Felicidade tardia
(A um órfão)
DARIO GALVÃO
"Ecos e Sombras" (1911)
Toca o seu termo a
nesta romaria,
Longa demais
quando se a faz sozinho;
E, só, me pôs no
berço o fado azinho,
Pois minha mãe
custou-me a luz do dia!
Nem um amigo achei
pelo caminho,
Seguindo a mesma
estrada que eu seguia;
Só mitigava a sede
de carinho
Na miragem falaz
da fantasia!
Hoje, ao partir
para o almejado porto,
Vem doce lágrima,
chorando o morto,
Fazer brotar enfim
uma saudade!
E de toda uma vida
um só minuto,
Eu sinto que por
toda a eternidade
Deixará na
minh'alma eterno luto!
★★★
Convite para a felicidade
ANTÔNIO FELICIANO
CASTILHO
Ditoso, Júlia,
ditoso,
quem livre de
inquietação
come os frutos que
semeia,
e dorme no seu
torrão;
que desconhece das
cortes
intriga, esperança
e receios,
que julga
acabar-se o mundo,
onde acabam seus
passeios.
Penúria e riqueza
ignora,
dois escolhos da
virtude,
e tira do seu
trabalho
bens, prazer,
vigor, saúde.
De iguais rodeado
vive,
e só tem por
superior
seu Criador no
outro mundo,
na paróquia o seu
pastor.
As aras jamais
incensa
de Astreia,
Minerva ou Marte,
mas Baco e Pomona
e Ceres
lhe riem de toda a
parte.
Mais apertado não
vive
na avita cabana
herdada,
que o rico em
salões de estuque,
de alta, soberba
fachada.
Em vez de jardins
estéreis,
faz consistir seu
prazer
em lhe à porta
verdejarem
as couves que fez
nascer.
Dorme em colmo um
sono inteiro,
enquanto, em
doirado leito,
o nobre se volve,
e geme,
de aflição ralado
o peito.
Ao lado lhe dorme
a esposa,
fiel, inocente e
bela;
o filhinho, imagem
sua,
dorme em paz ao
seio dela.
Se ela lhe diz: –
eu te adoro,
eu te amarei toda
a vida! –
de ser verdade o
que escuta
nem um momento
duvida.
Sabe que a fé, que
a virtude,
virtude pura,
ilibada,
dons mais belos
que a beleza,
são numes da sua
amada.
Ela não vive no
meio
da corrupta
mocidade,
que adorna,
envenena, empesta,
das cortes a
sociedade.
Não quer brilhar
nos passeios,
nem de mil
adoradores
vai disputar nos
teatros
os suspiros e os
louvores.
Passa a noite ao
pé do esposo,
entre os filhos
passa o dia,
o trabalho a ocupa
sempre:
ser infiel
poderia?
Da sua família é
toda,
nela concentra a
afeição,
que as damas à
intriga, às festas,
ao jogo, aos
enfeites dão.
Quer-se ornar nos
santos dias?
Não se assenta ao
toucador
em vez de joias
brilhantes
procura singela
flor.
Para arranjar seus
cabelos,
nem corre ao
cristal da fonte;
não carece de
outro espelho,
tem seu consorte
defronte.
Ele lhe ensina a
maneira
por que lhe ficam
melhor;
ele lhe diz em que
sítio,
e como lhe ajusta
a flor.
Se lhe agrada,
está contente;
e vai de inocência
cheia
entrar com ele nas
festas,
nas festas simples
da aldeia.
Ah, Júlia! Que
sorte a de ambos!
Sem longas
filosofias,
sabem melhor do
que os sábios
desfrutar serenos
dias.
Os princípios, os
sistemas,
sonhos de estéril
vaidade,
jamais tornaram
ditosa
a mesquinha
humanidade.
Se existe o bem
sobre a terra,
se queres, Júlia,
este bem,
uma aldeia... uma
cabana...
ternura...
inocência... Ah, vem!
★★★
Felicidade
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)
Que mais desejo,
tendo-vos comigo,
áureos cabelos,
olhos de safira?
