O Coração
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Tenho cá dentro em
mim um pássaro que salta,
Que não repousa,
que não dorme noite e dia:
Quem dentro do meu
peito acaso o prenderia?
Por que não canta
nunca? e o que quer? que lhe falta?
De que estranho
tormento ele vive? o que exalta
Sua existência,
que não me deixa, e porfia?
As asas, que ele
estende em mim, estenderia
Ao mais profundo
mar, à montanha mais alta.
Se o cárcere
rompesse, em que abismo medonho
De rojo cairia, o
céu todo inda estando
Muito aquém da
ambição que o devora: suponho...
Nesse vórtice
louco acabas, miserando...
Ó coração, tu és
um hóspede enfadonho;
Quando, abutre,
hás de em mim não mais fartar-te? Quando?
★★★
O Coração
CRUZ E SOUZA
“Últimos Sonetos” (1905)
O coração é a
sagrada pira
Onde o mistério do
sentir flameja.
A vida da emoção
ele a deseja
como a harmonia as
cordas de uma lira.
Um anjo meigo e
cândido suspira
No coração e o
purifica e beija...
E o que ele, o
coração, aspira, almeja
É o sonho que de
lágrimas delira.
É sempre sonho e
também é piedade,
Doçura, compaixão
e suavidade
E graça e bem,
misericórdia pura.
Uma harmonia que
dos anjos desce,
Que como estrela e
flor e som floresce
Maravilhando toda
criatura!
★★★
Coração
(Ao Alexandre Mendes)
ATAÍDE MARCONDES
"Amarantos: versos" (19..)
Que tens tu,
coração que te feneces
Tu, que outrora
viveste alegremente?
Que dor cruel,
terrível e pungente
Dilacera-te tanto?
— que padeces?
Porque horas e
horas te entristeces
E palpitas e
choras descontente?
— Não chores,
coração, vive contente
Pois de amores e
vida inda careces.
Ia não vive a
mulher que idolatravas
Por quem de amor,
sonhando, palpitavas,
Vê pois, ó
penitente, o que preferes:
— Amas um túmulo,
sonhas um altar!
Podes morrer e
podes inda amar!
Diz-me tu,
coração: — que mais tu queres?...
★★★
Ao Coração
NORBERTO DE SOUSA
SILVA
"O livro dos meus amores" (1849)
Amor l'inspiri
In guisa, che sospiri
Si dolcemente, che mercé m'impetre.
F. Petrarca.
— E dize então maviosamente:
“ — Raro e leal foi o amor seu,
Meu foi, meu todo inteiramente,
E se inda existe ainda é meu”.
J. A. da Cunha.
Eu coração
desgraçado,
É baldio o
suspirar,
A ingrata se ama
mostra
Não saber o que é
amar!
Palpitas, porém
debalde,
Abrasa-te, mas em
vão;
Não mais te resta
a esperança,
Resta só
resignação.
Vê-la é ainda mais
querê-la,
Amá-la, e sua
isenção?
Adorá-la, é ser
injusto
Dar cultos a
ingratidão.
A ingrata tudo
despreza;
Sem amor para teu
amor,
Não tem um ai em
seu peito,
Que corresponda a
tua dor.
E entretanto
suspiras,
Que é baldado o
suspirar,
A ingrata se ama,
mostra
Não saber o que é
amar!
Vai-te pois, ó
desditoso,
Cansado já de
gemer,
Frio, gelado de
morte,
Sob a lousa te
esconder.
Mas inda a fé do
que foste
Te hão de ver
palpitar;
Inda em torno do
sepulcro
Te hão de ouvir
suspirar.
Então talvez que
sensível
Um ai solte ela
também,
Chore o mal a que
deu causa,
Deplore o passado
bem.
Possa esse pranto
vertido
Repassar-te, ó
coração,
Para que então
conheças
Que amaste, mas
não em vão!
★★★
Vácuo no Coração
NORBERTO DE SOUSA
SILVA
"O livro dos meus amores" (1849)
Il laisse un vide affreux...
Et Ia place qu'il occupait
Ne peut étre jamais remplie.
Parny.
Aymons donc, aymons donc; de Pheure fugitive
Hâtons-nous, jouissons!
L’homme n'a point de port, le temps n'a point de rive,
Il coule et nous passons!
A. de Lamartine
Minha Armia
querida,
Goza do tempo de
amor,
Que depois só
resta a vida
Para o pesar, para
a dor.
Um vácuo existe
profundo
Em teu meigo
coração,
— Inocente,
pudibundo,
Qual a rosa inda
em botão.
A tua infância é
passada,
Grato tempo
encantador!
Chega a mocidade
amada,
Grato tempo sedutor!
E o vácuo que ora
existe
Em teu puro
coração
Verás cheio, — alegre
ou triste
Que eis aí de amor
a estação!
Mas, passada a
mocidade,
O vácuo aparecerá;
Como na primeira
idade
Amor não existirá.
E pois, Armia
querida,
Goza do tempo de
amor,
Que depois só
resta a vida
Para o pesar, para
a dor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...