7/04/2018

Temas Poéticos: FLOR - II


À Rosa

MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA

I
Inundações floridas de Amalteia
Prodigamente Clóri derramava
E líquida em rocio a sombra feia
No fraudulento Bruto, o Sol brilhava:
Quando entre tanta flor, que Abril semeia,
Fidalgamente a rosa se adornava,
Ostentando por garbo repetido
De ouro o toucado, de âmbar o vestido.

II
Esta gala, que veste generosa,
Deve aos cândidos pés da Deusa amante,
E ficando no orvalho mais lustrosa,
Deve estimar da Aurora o mal constante:
De sorte que no prado fica a Rosa
Com desditas alheias arrogante,
Pois quando se entroniza brilhadora,
Sangue de Vênus tem, pranto de Aurora.

III
Quando esse Deus de raios aparece,
Agrado dando à vista, luz ao prado,
A Deidade das flores amanhece,
Ao prado dando luz, à vista agrado:
E quando a Primavera resplandece
Com gala verde, e brilhador toucado,
Fica sendo no adorno de verdores
Joia esta flor, e gargantilha as flores.

IV
Em galharda altivez tanto se afina,
Que vestida de púrpura formosa
Adulação se arroga de divina,
Desprezando o primor de majestosa:
Por Deidade do campo peregrina
Não lhe faltam perfumes de olorosa,
E quando Deusa dos jardins e aclamo,
Faz templo do rosal, altar do ramo.

V
Ave purpúrea no jardim lustroso
Soberbamente a considera o dia,
As verdes ervas são ninho frondoso,
Donde a fragrante adulação se cria:
Se respira do alento o deleitoso,
Se desprega da pompa a bizarria,
Forma em tanta beleza, em olor tanto
As folhas asas, a fragrância canto.

VI
Com plácidos requebros assistida
Do Zéfiro fecundo a Rosa amada,
Lhe dá lascivos beijos por querida,
E vermelha se faz de envergonhada:
Já se encalma com chama padecida,
Já respira com ânsia suspirada,
Oh como no jardim, quando se adora
Sente Zéfiro amor, ciúmes Flora!

VII
Como Lua no Céu entre as estrelas,
Campa formosamente em resplendores
Entre as flores a Rosa, é Lua entre elas,
Brilhando o prado, Céu; astros, as flores:
Por vantagens se jacta horas mais belas,
Nem se escondem com o sol os seus primores,
Se brilha a Lua; a Rosa vencer trata
Com raios de rubi raios de prata.

VIII
Mas ai, quão brevemente se assegura
A flor purpúrea no primor luzido!
Que não logre isenções a formosura!
Que a morte de uma flor rompa o vestido!
Oh da Rosa gentil mortal ventura!
Que logo morta está, quando há nascido,
Sendo o toucado do infeliz tesouro
Em berço de coral sepulcro de ouro.

IX
Se vivifica a grã, se olor expira,
Dando lisonja ao prado, ornato à fonte,
No doce alento, e bela grã se admira
De Sido inveja, emulação de Oronte:
Mas se vento aromático respira,
Mas se lhe pinta o luminoso Etonte
Da cor a sombra, passa num momento
Qual sombra a sombra, como vento, o vento.

X
Se abre a Rosa pomposo nascimento,
Se bebe a Rosa nacarada morte,
Se foi Sol no purpúreo luzimento,
Também se iguala Sol na breve sorte:
Se o Sol nasce, e padece o fim violento;
Nasce a Rosa, e padece o golpe forte,
De sorte que por morta, e por luzente
No Ocaso ocaso tem, no Oriente oriente.

XI
Se, Anarda, vibras na beleza ingrata
Raios de esquiva, de formosa raios,
Adverte, adverte, que um rigor maltrata
Adulação de Abris, primor de Maios:
Ouve na flor, que desenganos trata,
As mudas vozes dos gentis desmaios;
Atente enfim teu néscio desvario,
Que a formosura é flor, o tempo Estio.

XII
Não queiras, não, perder com cego engano
Dessas flores, que logras, a riqueza,
Vê pois que cada idade por teu dano
É sucessivo Inverno da beleza:
Aprende cedo, Anarda, o desengano
Desta ufana, já morta, gentileza,
Não queiras, não, perder em teu desgosto
Do dezembro da idade o abril do rosto.

★★★

Flor de ipê

LÚCIO DE MENDONÇA

Na clara estação gorjeada,
Em flor o ipê se desata;
Ó bela árvore dourada!
Ó loura filha da mata!

O tronco, o pai, se revê
Todo ufano, todos zelos,
Nesses teus áureos cabelos
Que o sol beija, ó flor de ipê!

As abelhas, joias vivas,
Adereçam-te o toucado;
Diz-te frases expressivas
O sabiá namorado;

De ramo em ramo o tiê
Cai, com gota de sangue;
E a coral se enrosca langue
Nos teus braços, flor de ipê!

Mas, ai! tanta formosura,
Tão festejada e querida,
Pouco tempo vive e dura,
Logo cai a flor sem vida;

E sombrio e nu se vê,
Mudo, trágico, isolado,
Como um pai desamparado,
O velho tronco do ipê.

