Amar
FLORBELA ESPANCA
Eu quero amar,
amar perdidamente!
Amar só por amar:
Aqui... além...
Mais Este e
Aquele, o Outro e toda a gente
Amar! Amar! E não
amar ninguém!
Recordar?
Esquecer? Indiferente!...
Prender ou
desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se
pode amar alguém
Durante a vida
inteira é porque mente!
Há uma Primavera
em cada vida:
É preciso cantá-la
assim florida,
Pois se Deus nos
deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei de
ser pó, cinza e nada
Que seja a minha
noite uma alvorada,
Que me saiba
perder... pra me encontrar...
★★★
O segredo de salvar-me pelo amor
CAMILO CASTELO
BRANCO
Quem há aí que
possa o cálix
De meus lábios
apartar?
Quem, nesta vida
de penas,
Poderá mudar as
cenas
Que ninguém pôde
mudar?
Quem possui na
alma o segredo
De salvar-me pelo
amor?
Quem me dará gota
de água
Nesta angustiosa
frágua
De um deserto
abrasador?
Se alguém existe
na terra
Que tanto possa,
és tu só!
Tu só, mulher, que
eu adoro,
Quando a Deus
piedade imploro,
E a ti peço amor e
dó.
Se soubesses que
tristeza
Enluta meu
coração,
Terias nobre
vaidade
Em me dar
felicidade,
Que eu busquei no
mundo em vão.
Busquei-a em tudo
na terra,
Tudo na terra
mentiu!
Essa estrela
carinhosa
Que luz à infância
ditosa
Para mim nunca
luziu.
Infeliz desde
criança
Nem me foi risonha
a fé;
Quando a terra nos
maltrata,
Caprichosa, acerba
e ingrata,
Céu e esperança
nada é.
Pois a ventura
busquei-a
No vivo anseio do
amor,
Era ardente a
minha alma;
Conquistei mais de
uma palma
À custa de muita
dor.
Mas estas palmas
tais eram
Que, postas no
coração,
Fundas raízes
lançavam,
E nas lágrimas
medravam
Com frutos de
maldição.
Em ânsias de alma,
a ventura
Nos dons da
ciência busquei.
Tudo mentira! A
ciência
Era um sinal de
impotência
Da vã Razão que
invoquei…
Era um brado, um
testemunho
Do nada que o
mundo é.
Quanto a minha
mente erguia
Tudo por terra
caía,
Só ficava Deus e a
fé.
Lancei-me aos
braços do Eterno
Com o fervor de
infeliz;
Senti mais fundas
as dores,
Mais agros os
dissabores…
O próprio Deus não
me quis!
Depois, no mundo,
cercado
Só de angustias,
divaguei
De um abismo a
outro abismo
Pedindo ao louco
cinismo
O prazer que não
achei.
Tristes correram
meus anos
Na infância que em
todos é
Bela de crenças e
amores,
Terna de risos e
flores
Santa de esperança
e de fé.
Assim negra me era
a vida
Quando, ó luz da
alma, te vi
Baixar do céu,
onde outrora
Te busquei, mão
redentora,
Procurando amparo
em ti.
Serás tu a mão
piedosa,
Que se estende
entre escarcéus
Ao perdido
naufragado?
Serás tu, ser
adorado,
Um prêmio vindo
dos céus?
E eu mereço-te,
que imenso
Tem já sido o meu
quinhão
De torturas não
sabidas,
Com resignação
sofridas
Nos seios do
coração.
Que ternura e amor
e afagos
Toda a vida te
darei!
Com que jubilo e
delírio,
Nova dor, novo
martírio,
De ti vindo,
aceitarei!
Se na terra um céu
desejas
Como o céu que eu
tanto quis,
Se d’um anjo a
glória queres,
Serás anjo, se
fizeres,
Contra o destino,
um feliz.
Faz que eu veja
nestas trevas
Um relâmpago de
amor,
Que eu não morra
sem que diga:
“Tive no mundo uma
amiga,
Que entendeu a
minha dor.
