Victor Hugo
TOBIAS BARRETO
“Dias e Noites” (1893)
Mostras na fonte os estragos
Dos raios que a sorte tem;
Na falange dos teus Magos
Tu és um mago também.
Joelhas, quebro da ideia,
Ante a luz que bruxuleia
Dos futuros através!
Por grande, os teus te renegam;
Cem anátemas fumegam
Sufocados a seus pés...
O estilo d'ouro que empunhas,
Foi o Senhor quem to deu.
Leva a águia a presa nas unhas,
Ninguém lhe diz: isto é meu!
Estrelas, mundos, ideias,
Bíblias, monstros, epopeias,
Tudo que empolga é teu...
Cabeça que pesa um astro
Na mente de Zoroastro,
Na mão de Ptolomeu!
★★★
À morte de Junqueira
Freire
LAURINDO RABELO
"Poesias" (1946)
Do retiro claustral cisne sagrado
O voo desprendeu!
Enchendo os ares pátrios de harmonias
Cantou, depois morreu!
Mistério! — Ave criada entre os altares,
Acaso a turba impura
Do mundo com seu bafo envenenado
Abriu-te a sepultura?!
Punindo-te o desprezo de seus lares
O Anjo de Sião
Por ordem do Senhor tão presto deu-te
A morte, em punição?!
Preso o espírito, acaso, nas cadeias
Do voto eterno e forte
Teve, na luta acerba espedaçando-as,
Por liberdade a morte?!
Mistério! — Respeitemos nesta campa
Decretos divinais!
Sobre as cinzas do morto ao vivo toca
O pranto e nada mais!
Rei que fora! — Era um servo que devia
A vida ao Senhor seu!
Seu Senhor o chamou, a voz ouviu-lhe
E pronto obedeceu!
Duvidais do que digo? — Erguei a campa...
Esse corpo o que é?!
E negareis ainda que era um servo?!
Aí tendes a libré!
Viveu como poeta, de poeta
Deixou o canto e a fama.
Inda no crânio morto tem — bem vedes —
Do louro verde a rama!
Leste-lhe a poesia? Eram arquejos
D’um coração aflito!
De uma alma que ensaiava na matéria
Os voos do infinito!
Voou!... Cisne de luz, adeja livre
Mau grado a humanidade!
Os hinos dos arcanjos são seus hinos
Seu mundo — a eternidade!
★★★
A José do
Patrocínio
GUIMARÃES PASSOS
Se altivo - ouvirás contra ti mil rumores;
Humilde - qualquer um julgar-te-á seu vassalo;
Rico - servos terás como Sardanapalo;
Pobre - ai! de ti! ver-te-ás cercado de credores.
Se franco - eis a teu lado os vis caluniadores;
Ladino - ao teu encalço eis a lei, a cavalo;
Ama - serás tu só que sofrerás abalo;
Se amado - outro és e não terás amores.
Se só - tu maldirás a tua soledade;
Unido - chorarás a antiga liberdade...
Para seres, enfim, sem sofrer, que te ocorre?
Se alguém, sejas nada, inteligente ou rudo;
Se dos que nada têm; se dos que gozam tudo,
Para teres razão, só tens um meio: morre!
★★★
A Dona Maria de Vilhena
quando se meteu freira
DIOGO BERNARDES
"Várias
rimas ao bom Jesus
]e à Virgem
gloriosa sua mãe e a santos particulares" (1770)
Alma merecedora de mil palmas,
de mil louvores digna, de mil cantos,
um doce amor das bem nascidas almas;
alma que só pudeste romper quantos
laços cá nos detém em prisão dura,
alegria do céu, prazer dos santos;
alma bela, alma branda, casta e pura,
toda cheia de amor, toda amorosa,
vestida doutra nova fermosura;
ah, que direi de ti, alma ditosa,
no mundo exemplo raro de beleza,
agora fora dele mais fermosa?
Ornada de um saber, de ūa grandeza
que soube desprezar em tenra idade
o que no mundo mais se busca e preza,
moveu-te por ventura essa vontade
a vontade do pai, ou te moveu
a força da cruel necessidade?
Quem não verá ser isso amor do céu,
amor daquele Deus crucificado
que para esposa sua te escolheu?
Ah soberano amor bem empregado
em quem o seu amor por amor puro
antes de o mundo ser te tinha dado!
Deixaste, alma fermosa, o vale escuro,
de lágrimas e dores sempre cheio,
tomaste em bravo mar porto seguro,
um direito caminho, um certo meio
para subir à pátria soberana,
onde sem dor se vive e sem receio.
Das aparências vãs da glória humana
a cega vaidade descobriste
que nos leva após si, que nos engana.
C’os olhos da razão dela fugiste,
e doutras coisas mais com que parece
que pode haver prazer na vida triste.
Para ti outro céu já resplandece,
outro sol, outra lua, outras estrelas,
outras flores a terra te oferece.
Doutras com nova mão novas capelas
de mais suave cheiro dás agora
a teu suave amor, criador delas.
Nessa quietação onde Deus mora,
a ele só te dá, pois te chamou,
a ele canta só, por ele chora.
Com outra do teu nome, que lavou
com lágrimas os pés de seu Senhor
e com suas tranças de ouro os alimpou;
com outra a quem da vida o Redentor,
porquanto muito amou, perdoou muito,
que nada nega Deus a muito amor;
com outra que colheu divino fruito,
tão de verdade triste e arrependida
que nunca teve mais o rosto enxuto;
com outra que, na lapa recolhida,
na solidão da serra cavernosa
em amores do céu gastou a vida;
com outra que lá nele gloriosa,
da visão de seu Mestre não se parte,
de quem na terra foi tão saudosa;
com esta tal Maria a melhor parte
por Cristo com raro exemplo escolheste,
que seu amor não saberá negar-te,
pois tu, alma ditosa, o teu lhe deste.
★★★
Morreu Bocage,
sepultou-se em Goa
CURVO SEMEDO
(Século XVIII)
Morreu Bocage, sepultou-se em Goa!
Chorai, moças venais, chorai, pedantes,
O insulso estragador dos consoantes.
Que tantos tempos aturdiu Lisboa!
Por aventuras mil obteve a c′roa
Que a fronte cinge dos heróis andantes;
Inda veio de climas tão distantes
Á toa vegetar, versar á toa:
Este que vês, com olhos macerados,
Não é Bocage, não, rei dos brejeiros.
São apenas seus olhos descarnados:
Fugiu do cemitério aos companheiros;
Anda agora purgando seus pecados
Glosando aos cagaçais pelos outeiros.
Glosando aos cagaçais pelos outeiros.
★★★
A atriz Eugênia
Câmara
No dia seguinte
ao de uma vaia sofrida no Teatro Santa Isabel, no Recife.
CASTRO ALVES
Hoje estamos unidos a adorar-te
Tu és a nossa glória, a nossa fé,
Gravitar para ti é levantar-se,
Cair-te às plantas é ficar de pé!...
Ontem a infâmia te cobria de lama
Mas pra insultar-te se cobriu de pó!...
Miseráveis que ferem a fraqueza
De uma pobre mulher inerme, só!
Tu és tão grande como é grande o gênio
És tão brilhante como a própria luz,
Dentre os infames do calvário d'arte,
Tu foste o Cristo, foi o palco a cruz!...
Mas estamos unidos a adorar-te!
Tu és a nossa glória, a nossa fé!
Gravitar para ti é levantar-se,
Cair-te às plantas é ficar de pé!
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