Na alegre quadra encantada
Dos sonhos e da esperança.
Vestiu-te a ilusão dourada
O coração de criança;

Surgiu-te - meu Deus! por quê? -
Ante os passos peregrinos
Crianças de olhos divinos,
Loura como a flor do ipê.

Sonhos de que te cobriste,
Coração em primavera,
Caíram, todos, ai, triste!
Quanta dourada quimera!

Eis-te da sorte à mercê,
Já sem viço, já sem flores...
Aqueles pobres amores
Foram como a flor do ipê!

★★★

Amor-Perfeito

LAURINDO RABELO

Secou-se a rosa... era rosa;
Flor tão fraca e melindrosa,
Muito não pôde durar.
Exposta a tantos calores,
Embora fossem de amores,
Cedo devia secar.

Porém tu, amor-perfeito,
Tu, nascido, tu afeito
Aos incêndios que amor tem,
Tu que abrasas, tu que inflamas,
Tu que vegetas nas chamas,
Por que secaste também?!

Ah! bem sei. De acesas fráguas
As chamas são tuas águas,
O fogo é água de amor.
Como as rosas se murcharam,
Porque as águas lhes falharam,
Sem fogo murchaste, flor.

É assim, que bem florente
Eras, quando o fogo ardente
De uns olhos que raios são,
Em breve, mas doce prazo,
Te orvalhou naquele vaso
Que, já foi meu coração.

Secaste, porque esse pranto
Que chorei, que choro há tanto,
De todo o fogo apagou.
Triste, sem fogo, sem frágua
Secaste, como sem água,
A triste rosa secou.

Que olhos foram aqueles!
Quando eu mais fiava deles
Meu presente e meu porvir,
Faziam cruéis ensaios
Para matar-me. Eram raios,
Tinham por fim destruir.

Destruíram-me: contudo
Perdoo o pesar agudo,
Perdoo a pungente dor
Que sofri nos meus tormentos,
Pelos felizes momentos
Que me deram nesta flor.

Ai! querido amor-perfeito!
Como vivi satisfeito,
Quando te vi florescer!
Ai! não houve criatura
No prazer e na ventura
Que me pudesse exceder.

Ai! seca flor, de bom grado,
Se tanto pedisse o fado,
Quisera sacrificar
Liberdade e pensamento,
Sangue, vida, movimento,
Luz, olfato, sons e ar.

Só para ver-te florente,
Como quando o fogo ardente,
De uns olhos que raios são,
Em breve, mas doce prazo,
Te orvalhou naquele vaso
Que já foi meu coração.

★★★

A uma Rosa

JERÔNIMO BAÍA
 (1620/30-1688)

Como tens tão pouca vida?
Quem tão depressa te mata?
Flor do mais ilustre sangue,
Que deu de Vênus a planta?

Uma Aurora só que vives,
Flores te chamam Monarca:
Na mesma terra do império,
Que foi berço, tens a campa.

Lástima da tarde chamam
A ti doce mimo da alva,
Gentil pérola nascida
Entre concha de esmeralda.

Águia nos voos florentes
Estendes ao Sol as asas,
Mas quando os raios lhe logras,
Fênix em raios te abrasas.

Em quanto em verde clausura
Te fecha o botão as galas,
Para os logros, que desejas,
Te dão vida as esperanças.

Mas quando a púrpura bela
Te serve já de mortalha,
Sentido o Sol chora raios,
Buscando a morte nas águas.

De formosura tão rica
Não sei quem foi o pirata
Tão atrevido, que rouba
A joia da madrugada.

★★★

Vida de Flor

FAGUNDES VARELA

Por que vergas-me a fronte sobre a terra?
Diz a flor da colina ao manso vento,
Se apenas às manhãs o doce orvalho
Hei gozado um momento?

Tímida ainda, nas folhagens verdes
Abro a corola à quietação das noites,
Ergo-me bela, me rebaixas triste
Com teus feros açoites!

Oh! deixa-me crescer, lançar perfumes,
Vicejar das estrelas à magia,
Que minha vida pálida se encerra
No espaço de um só dia!

Mas o vento agitava sem piedade
A fronte virgem da cheirosa flor,
Que pouco a pouco se tingia, triste,
De mórbido palor.

Não vês, oh brisa? lacerada, murcha,
Tão cedo ainda vou pendendo ao chão,
E em breve tempo esfolharei já morta
Sem chegar ao verão?

Tem piedade de mim! deixa-me ao menos
Desfrutar um momento de prazer,
Pois que é meu fado despontar na aurora
E ao crepúsculo morrer!...

Brutal amante não lhe ouviu as queixas,
Nem às suas dores atenção prestou,
E a flor mimosa, retraindo as pétalas,
Na tige se inclinou.
Surgiu na aurora, não chegou à tarde,
Teve um momento de existência só!
A noite veio, procurou por ela,
Mas a encontrou no pó.

Ouviste, oh virgem, a legenda triste
Da flor do outeiro e seu funesto fim?
Irmã das flores à mulher, às vezes
Também sucede assim.


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