espantoso
prodígio se levanta!
Que quadro sem
igual em todo o mundo,
Onde o sublime e o
belo em harmonia
O pensamento e a
vista atrai, enleva
E f az que o
coração extasiado
Se dilate, se
expanda, e bata, e impila
O sangue em borbotões
pelas artérias!
Os olhos
encantados se exorbitam,
Como as vibradas
cordas de uma lira,
De almo prazer os
nervos estremecem;
E o espírito
pairando no infinito,
Do belo nos
arcanos engolfado,
Parece alar-se das
prisões do corpo.
Niterói! Niterói!
como és formosa!
Eu me glorio de
dever-te o braço!
Montanhas,
várzeas, lagos, mares, ilhas,
Prolífica Natura,
céu ridente,
Léguas e léguas de
prodígios tantos.
Num todo tão
harmônico e sublime,
Onde olhos o verão
longe deste Éden?
★★★
Napoleão em Waterloo
Tout na manqué que quand tout avait
Réussi.
Napoleão em S.
Helena (Memorial)
Eis aqui o lugar
onde eclipsou-se
O Meteoro fatal às
régias frontes!
E nessa hora em
que a glória se obumbrava,
Além o Sol em
trevas se envolvia!
Rubro estava o
horizonte, e a terra rubra!
Dois astros ao
ocaso caminhavam;
Tocado ao seu
zênite haviam ambos;
Ambos iguais no
brilho; ambos na queda
Tão grandes como
em horas de triunfo!
Waterloo!...
Waterloo!... Lição sublime
Este nome revela à
Humanidade!
Um Oceano de pó,
de fogo, e fumo
Aqui varreu o
exército invencível,
Como a explosão
outrora do Vesúvio
Até seus tetos
inundou Pompeia.
O pastor que
apascenta seu rebanho;
O corvo que
sanguíneo pasto busca,
Sobre o leão de
granito esvoaçando;
O eco da floresta,
e o peregrino
Que indagador
visita estes lugares:
Waterloo!...
Waterloo!... dizendo, passam.
Aqui morreram de
Marengo os bravos!
Entretanto esse
Herói de mil batalhas,
Que o destino dos
Reis nas mãos continha;
Esse Herói, que
c’oa ponta de seu gládio
No mapa das Nações
traçava as raias,
Entre seus
Marechais, ordens ditava!
O hálito inflamado
de seu peito
Sufocava as
falanges inimigas,
E a coragem nas
suas acendia.
Sim, aqui ‘stava o
Gênio das vitórias,
Medindo o campo
com seus olhos de águia!
O infernal
retintim do embate de armas,
Os trovões dos
canhões que ribombavam,
O sibilo das balas
que gemiam.
O horror, a
confusão, gritos, suspiros,
Eram como uma
orquestra a seus ouvidos!
Nada o turbava! —
Abóbadas de balas,
Pelo inimigo aos
centos disparadas,
A seus pés se
curvavam respeitosas,
Quais submissos
leões; e nem ousando
Tocá-lo, ao seu
ginete os pés lambiam.
Oh! por que não
venceu? — Fácil lhe fora!
Foi destino, ou
traição? — Águia sublime
Que devassava o
céu com voo altivo
Desde as margens
do Sena até ao Nilo!
Assombrando as
Nações co’as largas asas,
Por que se nivelou
aqui c’os homens?
Oh! por que não
venceu? — O Anjo da glória
O hino da vitória
ouviu três vezes;
E três vezes
bradou: — É cedo ainda!
A espada lhe gemia
na bainha,
E inquieto
relinchava o audaz ginete,
Que soía escutar o
horror da guerra,
E o fumo respirar
de mil bombardas.
Na pugna os
esquadrões se encarniçavam;
Roncavam pelos
ares os pelouros;
Mil vermelhos
fuzis se emaranhavam;
Encruzadas espadas,
e as baionetas,
E as lanças
faiscavam retinindo,
Ele só impassível
como a rocha,
Ou de ferro
fundido estátua equestre,
Que invisível
poder mágico anima,
Via seus batalhões
cair feridos,
Como muros de
bronze, por cem raios;
E no céu seu
destino decifrava.
