A Canção de romeu
OLAVO BILAC
"Sarças de fogo" (1888)
Abre a janela...
acorda!
Que eu, só por te
acordar,
Vou pulsando a
guitarra, corda a corda,
Ao luar!
As estrelas
surgiram
Todas: e o limpo
véu,
Como lírios
alvíssimos, cobriram
Do céu.
De todas a mais
bela
Não veio inda,
porém:
Falta uma
estrela... És tu! Abre a janela,
E vem!
A alva cortina
ansiosa
Do leito
entreabre; e, ao chão
Saltando, o ouvido
presta à harmoniosa
Canção.
Solta os cabelos
cheios
De aroma: e
seminus,
Surjam formosos,
trêmulos, teus seios
À luz.
Repousa o espaço
mudo;
Nem uma aragem,
vês?
Tudo é silêncio,
tudo calma, tudo
Mudez.
Abre a janela,
acorda!
Que eu, só por te
acordar,
Vou pulsando a
guitarra corda a corda,
Ao luar!
Que puro céu! que
pura
Noite! nem um
rumor..
Só a guitarra em
minhas mãos murmura:
Amor!...
Não foi o vento
brando
Que ouviste soar
aqui:
É o choro da
guitarra, perguntando
Por ti.
Não foi a ave que
ouviste
Chilrando no
jardim:
É a guitarra que
geme e trila triste
Assim.
Vem, que esta voz
secreta
É o canto de
Romeu!
Acorda! quem te
chama, Julieta,
Sou eu!
Porém... Ó
cotovia,
Silêncio! a
aurora, em véus
De névoa e rosas,
não desdobre o dia
Nos céus...
Silêncio! que ela
acorda...
Já fulge o seu
olhar...
Adormeça a
guitarra, corda a corda,
Ao luar!
★★★
Dante no Paraíso
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
... Enfim,
transpondo o Inferno e o Purgatório, Dante
Chegara à extrema
luz, pela mão de Beatriz:
Triste no sumo
bem, triste no excelso instante,
O poeta
compreendera o mal de ser feliz.
Saudoso, ao ígneo
horror do báratro distante,
Ao vórtice
tartáreo o olhar volvendo, quis
Regressar à geena,
onde a turba ululante
Nos torvelins
raivando arde na chama ultriz:
E fatigou-o a paz
do esplendor soberano;
Dos réprobos
lembrando a irrevogável sorte,
A estância
abominou do perpétuo prazer;
Porque no coração,
cheio de amor humano,
Sentiu que toda a
Vida, até depois da morte,
Só tem uma razão e
um gozo só: sofrer!
★★★
O conselho de Hamleto
LUÍS DELFINO
“Algas e Musgos” (1927)
Trazes um coração
dentro do peito,
Um casto ideal, um
forte pensamento,
Tu és
honesto? Vai para o convento,
Como à Ofélia
mandou um dia Hamleto.
Quem à virtude só
der o seu preito,
Para encontrar no
sono a calma e o alento,
Busque o sepulcro,
não procure o leito:
Se viver, viverá
do seu tormento.
Vida é delírio: vê
rosais, escuta
Canções, com que
alma embala a mente insana;
Se a razão volta,
o quadro então permuta,
Vem de novo o
sofrer, que a febre engana:
À mesa, em que se
senta a escória em luta,
Não tem lugar a
flor da raça humana.
★★★
Romeu e Julieta
(Ato III, cena V)
OLAVO BILAC
“Alma inquieta”
(1888)
JULIETA
Por que partir tão
cedo? inda vem longe o dia...
Ouves? é o
rouxinol. Não é da cotovia
Esta encantada
voz. Repara, meu amor:
Quem canta é o
rouxinol na romãzeira em flor.
Toda a noite essa
voz, que te feriu o ouvido,
Povoa a solidão
como um longo gemido.
Abracemo-nos!
fica! Inda vem longe o sol!
Não canta a cotovia:
é a voz do rouxinol!
ROMEU
É a voz da cotovia
anunciando a aurora!
Vês? há um leve
tremor pelo horizonte afora...
Das nuvens do
levante abre-se o argênteo véu,
E apagam-se de
todo as lâmpadas do céu.