De vosso influxo
ao precioso abrigo
floresce o Bem, o
mal é uma mentira.
A própria noite, a
mãe dos pesadelos,
é para mim um
matinal disfarce,
quando, fitando-te
entre sonhos belos,
vejo a vida em
deslumbres desatar-se.
Ah! quando de ti
junto e comovido,
sinto pulsar teu
coração, e o escuto,
como um suave
pêndulo movido
no relógio do amor
casto, impoluto,
minha alma aspira
o oxigenado clima
de um país ideal
feito de auroras,
onde o porvir
tranquilo se aproxima
ao sonoro tintinar
das horas...
★★★
A felicidade do amor
DOMINGOS JOSÉ
GONÇALVES DE MAGALHÃES
"Urânia" (1862)
Mil vezes feliz
quem ama!
Ah! só quem ama é
que sente
Como é suave e
inocente
Este afeto
encantador.
Meu coração sempre
triste,
Que insensível
parecia,
Como agora se
extasia
Só com um sorriso
de Amor!
Um só sorriso
inefável.
Como o destino tão
forte,
Mudou logo a minha
sorte,
E o meu ser, que
outro sou eu.
Por amá-la sou
ditoso!
E o que fora sendo
amado?
Eu ficara
endeusado,
Adorando o rosto
seu.
Mas que digo? o
que me falta?
E sem par minha
ventura!
Sua alma inocente
e pura
A minha alma se
entregou.
Porém ela manda,
impera
Na minha alma, e
no meu peito;
Que com prazer me
sujeito
A quem tanto me
outorgou.
Oh meu Deus! minha
ventura
Excede a quanto eu
sonhava,
Quando às vezes me
entregava
A doce ideia de
amar!
Nas trevas em que
eu vivia
Luz serena
resplandece;
Agora só me parece
Que nasci para
gozar.
E tal a minha
alegria,
Tal a chama que em
mim lavra,
Que até me falta a
palavra
Para exprimir a
paixão.
Tento cantar suas
graças,
E só gemo, e só
suspiro,
E em cada som que
desfiro
Quer fugir-me o
coração.
Quer fugir-me
sempre inquieto,
Sempre de amor
abrasado,
Quer só estar a
seu lado,
Que a ausência é
tormento atroz.
Só junto à Urânia
se expande,
Só a seus olhos
respira,
E temo bate, e
suspira,
Quando lhe ouve a
doce voz.
Todo este amor que
me abrasa,
Todo este amor tão
constante,
Não me parece
bastante
Para o dela
merecer.
Amá-la inda mais
quisera
Com um amor
inconcebível!
Mas, oh Deus! não
é possível;
Mais amor não pôde
haver.
★★★
Feliz
AUTA DE SOUZA
“Poesias”
Dizes-me que a
ventura te foi dada
E contente tu’alma
jamais chora:
Vives sorrindo à
luz de uma alvorada
E a noite para ti
é cor da aurora...
Não creio nessa
dita, me perdoa.
Ninguém na terra
pode ser feliz.
Até o sino que na
torre soa
Tem sua dor, nem
sempre ele bem-diz.
Longe...
distante... Pelo azul chalreando,
A modular uns
hinos tão suaves,
Pássaros meigos lá
se vão cantando...
Mas tu crês na
ventura dessas aves?
Repara bem naquela
que ficou
Pousada lá no cimo
da aroeira:
Ela chora,
coitada, pois deixou
Muito longe
perdida a companheira.
Aves da terra, em
tímidos adejos,
Também alegres
como as rolas mansas,
Rostos corados,
recendendo beijos,
Correm cantando
grupos de crianças.
E enquanto passa,
em revoada louca,
Este dourado
batalhão de arcanjos,
Eu quero ouvir-te
da risonha boca
Se é eterna a
ventura desses anjos.
A moça também
sofre... Um áureo cofre
Guarda-lhe os
prantos e o martírio duro,
E, de todas,
aquela que mais sofre
É a que tem o coração
mais puro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...