A Castro Alves
JOSÉ BONIFÁCIO
“Poesias” (18...)
Talvez é sono a
vida, e vida a morte,
Dorme-se aqui pra
despertar além!
O vivo é um morto,
e a luz que do alto vem
Do céu à terra é a
ponte de transporte!
— Passageira
ilusão, ou crença forte...
Quem sabe?!—O
mundo é o nada... e a lousa tem
O segredo da
esfinge... o mal e o bem
Das mortas
gerações... destino ou sorte!...
Não sei; responde
: — a tua mocidade,
Planeta em céu
ignoto, é anjo ou nume,
E o sol de lá é a
luz da eternidade?!
Talvez!... quem
sabe!... o pó tudo resume!...
Mas o teu coração,
ainda saudade,
Ficou — murmúrio e
flor, brisa e perfume.
★★★
Lendo Camões
JOSÉ BONIFÁCIO
“Poesias” (18...)
Um que de brando e um não sei que de altivo
No rubro lábio
crespo de carmim;
Um que de fina mofa... e assim... assim...
Nos olhos seus um não sei que de vivo;
Um que e um não sei que em traço esquivo
Na móbil graça que
diz não e sim;
Um que dentre o coral, rindo o marfim,
De um não sei que de voz ou som festivo;
Um que de leve
aragem no sorriso,
De leve borboleta
um não sei que
No aéreo passo que
sutil diviso
Traquinando,
menina, escuta e crê:
De todos estes — quês — do paraíso,
Se não há para que dize porque.
★★★
Ao Marquês
de Pombal
BASÍLIO DA GAMA
(Século XVIII)
Não temas, não,
marquês, que o povo injusto
De teus grandes
serviços esquecido,
Pelos gritos da
inveja enfurecido
Solicite abolir
teu nobre busto.
Para ser imortal
teu nome augusto
Não depende do
bronze derretido;
Em mais firmes
padrões fica insculpido
Teu nome excelso,
teu valor robusto.
Lisboa restaurada,
o Reino ornado
De ciência, de
indústria e de cultura,
De política e
comércio apropriado:
A tropa regulada,
a fé segura,
O tesouro provido,
o mar guardado:
Eis aqui do teu
gênio a cópia pura.
★★★
A Luís Delfino
ARTUR AZEVEDO
Há no teu livro
longas cavalgadas
De versos,
cavaleiros arrogantes,
Nervosos, prontos
a levar os guantes
Às valorosas,
ínclitas espadas;
Imagens as mais
belas, reclinadas
No dorso de
pesados elefantes,
Tendo nos lábios
beijos sussurrantes
E nos olhos a luz
das madrugadas;
Tropos, também
montados em ginetes,
Fazendo mil
fantásticos corcovos,
Brandindo no ar os
nítidos floretes;
E finalmente
multidões e povos
De Adjetivos, os
rúbidos valetes,
Ledos, alegres,
elegantes, novos.
★★★
À memória de Fernando Pessoa
ANTÔNIO BOTTO
Se eu pudesse
fazer com que viesses
Todos os dias,
como antigamente,
Falar-me nessa
lúcida visão
- Estranha,
sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse
contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande
e genial artista,
O que tem sido a
vida - esta boemia
Coberta de
farrapos e de estrelas
Tristíssima,
pedante, e contrafeita,
Desde que estes
meus olhos numa névoa
De lágrimas te
viram num caixão;
Se eu pudesse,
Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à
mesma:
Tu, lá onde
Os astros e as
divinas madrugadas
Noivam na luz
eterna de um sorriso;
E eu, por aqui,
vadio da descrença
Tirando o meu
chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai
indo como dantes;
O mesmo
arremelgado idiotismo
Nuns senhores que
tu já conhecias
- Autênticos
patifes bem falantes...
E a mesma intriga;
as horas, os minutos,
As noites sempre
iguais, os mesmos dias,
Tudo igual!
Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do
mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em
tudo a mesma posição
De condenados,
hirtos, a viver
- Sem estímulo,
sem fé, sem convicção...
Poetas,
escutai-me: transformemos
A nossa natural
angústia de pensar
- Num cântico de
sonho! e junto dele,
Do camarada raro
que lembramos,
Fiquemos uns
momentos a cantar!
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