Esperança
AFONSO CELSO JÚNIOR
"Prelúdios" (1876)
Esperança é luzir
de madrugada,
O bafejo da brisa
embalsamada
Pelas pétalas da
flor inda em botão.
O sorriso que tem
a virgem pura
Depois que as
preces da manhã murmura
E se eleva nas
asas da oração.
O olhar que a mãe
deita ao seu filhinho.
A inocente criança
— o louro anjinho,
Que há bem pouco
lhe acaba de nascer,
A visão de meus
sonhos de poeta
Quando minha alma
de incerteza inquieta
Pensa o cismo nas
lutas do viver!
A terna e meiga
irmã da Caridade
Que ao nauta dá
vigor na tempestade
Quando em ondas
revoltas brame o mar,
Que sempre nos
soluços da desgraça,
Quando bebemos do
amargor na taça
Vera as dores que
temos mitigar!
Tu que habitas no
céu entre esplendores
Mas que vens dos
mortais sanar as dores.
Lhes falando no
nome de teu Deus
Escuta os votos de
minh'alma crente
Que a ti venera
com amor ardente
E lhe concede
estes pedidos seus:
Oh! nunca me
abandones um momento,
Nas dores, no
sofrer, no desalento
Me mostra bela
estrela o teu fulgor,
Da existência nas
lutas incessantes,
Da fortuna nos
giros inconstantes
Lindo arcanjo do
céu — dá-me valor!
★★★
Esperança
BERNARDO GUIMARÃES
"Cantos da Solidão" (1852)
Espère, enfant! — demain! — et puis demain encore;
Et puis, toujours demain!
VICTOR HUGO
Singrando vai por
mares não sulcados
Aventureiro nauta,
que demanda
Ignotas regiões,
sonhados mundos;
Ei-lo que audaz se
entranha
Na solidão dos
mares — a esperança
Em lisonjeiros
sonhos já lhe pinta
Rica e formosa a
terra suspirada,
E corre, corre o
nauta
Avante pelo páramo
das ondas;
Além um ponto
surde no horizonte
Confuso — é terra!
— e o coração lhe pula
De insólito
prazer.
Terra! — terra! —
bradou — e era uma nuvem!
E corre, corre o
nauta
Avante pelo páramo
das ondas;
No profundo
horizonte os olhos ávidos
Ansioso embebe; —
ai! que só divisa
Ermos céus, ermas
ondas.
O desalento já lhe
coa n'alma;
Oh! não; eis nos
confins lá do oceano
Um monte se
desenha;
Não é mais ilusão
— já mais distinto
Surge acima das
ondas — oh! é terra!
Terra! — terra! —
bradou; era um rochedo,
Onde as ondas
batendo eternamente
Rugindo se
espedaçam.
Eis do nosso
passar por sobre a terra
Em breve quadro
uma fiel pintura;
É a vida oceano de
desejos
Intérmino, sem
praias,
Onde a esmo e sem
bússola boiamos
Sempre, sempre com
os olhos enlevados
Na luz desse fanal
misterioso,
Que alma esperança
mostra-nos sorrindo
Nas sombras do
porvir.
E corre, e corre a
existência,
E cada dia que cai
Nos abismos do
passado
É um sonho que se
esvai,
Um almejo de
noss'alma,
Anelo de
felicidade
Que em suas mãos
espedaça
A cruel realidade;
Mais um riso que
nos lábios
Para sempre vai
murchar,
Mais uma lágrima
ardente
Que as faces nos
vem sulcar;
Um reflexo de
esperança
No seio d'alma
apagado,
Uma fibra que se
rompe
No coração
ulcerado.
Pouco e pouco as
ilusões
Do seio nos vão
fugindo,
Como folhas
ressequidas,
Que vão d'árvore
caindo;
E nua fica nossa
alma
Onde a esp'rança
se extinguiu,
Como tronco sem
folhagem
Que o frio inverno
despiu.
Mas como o tronco
remoça
E torna ao que
dantes era,
Vestindo folhagem
nova
C’o volver da
primavera,
Assim na mente nos
pousa
Novo enxame de
ilusões,
De novo o porvir
se arreia
De mil douradas
visões.
A cismar com o
futuro
A alma de sonhar
não cansa,
E de sonhos se
alimenta,
Bafejada da
esperança.
Esperança, que és
tu? Ah! que minha harpa
Já não tem para ti
sons lisonjeiros;
Sim — nestas
cordas já por ti malditas
Acaso tu não ouves
As queixas
abafadas que sussurram,
E em voz funérea
soluçando vibram
Um cântico de
anátema?
Chamem-te embora
bálsamo do aflito,
Anjo do céu que
nos alenta os passos
Nas sendas da
existência;
Nunca mais
poderás, fada enganosa,
Com teu canto
embalar-me, eu já não creio
Nas tuas vãs
promessas;
Não creio mais
nessas visões donosas
Fantásticos
painéis, com que sorrindo
Matizas o futuro!
Estéreis flores,
que um momento brilham
E caem murchas sem
deixarem fruto
No tronco
desornado.
— Vem após mim —
ao desditoso dizes;
Não esmoreças,
vem; — é vasto e belo
O campo do futuro;
— lá florescem
As mil delícias
que sonhou tua alma,
Lá te reserva o céu
o doce asilo
A cuja sombra
abrigarás teus dias.
