7/06/2018

Temas Poéticos: CHULOS - I


Soneto de todos os cornos

BOCAGE

Não lamentes, Alcino, o teu estado,
Corno tem sido muita gente boa;
Corníssimos fidalgos tem Lisboa,
Milhões de vezes cornos têm reinado.

Siceu foi corno, e corno de um soldado;
Marco António por corno perdeu coroa;
Anfitrião com toda a sua proa
Na fábula não passa por honrado;

Um rei Fernando foi cabrão famoso
(Segundo a antiga letra da gazeta)
E entre mil cornos expirou vaidoso;

Tudo no mundo está sujeito à greta;
Não fiques mais, Alcino, duvidoso,
Pois isto de ser corno é tudo peta.

★★★

Soneto da cópula canina

BOCAGE

Quando no estado natural vivia
Metida pelo mato a espécie humana,
Ai da gentil menina desumana,
Que à força a greta virginal abria!

Entrou o estado social um dia;
Mandou a lei que o irmão não foda a mana,
É crime até chuchar uma sacana,
E pesa a excomunhão na sodomia;

Quanto, lascivos cães, sois mais ditosos!
Se na igreja gostais de uma cachorra,
Lá mesmo, perante o altar, fodeis gostosos;

Enquanto a linda moça, feita zorra,
Voltando a custo os olhos voluptuosos,
Põe num altar a vista, a ideia em porra.

★★★

Soneto do caralho decadente

BOCAGE

Com quem magoas o não digo! Eu nem te vejo,
Meu caralho infeliz! Tu, que algum dia
Na gaiteira amorosa filistria
Foste o regalo do meu pátrio Tejo!

Sem te importar o feminino pejo,
Atrás da mimosa virgem, que fugia,
Ficando a terna, fadigada Armia,
Lhe pegavas no coninho um beijo.

Hoje, canal de fétida remela,
O misantropo do país das bimbas,
Apenas olha a cândida donzela!

Deitado dos colhões sobre as tarimbas,
Só com a memória em feminil canela
Às vezes pívia casual cachimbas.

★★★

Soneto da dama a cagar

BOCAGE

Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porém ver cagar a formosura
Mete nojo à vontade mais gulosa!

Ela a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma carta de amor de limpadura
Serviu àquela parte malcheirosa;

Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito de amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita;

Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro!

★★★

Soneto do velho escandaloso

BOCAGE

Tu, ó demente velho descarado,
Escândalo do sexo masculino,
Que por alta justiça do Destino
Tens o impotente membro decepado!

Tu, que, em torpe furor incendiado
Sofres de ímpia paixão ardor maligno,
E a consorte gentil, de que és indigno,
Entregas a infrutífero castrado!

Tu, que tendo bebido o menstruo imundo,
Esse amor indiscreto te não gasta
De ímpia mulher o orgulho furibundo!

Em castigo do vício, que te arrasta,
Saiba a ínclita Lísia, e todo o mundo
Que és vil por gênio, que és cabrão, e basta.

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