Deu-me ela o estro
grande
Das memoráveis
canções;
Acendeu-me a extinta
chama
Da inspiração que
inflama
Regelados
corações.
Os segredos dos
afetos
Que mais puros
Deus nos deu,
Ensinou-mos ela um
dia
Que de entre
arcanjos descia
Com linguagem do
céu.
Os mimosos
pensamentos
Que, de mim
soberbo, leio,
Inspirou-mos,
deu-mos ela
Recostando a
fronte bela
Sobre o meu
ardente seio.
Morta estava a
fantasia
Que o gelo da alma
esfriou;
Tinha o espírito
dormente,
Só no peito um
fogo ardente,
Quando o céu me a
deparou.
Agora morro no
gozo
De uma saudade
imortal.
Foi ditosa a minha
sorte;
Amei, vivi: venha
a morte,
Que morte ou vida
é-me igual.
Igual, sim, que o
amor profundo,
Como foi na terra
o meu,
Não expira, é
sempre vivo,
Sempre ardente e
progressivo
Em perpétuo amor
do céu”.
Assim, querida,
meus lábios,
Já moribundos,
dirão,
Nas agonias
supremas,
Essas palavras
extremas
Do meu ao teu
coração.
Sabes quem é,
neste mundo,
Quase igual ao
Redentor?
É quem diz: “Sou
adorada
Pela alma
resgatada,
Por mim, das
ânsias da dor.”
★★★
Amor e crença
AUGUSTO DOS ANJOS
Sabes que é Deus?!
Esse infinito e santo
Ser que preside e
rege os outros seres,
Que os encantos e
a força dos poderes
Reúne tudo em si,
num só encanto?
Esse mistério
eterno e sacrossanto,
Essa sublime
adoração do crente,
Esse manto de amor
doce e clemente
Que lava as dores
e que enxuga o pranto?!
Ah! Se queres
saber a sua grandeza,
Estende o teu
olhar à Natureza,
Fita a cúp’la do
Céu santa e infinita!
Deus é o templo do
Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia
que bendiz a Crença,
ama, pois, crê em
Deus, e... sê bendita!
★★★
Autópsia do amor
ANTÔNIO GOMES LEAL
O Amor — essa
paixão romanesca e fagueira —
que os vates têm
cantado em bemol comovido,
é, na forma, uma
coisa assaz brusca e grosseira,
como o assalto da
fera e o ataque do bandido.
Tal e qual como o
lobo ataca uma cordeira,
a empolga e lhe
crava o colmilho atrevido,
assim ataca o
Amor. — São da mesma maneira
o Espasmo, a
Fúria, o Uivo, o Estertor, o Rugido.
Nas contorções do
Cio e os seus enlaçamentos,
há o ardor da
Serpente, a enroscar-se nas preias,
e a estrangular o
touro enorme e mugidor.
E quer cheire ao
sertão, ou da Lais aos unguentos,
Nos rosais, num
covil, ou de Nero nas ceias,
— são sempre os
mesmos ais, o Pranto, o Espasmo, a Dor.
★★★
Amor
ÁLVARES DE AZEVEDO
Amemos! Quero de
amor
Viver no teu
coração!
Sofrer e amar essa
dor
Que desmaia de
paixão!
Na tu’alma, em
teus encantos
E na tua palidez
E nos teus
ardentes prantos
Suspirar de
languidez!
Quero em teus
lábio beber
Os teus amores do
céu,
Quero em teu seio
morrer
No enlevo do seio
teu!
Quero viver
d’esperança,
Quero tremer e
sentir!
Na tua cheirosa
trança
Quero sonhar e
dormir!
Vem, anjo, minha
donzela,
Minha’alma, meu
coração!
Que noite, que
noite bela!
Como é doce a
viração!
E entre os
suspiros do vento
Da noite ao mole
frescor,
Quero viver um
momento,
Morrer contigo de
amor!
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