Porém — é cedo —
espera.
E ei-lo que vai
com os olhos enlevados
Nas cores tão
formosas
Com que bordas ao
longe os horizontes...
E fascinado o
mísero não sente
Que mais e mais se
embrenha
Pela sombria noite
do infortúnio.
E se dos lábios
seus queixas exala,
Se o fel do
coração enfim transborda
Em maldições, em
gritos de agonia,
Em teu regaço,
pérfida sereia,
Co'a voz
embaidora, inda o acalentas;
— Não esmoreças,
não; — é cedo; espera;
Lhe dizes tu
sorrindo.
E quando enfim no
coração quebrado
De tanta decepção,
sofrer tão longo,
Nos vem roçar do
desalento o sopro,
Quando enfim no
horizonte tenebroso
A estrela
derradeira em sombras morre,
Esperança, teu
último lampejo,
Qual relâmpago em
noite tormentosa,
Abre clarão
sinistro, e mostra a campa
Nas trevas
alvejando.
★★★
Esperança e saudade
AUGUSTO DE LIMA
“Símbolos” (1892)
Sorte falaz a que
nos guia a vida!
Por que há de ser
tão rápida a ventura,
que só a amamos,
quando é já perdida
ou depende de uma
época futura?
O que o presente
mal nos afigura
era esperança, há
pouco apetecida,
e, uma vez no
passado, eis que perdura
como saudade que
não mais se olvida.
Há sempre queixas
do atual momento
e, entre as datas,
se eleva o pensamento,
como uma ponte de
sombrio aspecto.
Em busca da
ventura que ignoramos,
temos saudade ao
bem que não gozamos,
ilusão de ilusões,
sonho completo!
★★★
A Esperança
PAULA BRITO
"Poesias" (1863)
Uma completa visão
É do desejo a
esperança,
Que, de alcançar o
que aspira,
Alimenta a
confiança.
A esperança é toda
incerta;
A esperança vem do
céu;
Com certeza
ninguém pôde
Dizer — isto há de
ser meu.
Mais ou menos bem
fundada
Pôde a esperança
existir,
Segundo a base em
que às vezes
A fazemos
consistir.
Não vive sempre a
esperança
Dependente do — querer:
A sua realidade
É filha do — pôde
ser.
Aquilo que p'ra
nós hoje
É uma esperança
vã,
É, por um lance do
acaso,
Realidade amanhã.
A esperança pôde
estar
Mais ou menos bem
fundada;
Mas seja em coisa
ou pessoa,
De real nunca tem
nada.
Sendo um desejo
com base
Do gozo na
confiança,
Mil vezes falha o
provérbio:
“ Quem espera
sempre alcança.”
Quem tem mais
força e mais vida,
Mais alma e mais
coração,
De alimentar a
esperança
Vive em melhor
condição.
Raras vezes a
esperança
Vem, se não a vão
buscar:
Quem se esforça,
mais certeza
Tem de, o que
espera, alcançar.
Vós, para quem
isto escrevo,
E cujo merecimento
Me tem obrigado a
provas
De meu mesquinho
talento...
Do vosso saber
depende
Dizer-me com
afoiteza
Se de amor sendo a
esperança,
“Uma esperança é
certeza.”
★★★
A Esperança
DOMINGOS JOSÉ
GONÇALVES DE MAGALHÃES
"Urânia" (1862)
Esperar! — Ah!
muito custa
O esperar de dia
em dia!
E um viver
duvidoso
Entre prazer, e
agonia.
E os dias se vão
passando,
Só não chega o da
esperança;
E quanto mais a
alma espera,
Mais atormenta a
tardança.
Outrora eu nada
esperava,
E vivia
descansado;
Com a minha
melancolia
Já me havia
habituado.
Mas veio amor
acenar-me
Nos teus olhos com
a ventura;
Ora duvido, ora
creio
Nesse bem que ele
me augura.
Assim do mar sobre
as ondas
Jaz o náufrago
boiando;
Uma para a praia o
arroja,
E já outra o vai
levando.
E nos vaivéns
dessas vagas,
Se inda a
esperança o sustenta,
Mais o horror se
redobra
Da luta fera e
cruenta.
De que lhe serve a
esperança,
Se ele às ondas
mal resiste?
Se não há quem o
socorra?
Se a praia tão
longe existe?
Lançai ao náufrago
um lenho,
Por que a
esperança o não mate,
Nesse lutar da
agonia,
Das ondas no duro
embate.
A mim, que como
ele espero,
Dá-me uma voz que
me anime;
Dize ao menos: —
Serei tua.
Assim é que amor
se exprime.
Assim se exprime
quem ama,
Animando o bem
amado,
Que nos vaivéns da
esperança
Vaga continuo
agitado.
Amor te inspire a
palavra
Com que possas
consolar-me.
Se eu sou teu; se
tu és minha,
Por que mais
atormentar-me?
Por que viver
esperando
O bem que me é
prometido?
Há sempre dor na
esperança;
E assaz já tenho
sofrido.
Fala, dize, manda,
ordena,
Que eu farei o que
disseres;
Até a esperar
sofrendo
Morrerei, se tu
quiseres.
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