7/06/2018

Temas Poéticos: ESTRELA - I


Carta às estrelas

ANTÔNIO GOMES LEAL

Ninguém soletra mais vossos mistérios
Grandes letras da Noite! sem cessar...
Ó tecidos de luz! rios etéreos,
Olhos azuis que amoleceis o Mar!...

O que fazeis dispersas pelo ar?!...
E há que tempos há já, fogos sidéreos,
Que ides assim como uns brandões funéreos
Que levais o Deus Padre a sepultar?!

Há que tempos, dizei! - Há muitos anos?...
E, com tudo, astros santos, desumanos,
A vossa luz é sempre clara e igual!

Há muito, que sois bons, castos, brilhantes!...
— Mas, também... ó cruéis! sempre distantes...
Como dos nossos braços o Ideal!

★★★

As estrelas

OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)

Desenrola-se a sombra no regaço
Da morna tarde, no esmaiado anil;
Dorme, no ofego do calor febril,
A natureza, mole de cansaço.

Vagarosas estrelas! passo a passo,
O aprisco desertando, às mil e às mil,
Vindes do ignoto seio do redil
Num compacto rebanho, e encheis o espaço...

E, enquanto, lentas, sobre a paz terrena,
Vos tresmalhais tremulamente a flux,
— Uma divina música serena

Desce rolando pela vossa luz:
Cuida-se ouvir, ovelhas de ouro! a avena
Do invisível pastor que vos conduz...

★★★

Estrelas... desilusões

LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)

Quando morre uma ilusão
do grande Sonho da vida,
eu, com desesperação,
fico vencida, vencida,
quando morre uma ilusão.
Olho o céu... e Deus então
porque sempre eu. possa vê-la,
vive-a em luz reproduzida,
nos raios de alguma estrela.

E esse ardil da grã Bondade
não me deixa blasfemar...
Morre um sonho?... Uma saudade
o pode ressuscitar:
— basta o ardil da grã Bondade!

Como me doe a verdade
que dizem da Noite os véus:
— da minha felicidade
fiz todo o brilho dos céus...

Cansei meus olhos de chorar; cansei
o gesto, a voz, na suplica fremente;
e ao gesto c à voz chamaram-me imprudente
e de falsos os prantos que chorei.

Foram em vão os sonhos que afaguei,
sonhos de amor, de glória refulgente.
pois, sonhando, eu causava a toda a gente
a impressão de um alguém fora da lei...

Hoje, não sinto a dor dos mais; não sinto
nem ódio, nem amor: vivo do instinto,
inconsciente matéria... fumo... pó...

Sou qual palmeira em meio do deserto,
sem frutos, sem dar sombra aos que vêm perto,
no orgulho e na tristeza de ser só...

★★★

A Estrela

BRASÍLIO MACHADO
“Madressilvas” (1876)

I
Tu és a vela dourada
do azul abismo dos céus,
ilha que vais embalada
ao sopro da asa de Deus.

Quando a tarde morre, e o monte
naufraga em sombrio mar,
e as aves dobrão a fronte
no oculto ninho a sonhar;

sacodes do céu distante
com tuas asas de luz
uma chuva cintilante
sobre os paramos azuis.

E corta a quilha encantada
do infinito os largos véus,
ilha que vais embalada
ao sopro da asa de Deus.

II
No vasto lençol da vaga
peregrina a luz que cai
se estende de plaga em plaga:
é teu arauto que vai,

que vai erguer as ondinas,
à noite, para apanhar
na onda as flores divinas
que derramas sobre o mar.

E caem centelhas mimosas
do astro que desabrochou,
como um punhado de rosas
que o vento ao lago atirou.

E brinca a luz desfolhada
que sacodes de teus véus,
ilha que vais embalada
ao sopro da asa de Deus.

III
Mas, donde vens? qual teu norte?
que sina cumpres além?
não te alcança a mão da morte?
o Eterno não te detém?

Que importa? sigo teu passo,
peregrina da amplidão,
tu és o sonho do espaço,
do infinito o coração.

Deixa-me, pois, nas caladas
da noite, os olhos erguer
para as regiões azuladas
em que te vejo tremer.

E envolve esta alma apagada
num longo brilho dos teus,
ilha que vais embalada
ao sopro da asa de Deus!

★★★

As estrelas

CRUZ E SOUZA
“Faróis” (1900)

Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancólico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas não são os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!

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