Crepúsculo
MARTINS FONTES
Alada, corta o
espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem.
Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um
langor de mística esperança
E de doçura
triste, inexprimivelmente.
À surdina da luz
irrompe, de repente,
O coro vesperal
das cigarras. E mansa,
E marmórea, no
céu, curvo e claro, balança
Entre nuvens de
opala, a concha do crescente.
Na alma, como na
terra, a noite nasce. É quando,
Da recôndita paz
das horas esquecidas,
Vão, ao luar da
saudade, os sonhos acordando...
E, na torre do
peito, em plácidas batidas,
Melancolicamente,
o coração pulsando,
Plange o réquiem
de amor das ilusões perdidas.
★★★
Crepúsculo sertanejo
AMADEU AMARAL
Cai a noite. Um
rubor fulge atrás da colina,
cuja sombra se
alonga a pouco e pouco, enorme.
A velha árvore,
além, verde nuvem, se inclina
para o chão,
balançando o vulto desconforme.
É uma nota
profunda a vibrar na surdina
das cores e da
luz, no amplo vale que dorme.
No silêncio feral,
que é uma vaga neblina
de sons, passa-lhe
a voz como um borrão informe.
Sob a copa uma
forma em cinza se desmancha.
Um boi cansado
busca a figueira cansada;
muge, e deita-se,
em paz, numa violácea alfombra.
Muge. A fronde e o
animal fazem uma só mancha;
o mugido e o rumor
da fronde, a mesma zoada.
Manchas de som...
Zoadas de cor... Silêncio. Sombra.
★★★
Crepúsculo
(A Nhanhã)
LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)
Desce a noite. Bem
distante
docemente um sino
canta
e toda a selva
quebranta
com seu triste
badalar;
o coração
estremece
no peito triste e
sombrio
a murmurar uma
prece
um salmo de fé,
vazio,
Que pesar!
Que nostalgia sem
nome!
Que doce
melancolia
Acorda, ao cair do
dia
Um sino a gemer
saudade!
Coração, esquece a
mágoa
que te faz tanto
chorar,
quem, com os olhos
rasos d’água
há de essa dor
olvidar?
Quem há de?
E a noite lúgubre
desce...
E a nevoa como um
sudário
a envolver um
relicário
por toda a terra
se estende
O esquecimento não
tarda,
coração, te dar
alento;
da tortura foge à
carda,
foge à dor, e esse
tormento
suspende!
E o sino a chorar
no monte
e o coração geme
ao peito
já de amores
satisfeito
e, mal de mim, tão
vazio!.
Fecham-se as
flores tristonhas .
e o orvalho vem a
cair.
Alma, já que tu
não sonhas
deixa de tanto
carpir...
Que frio!
E a noite desceu
enfim...
As estrelas
reluzentes
trêmulas brilham,
dormentes
na sua ditosa
sorte.
Coração, deixa
esse pranto
deixa essa mágoa
sem nome
Alguém ha que com
seu manto,
da vida os males
consome:
— A morte!
★★★
Crepúsculo
AUTA DE SOUZA
“Poesias”
Há pelo Espaço um
ciciar dolente
De prece, em torno
da Igrejinha em ruína...
.............................
O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce,
plácida e divina.
Ouço gemer meu
coração doente
Chorando a tarde,
a noiva peregrina.
Há pelo Espaço um
ciciar dolente
De prece em torno
da Igrejinha em ruína...
Pássaros voam
compassadamente;
Treme no galho a
rosa purpurina...
E eu sinto que a
tristeza vem suspensa
Sobre as asas da
noite erma e sombria...
E que, nessa hora
de saudade imensa,
Rindo e chorando
desce ao coração:
Toda a doçura da
melancolia,
Todo o conforto da
recordação.
★★★
Crepúsculo
RONALD DE CARVALHO
"Poemas e Sonetos" (1919)
No parque
silencioso as abelhas douradas,
Entre a folhagem
calma, abrem as asas finas;
Sobem leves
canções do fundo das estradas,
E uma indecisa luz
veste, ao longe, as colunas.
Hora serena e
irreal. Por que, quando entardece,
A alma inquieta
tem mais saudade, e tem mais dor?
Por que o passado
assim, na memória, aparece,
E põe no lábio
triste um imenso amargor?...
Enquanto as formas
vão morrendo pelo ambiente
Um perfume subtil
e doce envolve o espaço;
A sombra desce no
ar e, como à flor de um lago,
Entre a noite,
ainda vaga, e o dia, ainda mais vago,
Desabrocham no
céu, distante e transparente,
A lua de cristal,
e os soes de opala de aço...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...