A Serpente
TEÓFILO DIAS
Tivesse eu asas,
como as tuas! - Fora,
Em antes de falar,
Rasgando o céu por
esse espaço afora,
Às nuvens mais
altívolas pairar;
E em torno
perscrutar
O que vai pelo
mundo.
Mas, não as tenha
embora,
Eu me erguerei do
fundo
Da lama, para ver
O universo ao
nascer.
É esta, é esta a
árvore da vida!
Em volta do seu
tronco e dos seus ramos
Vou enroscar-me,
estreitamente unida.
Agora, assim,
vejamos
D'este universo a
imagem.
Com a minha cauda
imensa o chão rastejo,
Com mil cabeças
erriçadas beijo
O vasto céu por
cima da folhagem;
Com mil olhos
perscruto a terra toda;
Com mil línguas
dardejo
Atro veneno em roda.
Mas em verdade
nada mais eu vejo
Que altas
montanhas, que em anéis ondeiam,
Mil rios, que
serpeiam,
Sob as florestas
deslizando lentos,
E o corcel Semeheu
que, enfurecido,
Pelas garras dos
djins corre pungido,
A argêntea cauda
sacudindo aos ventos.
Ei-lo muda de cor
a cada instante,
Já pálido, já
negro, já brilhante,
Já revestindo o
azul do céu sereno,
Já da cor do
veneno
Que me escorre da
boca fumegante.
Causa piedade e
dó.
★★★
As pombas...
RAIMUNDO CORREIA
Vai-se a primeira
pomba despertada...
Vai-se outra
mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se
dos pombais, apenas
Raia sanguínea e
fresca a madrugada...
E à tarde, quando
a rígida nortada
Sopra, aos pombais
de novo elas, serenas,
Ruflando as asas,
sacudindo as penas,
Voltam todas em
bando e em revoada...
Também dos
corações onde abotoam,
Os sonhos, um por
um, céleres voam,
Como voam as
pombas dos pombais;
No azul da
adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos
pombais as pombas voltam,
E eles aos
corações não voltam mais...
★★★
A borboleta
LUÍS DA GAMA
Sobre a açucena,
Que no horto
alveja,
A borboleta
Mansinha adeja;
Libando os pingos
De orvalho brando,
Que a nuvem loura
Vem salpicando.
Meneia os leques
Por entre as
flores,
Que o ar perfumam
Com seus olores.
Mimosos leques
De cores finas,
— Tela formosa
Das mãos divinas,
Ora serena,
Pairando a flux,
Esmaltes mostra
Do brilho à luz.
Ora nas águas
Boiando vai,
Qual folha seca
Que ao vento cai.
Ao vir da aurora
Vai do jasmim
Beijar a cútis
D’alvo cetim.
Ao cravo, à rosa
Afagos presta,
— Que a aragem
sopra
E o sol recresta.
Ao pôr da tarde
Pousa em delírio
Nas tenras folhas,
Do roxo lírio.
E o frágil corpo
Em sono brando,
Que embala a
brisa,
Que vem soprando,
Alívio encontra
Na solidão
Até que d’alva
Rompa o clarão.
★★★
A tapera
LÚCIO DE MENDONÇA
“Les temps sont acomplis, les choses
se sont tues.”
Leconte de Lisle
A meio vale
escuro, à beira do caminho.
Está silenciosa a
velha casa em ruína...
Desabitado lar,
abandonado ninho,
O horror da
solidão fantástica o domina.
O horror da
solidão, por quê? também na mata,
Na virgem,
secular, inóspita floresta,
Há uma calma
grande, em que a alma se dilata;
E, ao invés do
terror, que portentosa festa!
Mais funda é a
solidão na agreste cumiada
Onde não pisou
nunca o bípede tirano;
Mas lá quanta
alegria aberta e iluminada!
- O cunho do
terror vem dos vestígio humano.
Vê-se um velho
postigo escancarado ao poente...
O tosco parapeito
apodreceu... e vê-se
Que ali chorou,
talvez, de saudades do ausente
Uma noiva fiel,
que de esperar morresse.
A bela porta,
franca outrora, está fechada...
É ninho de répteis
a trapedira amiga.
Que convidava a
entrar na plácida morada,
Que já ninguém
procura e a ninguém mais abriga.
Pobre, inútil
ruína! Olhemos de mais perto,
Pelo teto, que
abriu dos temporais o açoite...
Brotam ervas do
solo esquecido e deserto...
E este era o
coração da casa, ao lar, à noite!
Aqui se reunia, em
pacífico bando,
A família, a
sonhar os dias do futuro,
Enquanto, fora, o
vento andava praguejando
E a noite ia
seguindo o seu caminho escuro.
Ali, para o
nascente, havia um aposento
Pequeno e
recatado... ai! ali, porventura,
Morava a
sinhá-moça, o riso, o encantamento
Da rústica
vivenda, a doce criatura!
No vão dessa
janela aberta para a estrada
Quanta cena de
afeto ainda se imagina!...
Um cavaleiro ao
longe a sumir-se, e inclinada
Ao parapeito, a
branca e chorosa menina...
Desconjuntado, já
caindo-lhe os pedaços,
Vê-se um velho
oratório... e, coberto de poeira,
Um Cristo mutilado
abre os divinos braços...
Quanta fé o beijou
na angústia derradeira!
Cá fora,
indiferente, ingratamente alheio,
Passa o vento da
mata, o alado vagabundo.
Sem um beijo,
sequer, ao esqueleto feio
Da ruína sem dono,
esquecida no mundo!
Somente à noite
agora, ao ter da lua triste
A compassiva luz
fantástica e serena,
Reanima-se a
tapera e ressuscita e existe
De um sombrio
existir que mete medo e pena.
Existe uma alma
assim... Outrora foi ruidosa.
Clara, feliz,
brilhante à luz da primavera...
Agora é nua e só,
- sombra silenciosa,
Morta à beira da
vida... a lúgubre tapera!
★★★
A cigarra e a formiga
JOÃO DE DEUS
Como a cigarra o
seu gosto
É levar a
temporada
De Junho, Julho e
Agosto
Numa cantiga
pegada,
De Inverno também
se come,
E então rapa frio
e fome!
Um Inverno a
infeliz
Chega-se à formiga
e diz:
- Venho pedir-lhe
o favor
De me emprestar
mantimento,
Matar-me a
necessidade;
Que em chegando a
novidade,
Até faço um
juramento,
Pago-lhe seja o
que for.
Mas pergunta-lhe a
formiga:
"Pois que fez
durante o Estio?"
- Eu, cantar ao
desafio.
"Ah cantar?
Pois, minha amiga,
Quem leva o Estio
a cantar,
Leva o Inverno a
dançar!"
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