A voz das árvores
GUIMARÃES JÚNIOR
Enquanto os meus
olhares flutuavam,
Seguindo os voos
da erradia mente,
Sob a odorosa
cúpula fremente
Dos bosques - onde
os ventos sussurravam,
Ouvi falar. As
árvores falavam:
A secular
mangueira fielmente
Repetia-me a rir o
idílio ardente
Que dois noivos, à
tarde, lhe contavam;
A palmeira
narrava-me a inocência
De um brando e
mútuo amor, - sonho que veste
Dos louros anos a
feliz demência;
Ouvi o cedro, - o
coqueiral agreste,
Mas, excedia a
todas a eloquência
Duma que não
falava: - era o cipreste.
★★★
As árvores
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
Na celagem
vermelha, que se banha
Da rutilante
imolação do dia,
As árvores, ao
longe, na montanha,
Retorcem-se espectrais
à ventania.
Árvores negras,
que visão estranha
Vos aterra? que
horror vos arrepia?
Que pesadelo os
troncos vos assanha,
Descabelando a
vossa rumaria?
Tendes alma
também... Amais o seio
Da terra; mas
sonhais, como sonhamos,
Bracejais, como
nós, no mesmo anseio...
Infelizes, no
píncaro do monte,
(Ah! não ter
asas!...) estendeis os ramos
À esperança e ao
mistério do horizonte.
★★★
Velhas árvores
OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)
Olha estas velhas
árvores, mais belas
Do que as árvores
novas, mais amigas:
Tanto mais belas
quanto mais antigas,
Vencedoras da
idade e das procelas...
O homem, a fera, e
o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de
fomes e fadigas;
E em seus galhos
abrigam-se as cantigas
E os amores das
aves tagarelas.
Não choremos,
amigo, a mocidade!
Envelheçamos
rindo! envelheçamos
Como as árvores
fortes envelhecem:
Na glória da
alegria e da bondade,
Agasalhando os
pássaros nos ramos,
Dando sombra e
consolo aos que padecem!
★★★
Entre as árvores
(A Fontoura Xavier)
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)
Aqui eu sinto a
Vida em ímpetos sonoros
devassando-me a
luz de seus grandes arcanos
e esta seiva
febril me infiltra pelos poros
o sangue matinal
de meus primeiros anos.
Fascina-me o
verdor primaveril das plantas;
não sei que
magnetismo oculto as ervas têm,
que eu julgo, ó
Natureza, em tuas pomas santas
beber tragos de
luz e néctares do Bem.
Vendo o sangue do
sol coado entre as ramagens,
que insólita
volúpia incandescente eu sinto!
e como fito atento
as ruínas selvagens
de uma pedreira
antiga, ou de um vulcão extinto!
Amo entranhar-me a
sós nos flácidos maciços
das lianas e ter a
alegria pagã
de no meio me
achar dos sátiros roliços,
ouvindo tocar
flauta o harmonioso Pã.
Num turbilhão
sonoro, as aves de mil cores
enchem a imensidão
de límpidas risadas,
enquanto Flora
anseia em convulsões de flores
na nítida beleza
azul das alvoradas.
Como um cactus ao
sol, minha alma desabrocha,
e os perfumes do
canto entorno, afrouxo, no ar...
Depois, escuto o
vento, e fito a árida rocha
e as aves sobre
mim que passam a cantar.
O azul do espaço
desce em gotas cintilantes
o seio a fecundar
das trêmulas boninas,
e, numa inundação
de vagas de brilhantes,
a luz serena banha
as longínquas campinas.
Os rudes Leviatãs
dos mares de verdura
curvam
potentemente a robusta cerviz.
Range o cedro: – é
um hino; e as folhagens n’altura
torvelinham soando
em vibrações sutis.
Nos côncavos sem
fim das grutas solitárias,
à dúbia refração
das úmidas piritis,
corre serenamente,
álgida, em fendas várias,
a linfa que nasceu
nas velhas estalactites.
A onça gemedora as
pálpebras vermelhas
escancara e
boceja; espreita... e segue após,
compassada no
trilho: uma nuvem de abelhas
acompanha-a,
soltando a zumbidora voz.
