Carta às estrelas
ANTÔNIO GOMES LEAL
Ninguém soletra
mais vossos mistérios
Grandes letras da
Noite! sem cessar...
Ó tecidos de luz!
rios etéreos,
Olhos azuis que
amoleceis o Mar!...
O que fazeis
dispersas pelo ar?!...
E há que tempos há
já, fogos sidéreos,
Que ides assim
como uns brandões funéreos
Que levais o Deus
Padre a sepultar?!
Há que tempos,
dizei! - Há muitos anos?...
E, com tudo,
astros santos, desumanos,
A vossa luz é
sempre clara e igual!
Há muito, que sois
bons, castos, brilhantes!...
— Mas, também... ó
cruéis! sempre distantes...
Como dos nossos
braços o Ideal!
★★★
As estrelas
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
Desenrola-se a
sombra no regaço
Da morna tarde, no
esmaiado anil;
Dorme, no ofego do
calor febril,
A natureza, mole
de cansaço.
Vagarosas
estrelas! passo a passo,
O aprisco
desertando, às mil e às mil,
Vindes do ignoto
seio do redil
Num compacto
rebanho, e encheis o espaço...
E, enquanto,
lentas, sobre a paz terrena,
Vos tresmalhais
tremulamente a flux,
— Uma divina
música serena
Desce rolando pela
vossa luz:
Cuida-se ouvir,
ovelhas de ouro! a avena
Do invisível
pastor que vos conduz...
★★★
Estrelas... desilusões
LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)
Quando morre uma
ilusão
do grande Sonho da
vida,
eu, com
desesperação,
fico vencida,
vencida,
quando morre uma
ilusão.
Olho o céu... e
Deus então
porque sempre eu.
possa vê-la,
vive-a em luz
reproduzida,
nos raios de
alguma estrela.
E esse ardil da
grã Bondade
não me deixa
blasfemar...
Morre um sonho?...
Uma saudade
o pode ressuscitar:
— basta o ardil da
grã Bondade!
Como me doe a
verdade
que dizem da Noite
os véus:
— da minha
felicidade
fiz todo o brilho
dos céus...
Cansei meus olhos
de chorar; cansei
o gesto, a voz, na
suplica fremente;
e ao gesto c à voz
chamaram-me imprudente
e de falsos os
prantos que chorei.
Foram em vão os
sonhos que afaguei,
sonhos de amor, de
glória refulgente.
pois, sonhando, eu
causava a toda a gente
a impressão de um
alguém fora da lei...
Hoje, não sinto a
dor dos mais; não sinto
nem ódio, nem
amor: vivo do instinto,
inconsciente
matéria... fumo... pó...
Sou qual palmeira
em meio do deserto,
sem frutos, sem
dar sombra aos que vêm perto,
no orgulho e na
tristeza de ser só...
★★★
A Estrela
BRASÍLIO MACHADO
“Madressilvas” (1876)
I
Tu és a vela
dourada
do azul abismo dos
céus,
ilha que vais
embalada
ao sopro da asa de
Deus.
Quando a tarde
morre, e o monte
naufraga em
sombrio mar,
e as aves dobrão a
fronte
no oculto ninho a
sonhar;
sacodes do céu
distante
com tuas asas de
luz
uma chuva
cintilante
sobre os paramos
azuis.
E corta a quilha
encantada
do infinito os
largos véus,
ilha que vais
embalada
ao sopro da asa de
Deus.
II
No vasto lençol da
vaga
peregrina a luz
que cai
se estende de
plaga em plaga:
é teu arauto que
vai,
que vai erguer as
ondinas,
à noite, para
apanhar
na onda as flores
divinas
que derramas sobre
o mar.
E caem centelhas
mimosas
do astro que
desabrochou,
como um punhado de
rosas
que o vento ao
lago atirou.
E brinca a luz
desfolhada
que sacodes de
teus véus,
ilha que vais
embalada
ao sopro da asa de
Deus.
III
Mas, donde vens?
qual teu norte?
que sina cumpres
além?
não te alcança a
mão da morte?
o Eterno não te
detém?
Que importa? sigo
teu passo,
peregrina da
amplidão,
tu és o sonho do
espaço,
do infinito o
coração.
Deixa-me, pois,
nas caladas
da noite, os olhos
erguer
para as regiões
azuladas
em que te vejo
tremer.
E envolve esta
alma apagada
num longo brilho
dos teus,
ilha que vais
embalada
ao sopro da asa de
Deus!
★★★
As estrelas
CRUZ E SOUZA
“Faróis” (1900)
Lá, nas celestes
regiões distantes,
No fundo
melancólico da Esfera,
Nos caminhos da
eterna Primavera
Do amor, eis as
estrelas palpitantes.
Quantos mistérios
andarão errantes,
Quantas almas em
busca da Quimera,
Lá, das estrelas
nessa paz austera
Soluçarão, nos
altos céus radiantes.
Finas flores de
pérolas e prata,
Das estrelas
serenas se desata
Toda a caudal das
ilusões insanas.
Quem sabe, pelos
tempos esquecidos,
Se as estrelas não
são os ais perdidos
Das primitivas
legiões humanas?!
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