Já sobre o cimo
azul das serras nebulosas,
Hesitante, a manhã
coroada de rosas
Agita os leves
pés, e fica a palpitar
Sobre as asas de
luz, como quem quer voar.
Olha! mais um
momento, um rápido momento,
E o dia sorrirá
por todo o firmamento!
Adeus! devo
partir! partir para viver...
Ou ficar a teus pés
para a teus pés morrer!
JULIETA
Não é o dia! O
espaço inda se estende, cheio
Da noite caridosa.
Exala do ígneo seio
O sol, piedoso e
bom, este vivo clarão
Só para te guiar
por entre a cerração...
Fica um minuto
mais! por que partir tão cedo?
ROMEU
Mandas? não
partirei! esperarei sem medo
Que a morte, com a
manhã, venha encontrar-me aqui!
Sucumbirei feliz,
sucumbindo por ti!
Mandas? não
partirei! queres? direi contigo
Que é mentira o
que vejo e mentira o que digo!
Sim! tens razão!
não é da cotovia a voz
Este encantado som
que erra em torno de nós!
É um reflexo da
luz a claridade estranha
Que aponta no
horizonte acima da montanha!
Fico para te ver,
fico para te ouvir,
Fico para te amar,
morro por não partir!
Mandas? não
partirei! cumpra-se a minha sorte!
Julieta assim o
quis: bem-vinda seja a morte!
Meu amor, meu
amor! olha-me assim! assim!
JULIETA
Não! é o dia! é a
manhã! Parte! foge de mim!
Parte! apressa-te!
foge! A cotovia canta
E do nascente em
fogo o dia se levanta...
Ah! reconheço
enfim estas notas fatais!
O dia!... a luz do
sol cresce de mais em mais
Sobre a noite
nupcial do amor e da loucura!
ROMEU
Cresce... E cresce
com ela a nossa desventura!
...........................................................................
★★★
Paulo e Virgínia
GUIMARÃES JÚNIOR
Fomos um dia
alegres, estouvados,
Ao clarão matinal
do sol nascente,
Colher as flores
do vergel ridente
E as primeiras
amoras dos cercados.
Risonhos,
venturosos, namorados,
Cada qual mais
feliz e mais contente,
Esquecemos a terra
inteiramente:
Doidos de amor, de
gozo embriagados.
Seus cabelos -
enquanto ela corria,
Voavam, louros com
a luz, dispersos!
Eu a chamava e ela
me fugia.
Por fim voltamos -
em prazer imersos:
E das venturas
todas desse dia...
Resta a saudade
que inspirou meus versos.
★★★
Childe-Harold
(Sobre uma página de Byron)
FAGUNDES VARELA
Não te rias assim,
oh! não te rias,
Basta de sonhos,
de ilusões fatais!
Minh’alma é nua, e
do porvir às luzes
Meus roxos lábios
sorrirão jamais!
Que pesar me
consome? ah! não procures
Erguer a lousa de
um pesar profundo,
Nem apalpares a
matéria lívida,
E a lama impura
que pernoita ao fundo!
Não são as flores
da ambição pisadas,
Não é a estrela de
um porvir perdida...
Que esta cabeça
coroou de sombras
E a tumba inclina
ao despontar da vida!
É este enojo
perenal, contínuo,
Que em toda a
parte me acompanha os passos,
E ao dia
incende-me as artérias quentes,
Me aperta à noite
nos mirrados braços!
São estas larvas
de martírio e dores
Sócias constantes
do judeu maldito!
Em cuja testa, dos
tufões crestada,
Labéu de fogo
cintilava escrito!
Quem de si mesmo
desterrar-se pode?
Quem pode a ideia
aniquilar que o mata?
Quem pode altivo
esmigalhar o espelho
Que a torva imagem
de Satã retrata?
Quantos encontram
inefáveis gozos
Nesses prazeres,
para mim tormentos!
Quantos nos mares
onde a morte enxergo
Abrem as velas do
baixel aos ventos!
O meu destino é
vaguear e sempre!
Sempre fugindo
funeral lembrança...
Férreo estilete
que me rasga os músculos,
Voz dos abismos
que me brada: - Avança!
Que pesar me
consome? ai! não mais tentes,
Espera a lousa de
um pesar profundo,
Somente a morte
encontrarás nas bordas,
E o inferno
inteiro a praguejar no fundo!
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