Vila Rica
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos
de ouro, as minas, que ambição
Na torturada
entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz
brilha como um brasão.
O ângelus plange
ao longe em doloroso dobre,
O último ouro do
sol morre na cerração.
E, austero,
amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai
como uma extrema-unção.
Agora, para além
do cerro, o céu parece
Feito de um ouro
ancião que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando
o chão, cicia, em prece,
Como uma procissão
espectral que se move...
Dobra o sino...
Soluça um verso de Dirceu...
Sobre a triste
Ouro Preto o ouro dos astros chove.
★★★
New York
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
Resplandeces e
ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do
céu, galgando em fúria o espaço,
Sobem do teu tear
de praças e de ruas
Atlas de ferro,
Anteus de pedra e Brontes de aço.
Gloriosa! Prometeu
revive em teu regaço,
Delira no teu
gênio, enche as artérias tuas,
E combure-te a
entranha arfante de cansaço,
Na incessante
criação de assombros em que estuas.
Mas, com as tuas
Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o
mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação
da Tebas de cem portas:
Falta-te o Tempo,
— o vago, o religioso aroma
Que se respira no
ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço
perfume ancião de idades mortas...
★★★
Piracicaba
BRASÍLIO MACHADO
“Madressilvas” (1876)
Sacode os ombros
nus, oh noiva da colina,
que a luz da
madrugada encheu o largo céu;
e arranca-te das
mãos o manto da neblina
que ondula sobre o
rio, enorme e solto véu...
Ergue-te, oh
noiva! a aurora acorda e orvalha os ninhos,
beija o vasto
horizonte e a pequenina flor;
levantam-se no
espaço em bando os passarinhos,
descem de além
frescura, luz e paz e amor.
Aberta pelo vento,
a úmida palmeira
agita o verde
leque em fundo todo azul;
como o cocar do
índio, em pé na cordilheira,
se abria em pleno
ar, à viração do sul...
Envoltas pela
noite, as pérolas celestes
se deixarão levar
a outras amplidões:
mas eis que surge
além, entre douradas vestes,
o sol, bordando a
ti de mágicos listrões.
Desperta, oh
índia, ao sol! O rio o corpo estende
e anilado a teus
pés vai múrmur se quebrar...
ai! vendo que a
alvorada em sonhos te surpreende
nesta hora em que
parece à terra o céu baixar.
O rio é teu
amante. Irrompe entre colinas,
como o jaguar que
avista a companheira e vai...
mas vendo-te, ao
chegar, quão bela te reclinas,
estaca de repente,
e a fúria o arroja, e cai!
E a fúria o
arroja, e cai... Do precipício ao fundo
atira o corpo e
cava as pedras a bramar:
e espedaçado sobe,
e espedaçado afunda
no abismo que se
alarga e tenta-o sufocar!
E o dorso bate a
pedra, enraiva-se a torrente
que em cascatas do
trono erguido resvalou...
E salta a espuma
branca em chuva alvinitente
onde o íris do céu
em curva se formou...
Pela boca do
abismo as águas repelidas
enchem a vastidão
de ronco atroador:
— e rolam pelo rio
a plagas não sabidas
os murmúrios da
onda, a voz do tombador!
Depois abre-se a
cava enorme onde o combate
só no conhece o
rio e o abismo que o atrai:
embaixo ferve a
luta: a onda a cova bate...
por cima a calma
fria: a onda sobe e vai...
a onda sobe e vai
serena, extenuada,
depois de pelejar
perder-se além, além;
e sente à tona
d'água a quilha já cansada
trazendo o
pescador que rio acima vem.
E tu, formosa
índia, em pé sobre a colina,
sentes da onda
azul o lânguido bater;
Enquanto sob o véu
da trêmula neblina
ruge a cascata
além, sem vir interromper...
sem vir
interromper a paz, em que te embalas,
o amor, a luz, a
graça — adornos que são teus.
Cercou-te o
Criador de peregrinas galas...
deu-te uma terra
em flor, cheios de luz os céus.
Deu-te o horizonte
azul que tem a minha terra,
minha terra natal,
meu ninho encantador.
Só a coroa não
tens dessa saudosa serra
que cerca em meu
país, a várzea toda em flor.
A tua noite
envolve as mesmas estrelinhas,
a mesma poesia, a
mesma luz divina;
como lá, eu bem
sei, o bando de andorinhas,
aqui recorta o
céu, na hora vespertina!
Deixa-me, pois,
que eu sonhe, ao ver-te reclinada
banhando os alvos
pés, do rio na onda azul,
que eu sonhe a
minha terra, a pérola dourada
suspensa longe...
longe... entre as névoas do sul!
★★★
Uma noite em São Paulo
BRASÍLIO MACHADO
“Madressilvas” (1876)
Minha terra é o
país das serenatas
por noites de luar,
Enquanto a névoa
em trêmulas cascatas
no rio vem boiar.
As frautas, do
violão ao som doído
aqui sabem dizer
os segredos do
amor, saudades vivas
dos anos de
prazer.
Jamais em lábios
rubros de espanhola
a cantiga gemeu
como uma só das
belas serenatas
que escuta o nosso
céu.
Jamais o
gondoleiro do Rialto
que a onda
acalentou
mais doce canto às
auras do Adriático
à noite suspirou.
Em meu país o
canto do tropeiro
sentado ao pé do
lar,
ou do rancho nos
ermos, onde a lua
encontrou-o a
sonhar;
a cantiga do
escravo suspiroso
no exílio do
sertão,
quando ao dia que
morre ele despede
sua pátria canção;
as tiranas doídas
que a viola
chorando
desprendeu
acordam mais o
gênio da saudade
na sombra deste
céu...
Nosso canto
aprendeu as melodias,
seus hinos
virginais,
da cascata no
trêmulo murmúrio,
na voz dos
sabiás...
Minha terra é o
país das serenatas
por noites de
luar...
Vinde, filhos de
além, ver quanto é doce
sob a curva do céu
aqui sonhar!
★★★
Jaraguá
BRASÍLIO MACHADO
“Madressilvas” (1876)
É este o meu
pátrio monte
que junto ao rio
cresceu,
e que envolve a
idosa fronte
nos nevoeiros do
céu.
Não temas, não,
viajante,
ao vê-lo erguido
no sul:
tem águias — são
andorinhas,
e seu ombro é todo
azul.
Primeiro beija-lhe
a aurora
a larga fronte sem
par,
indo após suas
coroas
uma por uma
espalhar;
como uma filha que
beija
de seu pai a velha
mão,
e depois vai as
cortinas
correr do berço do
irmão.
Circulando o vulto
imenso,
ao sol que
tombando vai,
uma auréola de
incêndios
fulgurante dele
sai.
Altivo, como na
América,
do condor aos
colibris,
tudo é soberbo,
arrogante,
sentindo o sol do
país;
bem como um velho
cacique
de seus guerreiros
ao pé,
ele guarda a
cordilheira
que azulada além
se vê...
Guarda nos lábios
de pedra
de arruinadas
gerações
os ecos de mil
triunfos,
o canto das
tradições.
Quantas tribos
desgarradas
de seus pés em
derredor
vieram erguer as
tabas
sonhando um vale
melhor!
E este foi seu
pátrio monte,
estes vales foram
seus...
O monte, os vales
ficaram...
dos índios... só
sabe Deus!
Oh viajante, não
temas
ao vê-lo erguido
no sul,
a fronte, cheia de
névoas,
nos ombros um
manto azul.
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