Crepúsculo
MARIO PEDERNEIRAS
“Outono” (1914)
Eu sempre fui
amigo dos estios,
Dos longos dias
claros e sadios,
Da Cigarra, do Sol
que a vida encerra,
Que alegra a luz e
que fecunda a Terra.
Mas estou hoje num
estado d'Alma,
Tão de indolência
e calma
E tão avesso ás
emoções bizarras,
Que não quero
saber de sol nem de cigarras.
Nada de força, de
vigor, de músculos,
De desejos agudos,
Nem dos desatinos
A que, às vezes,
me atiro,
De alguma estranha
fantasia nova;
Hoje alegrias e
vigores domo
E prefiro
A meia tinta morna
dos Crepúsculos,
Num macio carinho
de veludos,
A plangência católica
dos sinos,
Num fim de tarde,
quando a luz repousa,
Ou então, qualquer
coisa
Como
N'alma de um
violoncelo a surdina da trova.
Olho este fim de
tarde e esta sombra que desce
E em tudo alonga e
tece
A trama tênue de
seu véu de luto...
A alma sentindo
evocativa e boa,
Emocionado, escuto
O saudoso rumor do
dia que se extingue
E o dia azul que
foi, apenas se distingue,
Por um resto de
luz que nas alturas sobra,
Por um sino que
dobra
Ou uma aza que
voa.
Hora triste de
aspectos,
Em que vive a
emoção de umas longas distâncias,
Feita para sentir
as venturas e as ânsias
Da saudade infeliz
de uns extintos afetos.
E esta réstea de
luz, clara, forte, e sadia,
Numa longa
impressão de vigor e de assomo
Suavemente
Esquecida.
Neste trecho de
Céu em silêncio e ensombrado,
Evocando
A ventura do dia,
É como
No agitado rumor
de uma vida presente,
A saudade de um
som evocando o passado,
A cadência de um
verso a lembrar uma vida.
★★★
Crepuscular
CAMILO PESSANHA
Há no ambiente um
murmúrio de queixume,
De desejos de
amor, dais comprimidos...
Uma ternura
esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer
como um perfume.
As madressilvas
murcham nos silvados
E o aroma que
exalam pelo espaço,
Tem delíquios de
gozo e de cansaço,
Nervosos,
femininos, delicados.
Sentem-se
espasmos, agonias d'ave,
Inapreensíveis,
mínimas, serenas...
— Tenho entre as
mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu
olhar suave.
As tuas mãos tão
brancas de anemia...
Os teus olhos tão
meigos de tristeza...
— É este
enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer
do fim do dia.
★★★
Crepúsculo na mata
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
Na tarde tropical,
arfa e pesa a atmosfera.
A vida, na
floresta abafada e sonora,
Úmida exalação de
aromas evapora,
E no sangue, na
seiva e no húmus acelera.
Tudo, entre
sombras, — o ar e o chão, a fauna e a flora,
A erva e o
pássaro, a pedra e o tronco, os ninhos e aera,
A água e o réptil,
a folha e o inseto, a flor e a fera,
— Tudo vozeia e
estala em estos de pletora.
O amor apresta o
gozo e o sacrifício na ara:
Guinchos, berros,
zinir, silvar, ululos de ira,
Ruflos, chilros,
frufrus, balidos de ternura...
Súbito, a
excitação declina, a febre para:
E misteriosamente,
em gemido que expira,
Um surdo beijo
morno alquebra a mata escura...
★★★
Sonata ao Crepúsculo
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
Trompas do sol,
borés do mar, tubas da mata,
Esfalfai-vos,
rugindo, — e emudecei... Apenas,
Agora, trilem no
ar, como em cristal e prata,
Rústicos tamborins
e pastoris avenas.
Trescala o campo,
e incensa o ocaso, numa oblata.
— Surgem da Idade
de Ouro, em paisagens serenas,
Os deuses; Eros
sonha; e, acordando à sonata,
Bailam rindo as
sutis alípedes Camenas.
Depois, na sombra,
à voz das cornamusas graves,
Termina a pastoral
num lento epitalâmio...
Cala-se o vento...
Expira a surdina das aves.
E a terra, noiva,
a ansiar, no desejo que a enleva,
Cora e desmaia, ao
seio aconchegando o flâmeo,
Entre o pudor da
tarde e a tentação da treva.
★★★
Crepuscular
RAUL DE LEONI
Poente no meu
jardim... O olhar profundo
Alongo sobre as
árvores vazias,
Essas em cujo
espírito infecundo
Soluçam
silenciosas agonias.
Assim estéreis,
mansas e sombrias,
Sugerem à emoção
em que as circundo
Todas as dolorosas
utopias
De todos os
filósofos do mundo.
Sugerem... Seus
destinos são vizinhos:
Ambas, não dando
frutos, abrem ninhos
Ao viandante
exânime que as olhe.
Ninhos, onde
vencida de fadiga,
A alma ingênua dos
pássaros se abriga
E a tristeza dos
homens se recolhe...
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