Contrastando a
altivez do carrascal felpudo,
em cachões a
cascata espumejante tomba
dos negros
alcantis – enquanto sobre tudo
paira a alegria
eterna, assim como uma pomba.
Na natureza, a
alma harmônica das coisas,
complexa, se
derrama em formas multicolores,
ora na robustez
das árvores frondosas,
ora na muda voz
colorida das flores.
O canto de uma ave
exprime o anseio extremo
do coração de um
Deus, no espaço a soluçar;
e espelha-se
também a luz do amor supremo
no fosfóreo clarão
dos olhos do jaguar...
Em teu seio, é
floresta, onde o Belo descansa,
ao rebentar da
Vida a torrente sonora,
ouço dentro de mim
o canto da Esperança,
como um clarim
vibrante ao despontar da aurora.
★★★
À Árvore
MANUEL DE ARRIAGA
“Cantos Sagrados” (1899)
Quando contemplo
em paz teu nobre vulto
Erguido aos céus:
envolto em verde manto,
Suponho contemplar
um justo... um santo...
Um pai... um
Deus... algum mistério oculto!...
Há não sei bem que
força em mim tão forte,
Não sei que grande
instinto inabalável
A levar para
quanto é belo e estável
Esta alma, para
quem só Deus é norte,
Que em ti, oh mãe,
em ti achei guarida...
A tua sombra oferece
a paz e a esperança
A quem no mundo é
triste e em vão se cansa
Para aos céus
dirigir a própria vida!...
Quantas vezes em
horas d'agonia,
Que deixavam meus
olhos rasos d'água,
Eu não deixei
ficar-te aos pés a mágoa,
Buscando tua
sombra noite e dia?!...
Quantas horas
fitando os céus pasmado
Eu não passei,
deixando o olhar suspenso
Naquele vasto seio
azul e imenso,
Do verde de teus
ramos marchetado?!...
De dia, quando o
Sol aquece o mundo,
E os entes se
propagam, nascem, crescem;
De noite quando os
astros resplandecem
Naquelas solidões
dum mar sem fundo:
Se à tua sombra
estou, sinto nesta alma
Cair da doce cor
que o Sol te veste,
Da paz que tens, o
bálsamo celeste
Que em meu peito
as paixões serena e acalma!...
Ou quando o vento
chega, e eu não sei donde...
E passa sobre ti,
murmura e canta,
E eu olho e nada
vejo, e a fé mais santa
Me leva a crer no
Deus que o mundo esconde;
Ou quando à noite,
num propício agouro,
As estrelas dos
céus que mais fulguram
Das pontas dos
teus ramos se penduram
Como ideias de
Deus em frutos d'ouro:
Amo-te muito e
muito, e não me admira,
Quando tu à minha
alma um Deus revelas
E lhe mandas um
hino em que as estrelas
São as notas, e a
tua coma a lira!...
Oh árvore! no amor
que a Ti me prende,
Confesso ao mundo
haver bem mais lucrado,
Que em muito livro
d'ouro encadernado,
Que aí se espalha
e muita gente aprende!...
Se eu vira, como
os frutos dos teus ramos,
Dentro desta alma
abrir-se a flor da ideia
À luz deste ideal
que em nós se ateia
Para que nós do
mal ao bem subamos;
Se às novas
gerações, no meu saltério,
Cantar pudesse a
nova luz que assoma,
Como os órgãos da
tua verde coma
Lançando a voz de
Deus no espaço etéreo;
Se eu fora como tu
viver piedoso,
E a qualquer
desgraçado e pobre amigo
Oferecer no meu
seio o mesmo abrigo,
Que estende sobre
o ninho o ramo umbroso;
Se eu conseguisse,
enfim, levar meus dias,
Perante o mal que
sempre me acompanha,
Como a árvore
sonora da montanha,
Que descanta ao
soprar das ventanias:
Só assim chegaria
um dia a ser
O espírito sereno,
sábio e justo,
A que deve
aspirar, a todo o custo,
O Senhor da Razão,
que pensa e quer!
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