À Rosa
MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA
I
Inundações
floridas de Amalteia
Prodigamente Clóri
derramava
E líquida em rocio
a sombra feia
No fraudulento
Bruto, o Sol brilhava:
Quando entre tanta
flor, que Abril semeia,
Fidalgamente a
rosa se adornava,
Ostentando por
garbo repetido
De ouro o toucado,
de âmbar o vestido.
II
Esta gala, que
veste generosa,
Deve aos cândidos
pés da Deusa amante,
E ficando no
orvalho mais lustrosa,
Deve estimar da
Aurora o mal constante:
De sorte que no
prado fica a Rosa
Com desditas
alheias arrogante,
Pois quando se
entroniza brilhadora,
Sangue de Vênus
tem, pranto de Aurora.
III
Quando esse Deus
de raios aparece,
Agrado dando à
vista, luz ao prado,
A Deidade das
flores amanhece,
Ao prado dando
luz, à vista agrado:
E quando a
Primavera resplandece
Com gala verde, e
brilhador toucado,
Fica sendo no
adorno de verdores
Joia esta flor, e
gargantilha as flores.
IV
Em galharda
altivez tanto se afina,
Que vestida de
púrpura formosa
Adulação se arroga
de divina,
Desprezando o
primor de majestosa:
Por Deidade do
campo peregrina
Não lhe faltam
perfumes de olorosa,
E quando Deusa dos
jardins e aclamo,
Faz templo do
rosal, altar do ramo.
V
Ave purpúrea no
jardim lustroso
Soberbamente a
considera o dia,
As verdes ervas
são ninho frondoso,
Donde a fragrante
adulação se cria:
Se respira do
alento o deleitoso,
Se desprega da
pompa a bizarria,
Forma em tanta
beleza, em olor tanto
As folhas asas, a
fragrância canto.
VI
Com plácidos
requebros assistida
Do Zéfiro fecundo
a Rosa amada,
Lhe dá lascivos
beijos por querida,
E vermelha se faz
de envergonhada:
Já se encalma com
chama padecida,
Já respira com
ânsia suspirada,
Oh como no jardim,
quando se adora
Sente Zéfiro amor,
ciúmes Flora!
VII
Como Lua no Céu
entre as estrelas,
Campa formosamente
em resplendores
Entre as flores a
Rosa, é Lua entre elas,
Brilhando o prado,
Céu; astros, as flores:
Por vantagens se
jacta horas mais belas,
Nem se escondem
com o sol os seus primores,
Se brilha a Lua; a
Rosa vencer trata
Com raios de rubi
raios de prata.
VIII
Mas ai, quão
brevemente se assegura
A flor purpúrea no
primor luzido!
Que não logre
isenções a formosura!
Que a morte de uma
flor rompa o vestido!
Oh da Rosa gentil
mortal ventura!
Que logo morta
está, quando há nascido,
Sendo o toucado do
infeliz tesouro
Em berço de coral
sepulcro de ouro.
IX
Se vivifica a grã,
se olor expira,
Dando lisonja ao
prado, ornato à fonte,
No doce alento, e
bela grã se admira
De Sido inveja,
emulação de Oronte:
Mas se vento
aromático respira,
Mas se lhe pinta o
luminoso Etonte
Da cor a sombra,
passa num momento
Qual sombra a
sombra, como vento, o vento.
X
Se abre a Rosa
pomposo nascimento,
Se bebe a Rosa
nacarada morte,
Se foi Sol no
purpúreo luzimento,
Também se iguala
Sol na breve sorte:
Se o Sol nasce, e
padece o fim violento;
Nasce a Rosa, e
padece o golpe forte,
De sorte que por
morta, e por luzente
No Ocaso ocaso
tem, no Oriente oriente.
XI
Se, Anarda, vibras
na beleza ingrata
Raios de esquiva,
de formosa raios,
Adverte, adverte,
que um rigor maltrata
Adulação de Abris,
primor de Maios:
Ouve na flor, que
desenganos trata,
As mudas vozes dos
gentis desmaios;
Atente enfim teu
néscio desvario,
Que a formosura é
flor, o tempo Estio.
XII
Não queiras, não,
perder com cego engano
Dessas flores, que
logras, a riqueza,
Vê pois que cada
idade por teu dano
É sucessivo
Inverno da beleza:
Aprende cedo,
Anarda, o desengano
Desta ufana, já
morta, gentileza,
Não queiras, não,
perder em teu desgosto
Do dezembro da
idade o abril do rosto.
★★★
Flor de ipê
LÚCIO DE MENDONÇA
Na clara estação
gorjeada,
Em flor o ipê se
desata;
Ó bela árvore
dourada!
Ó loura filha da
mata!
O tronco, o pai,
se revê
Todo ufano, todos
zelos,
Nesses teus áureos
cabelos
Que o sol beija, ó
flor de ipê!
As abelhas, joias vivas,
Adereçam-te o
toucado;
Diz-te frases
expressivas
O sabiá namorado;
De ramo em ramo o
tiê
Cai, com gota de
sangue;
E a coral se
enrosca langue
Nos teus braços,
flor de ipê!
Mas, ai! tanta
formosura,
Tão festejada e
querida,
Pouco tempo vive e
dura,
Logo cai a flor
sem vida;
E sombrio e nu se
vê,
Mudo, trágico,
isolado,
Como um pai
desamparado,
O velho tronco do
ipê.