Pela última vez
c’oa espada em punho,
Rutilante na pugna
se arremessa;
Seu braço é
tempestade, a espada é raio!...
Mas invencível mão
lhe toca o peito!
É a mão do Senhor!
barreira ingente;
Basta, guerreiro,
Tua glória é minha;
Tua força em mim
‘stá. Tens completado
Tua augusta
missão. — És homem; — pára.
Eram poucos, é
certo; mas que importa?
Que importa que
Grouchy, surdo às trombetas,
Surdo aos trovões
da guerra que bradavam:
Grouchy, Grouchy,
a nós, eia, ligeiro;
O teu Imperador
aqui te aguarda.
Ah! não deixes
teus bravos companheiros
Contra a enchente
lutar, que mal vencida
Uma após outra em
turbilhões se eleva,
Como vagas do
Oceano encapelado,
Que furibundas se
alçam, lutam, batem
Contra o penedo, e
como em pó recuam,
E de novo no
pleito se arremessam.
Eram poucos, é
certo; e contra os poucos
Armadas as Nações
aqui pugnavam!
Mas esses poucos
vencedores foram
Em Iena, em
Montmirail, em Austerlitz.
Ante eles o Tabor,
e os Alpes curvos
Viram passar as
águias vencedoras!
E o Reno, e o
Manzanar, e o Adige, e o Eufrates
Embalde à sua
marcha se opuseram.
Eram os poucos que
jamais vencidos
Os dias seus
contavam por batalhas,
E de cãs se
cobriram nos combates;
O sol do Egito
ardente assoberbaram,
A peste em jafa, a
sede nos desertos,
A fome, e os gelos
dos Moscóvios campos;
Poucos que se não
rendem; — mas que morrem!
Oh! que para
vencer bastantes eram!
A terra em vão
contra eles pleiteara,
Se Deus, que os
via, não dissesse: Basta.
Dia fatal, de
opróbrio aos vencedores!
Vergonha eterna à
geração que insulta
O Leão que
magnânimo se entrega.
Ei-lo sentado em
cima do rochedo,
Ouvindo o eco
fúnebre das ondas,
Que murmuram seu
cântico de morte:
Braços cruzados
sobre o largo peito,
Qual náufrago
escapado da tormenta,
Que as vagas sobre
o escolho rejeitaram;
Ou qual marmórea
estátua sobre um túmulo.
Que grande ideia
ocupa, e turbilhona
Naquela alma tão
grande como o mundo?
Ele vê esses Reis,
que levantara
Da linha de seus
bravos, o traírem.
Ao longe mil
pigmeus rivais divisa,
Que mutilam sua
obra gigantesca;
Como do Macedônio
outrora o Império
Entre si
repartiram vis escravos.
Então um riso de
ira, e de despeito
Lhe salpica o
semblante de piedade.
O grito ainda
inocente de seu filho
Soa em seu
coração, e de seus olhos
A lágrima primeira
se desliza.
E de tantas coroas
que ajuntara
Para dotar seu
filho, só lhe resta
Esse Nome, que o
mundo inteiro sabe!
Ah! tudo ele
perdeu! a esposa, o filho,
A pátria, o mundo,
e seus fiéis soldados.
Mas firme era sua
alma como o mármor,
Onde o raio batia,
e recuava!
Jamais, jamais
mortal subiu tão alto!
Ele foi o primeiro
sobre a terra.
Só, ele brilha
sobranceiro a tudo,
Como sobre a
coluna de Vendôme
Sua estátua de
bronze ao céu se eleva.
Acima dele Deus, —
Deus tão-somente!
Da Liberdade foi o
mensageiro.
Sua espada, cometa
dos tiranos,
Foi o sol, que
guiou a Humanidade.
Nós um bem lhe
devemos, que gozamos;
E a geração futura
agradecida:
Napoleão, dirá,
cheia de assombro.
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