Amar
TOBIAS BARRETO
Amar é fazer o
ninho,
Que duas almas
contém,
Ter medo de estar
sozinho,
Dizer com
lágrimas: vem,
Flor, querida,
noiva, esposa…
Cabemos na mesma
lousa…
Julieta, eu seu
Romeu:
Correr, gritar:
onde vamos?
Que luz! que
cheiro! onde estamos?
E ouvir uma voz:
no céu!
Vagar em campos
floridos
Que a terra mesma
não tem;
Chegamos loucos,
perdidos
Onde não chega
ninguém…
E, ao pé de
correntes calmas,
Que espelham
virentes palmas,
Dizer-te: senta-te
aqui;
E além, na margem
sombria,
Ver uma corça
bravia,
Pasmada olhando
pra ti!
★★★
Amor e vida
RAIMUNDO CORREIA
Esconde-me a alma,
no íntimo, oprimida,
Este amor infeliz,
como se fora
Um crime aos olhos
dessa, que ela adora,
Dessa, que
crendo-o, crera-se ofendida.
A crua e rija
lâmina homicida
Do seu desdém
vara-me o peito; embora,
Que o amor que
cresce nele, e nele mora,
Só findará quando
findar-me a vida!
Ó meu amor! como
num mar profundo,
Achaste em mim teu
álgido, teu fundo,
Teu derradeiro,
teu feral abrigo!
E qual do rei de
Tule a taça de ouro,
Ó meu sacro, ó meu
único tesouro!
Ó meu amor! tu
morrerás comigo!
★★★
Que há de ser o amor um só
MANUEL BOTELHO DE
OLIVEIRA
Uma alma do
abrasador
Frecheiro é
gloriosa palma;
Quem pois
sacrifica uma alma,
Deve adorar um
Amor.
Rende Amor por
majestade
Do entender a
excelência,
Da memória a
persistência,
A inclinação da
vontade.
Prendem belas
sujeições
O coração nos
ardores;
Quem pois cria
dois amores,
Há mister dois
corações.
Inconstante há de
lograr
Dois fogos, por
mais que anele:
Pois quando cuida
naquele,
Neste já deixa de
amar.
Inteiro amante não
é,
Que no florido
primor,
Partida a flor,
não é flor,
Partida a fé, não
é fé.
Amor é Sol no
sujeito
Que belos
incêndios cria;
E se brilha um Sol
no dia,
Um amor brilhe no
peito.
Veneno amor é
julgado;
Mate pois, quando
o condeno,
Se um veneno,
outro veneno,
Um cuidado, outro
cuidado.
Há de ser no
coração
Um, ou outro
emprego belo,
Agrado sim, não
desvelo,
Faísca sim, chama
não.
Venero enfim, se
avalio
Entre muitos um
desejo,
Muitas damas no
cortejo,
Uma Anarda no
alvedrio.
★★★
Amor é fogo que arde sem se ver
LUÍS VAZ DE CAMÕES
Amor é fogo que
arde sem se ver;
É ferida que dói e
não se sente;
É um contentamento
descontente;
É dor que desatina
sem doer;
É um não querer
mais que bem querer;
É solitário andar
por entre a gente;
É nunca
contentar-se de contente;
É cuidar que se
ganha em se perder;
É querer estar
preso por vontade;
É servir a quem
vence, o vencedor;
É ter com quem nos
mata lealdade.
Mas como causar
pode seu favor
Nos corações
humanos amizade,
Se tão contrário a
si é o mesmo Amor?
★★★
Amor e lágrimas
LAURINDO RABELO
Se fosse possível
na minha alma
Amanhecer um dia
da ventura,
Corado por um
beijo de donzela
Ao despontar
d’aurora...
Se, Anjo de
salvação mandado ao mísero,
Sorrindo, pelo céu
jurasse a bela
Fazer-me cada vez
por novos beijos
Mais rubra a cor
do dia...
Se fiel
companheira em toda parte
Quisesse me
seguir, presa comigo,
Como um raio
celeste preso a um astro
A iluminar-lhe o
curso...
Se a visse,
desdenhosa a mil tesouros,
Só por ter-me,
deixá-los e contente
A gabar-me o sabor
do pão grosseiro
Que me alimenta a
vida...
Não a crera; e
talvez que até julgasse
Tantas provas de
amor atroz perfídia,
Se amor me não
brilhasse nos seus olhos
No centro de uma
lágrima.
Amor é fogo; o
coração que ama
Todo nas suas
chamas se evapora,
No rosto se
condensa, e chega aos olhos
Em água
convertido.
Que é um riso? —
Um prazer. Prisão estreita
De duas almas? —
Simpatia apenas:
E os abraços e
beijos? — Muitas vezes
Sustento de lascívia.
Tudo isso diz
amor; mas quando? — Quando,
Filho de um doce
afeto que se apura
Nos cadinhos da
dor, é batizado,
Num batismo de
prantos.
É belo ver-se uns
olhos cintilantes,
Acesos em vulcões
de fogo ignoto,
A dardejar faíscas
invisíveis
Que os corações
abrasam:
É belo ver-se um
rosto nacarado
No carmim do
prazer: é belo ver-se
Partir fino coral
de rubros lábios
Um sim d’alma
saído:
Mas em rostos
assim amor não fala;
E, se fala, as
mais vezes diz mentiras;
E este — sim — que
tomamos por verdade
É escárnio do
crente.
Quereis vê-lo
sincero? Observai-o
N’açucena de um
rosto desmaiado,
Entre os lírios de
uns lábios que roxeiam
Suspiros de
agonia:
Nuns olhos, cuja
luz crepusculante,
Entre a neve das
lágrimas, pareça
Revérbero da
alâmpada mortiça
Do templo da
saudade.
Aí podeis lhe crer
o que disser-vos,
Podeis segui-lo
sem temer um crime;
Que amor, se o
pranto lhe borrifa as asas,
Seu voo ao céu
dirige.
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