Na alegre quadra
encantada
Dos sonhos e da
esperança.
Vestiu-te a ilusão
dourada
O coração de
criança;
Surgiu-te - meu
Deus! por quê? -
Ante os passos
peregrinos
Crianças de olhos
divinos,
Loura como a flor
do ipê.
Sonhos de que te
cobriste,
Coração em
primavera,
Caíram, todos, ai,
triste!
Quanta dourada
quimera!
Eis-te da sorte à
mercê,
Já sem viço, já
sem flores...
Aqueles pobres
amores
Foram como a flor
do ipê!
★★★
Amor-Perfeito
LAURINDO RABELO
Secou-se a rosa...
era rosa;
Flor tão fraca e
melindrosa,
Muito não pôde
durar.
Exposta a tantos
calores,
Embora fossem de
amores,
Cedo devia secar.
Porém tu,
amor-perfeito,
Tu, nascido, tu
afeito
Aos incêndios que
amor tem,
Tu que abrasas, tu
que inflamas,
Tu que vegetas nas
chamas,
Por que secaste
também?!
Ah! bem sei. De
acesas fráguas
As chamas são tuas
águas,
O fogo é água de
amor.
Como as rosas se
murcharam,
Porque as águas
lhes falharam,
Sem fogo
murchaste, flor.
É assim, que bem
florente
Eras, quando o
fogo ardente
De uns olhos que
raios são,
Em breve, mas doce
prazo,
Te orvalhou
naquele vaso
Que, já foi meu
coração.
Secaste, porque
esse pranto
Que chorei, que
choro há tanto,
De todo o fogo
apagou.
Triste, sem fogo,
sem frágua
Secaste, como sem
água,
A triste rosa
secou.
Que olhos foram
aqueles!
Quando eu mais
fiava deles
Meu presente e meu
porvir,
Faziam cruéis
ensaios
Para matar-me.
Eram raios,
Tinham por fim
destruir.
Destruíram-me:
contudo
Perdoo o pesar
agudo,
Perdoo a pungente
dor
Que sofri nos meus
tormentos,
Pelos felizes
momentos
Que me deram nesta
flor.
Ai! querido
amor-perfeito!
Como vivi
satisfeito,
Quando te vi
florescer!
Ai! não houve
criatura
No prazer e na
ventura
Que me pudesse
exceder.
Ai! seca flor, de
bom grado,
Se tanto pedisse o
fado,
Quisera sacrificar
Liberdade e
pensamento,
Sangue, vida,
movimento,
Luz, olfato, sons
e ar.
Só para ver-te
florente,
Como quando o fogo
ardente,
De uns olhos que
raios são,
Em breve, mas doce
prazo,
Te orvalhou
naquele vaso
Que já foi meu
coração.
★★★
A uma Rosa
JERÔNIMO BAÍA
(1620/30-1688)
Como tens tão
pouca vida?
Quem tão depressa
te mata?
Flor do mais
ilustre sangue,
Que deu de Vênus a
planta?
Uma Aurora só que
vives,
Flores te chamam
Monarca:
Na mesma terra do
império,
Que foi berço,
tens a campa.
Lástima da tarde
chamam
A ti doce mimo da
alva,
Gentil pérola
nascida
Entre concha de
esmeralda.
Águia nos voos
florentes
Estendes ao Sol as
asas,
Mas quando os
raios lhe logras,
Fênix em raios te
abrasas.
Em quanto em verde
clausura
Te fecha o botão
as galas,
Para os logros,
que desejas,
Te dão vida as
esperanças.
Mas quando a
púrpura bela
Te serve já de
mortalha,
Sentido o Sol
chora raios,
Buscando a morte
nas águas.
De formosura tão
rica
Não sei quem foi o
pirata
Tão atrevido, que
rouba
A joia da
madrugada.
★★★
Vida de Flor
FAGUNDES VARELA
Por que vergas-me
a fronte sobre a terra?
Diz a flor da
colina ao manso vento,
Se apenas às
manhãs o doce orvalho
Hei gozado um
momento?
Tímida ainda, nas
folhagens verdes
Abro a corola à
quietação das noites,
Ergo-me bela, me
rebaixas triste
Com teus feros
açoites!
Oh! deixa-me
crescer, lançar perfumes,
Vicejar das
estrelas à magia,
Que minha vida
pálida se encerra
No espaço de um só
dia!
Mas o vento
agitava sem piedade
A fronte virgem da
cheirosa flor,
Que pouco a pouco
se tingia, triste,
De mórbido palor.
Não vês, oh brisa?
lacerada, murcha,
Tão cedo ainda vou
pendendo ao chão,
E em breve tempo
esfolharei já morta
Sem chegar ao
verão?
Tem piedade de
mim! deixa-me ao menos
Desfrutar um
momento de prazer,
Pois que é meu
fado despontar na aurora
E ao crepúsculo
morrer!...
Brutal amante não
lhe ouviu as queixas,
Nem às suas dores
atenção prestou,
E a flor mimosa,
retraindo as pétalas,
Na tige se
inclinou.
Surgiu na aurora,
não chegou à tarde,
Teve um momento de
existência só!
A noite veio,
procurou por ela,
Mas a encontrou no
pó.
Ouviste, oh
virgem, a legenda triste
Da flor do outeiro
e seu funesto fim?
Irmã das flores à
mulher, às vezes
Também sucede
assim.
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