7/10/2018

Temas Poéticos: AMIZADE - I


Amigos!

AFONSO CELSO
"Poesias Escolhidas" (1902)

Amigos!.. Quantos... quantos tive
Nos belos tempos!... Mas, depois,
Foi começar fatal declive,
Permaneceram três, ou dois.

Não me lastimo. Na amizade,
Como no amor, o coração
Reduz a um ponto a imensidade,
Num ser confina a multidão.

O sentimento, se é completo,
Concentra e apura o seu calor:
— Quem dividiu em roda o afeto,
Só folhas deu, não deu a flor.

Em cada braço um companheiro...
Para que mais?! Nem há lugar...
— Basta, no transe derradeiro,
Ter duas mãos para apertar.

★★★

Aos amigos

NORBERTO DE SOUSA SILVA
"O livro dos meus amores" (1849)

Brindemos a amor!
J. BONIFÁCIO

Os negros desgostos
De pressa fugiram;
Lá vão, lá expiram
Momentos cruéis!
Momentos tão agros,
De tanta amargura,
Adeus! Que ventura!
Adeus!... Não volteis!...

De minha ventura,
De minha alegria
Já lá raia o dia...
Já raia... raiou!
— Pesares — desgostos
— Cruentos rigores
Agora em amores
Tudo se trocou.

A vida que dantes,
Me era pesada,
Tão amargurada,
Tão cheia de fel,
E ora existência
De ternas venturas,
De gratas doçuras,
De amores e mel.

Os copos dourados,
Amigos enchamos,
Amigos, bebamos
À Armia, e à amor!
Os cantos sonoros,
Os vivas ruidosos,
Os brindes faustosos,
Sejam em seu louvor!

 ★★★

À minha amiga
(Eutália de Barros Gurgel do Amaral)

CÁRMEN FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)

Sabes dum mal que leva ao desvario,
Que faz do sono uma segunda vida
E torna o rosto mais jovial sombrio?

Que ao desespero o coração convida,
Que os olhos dilatando a vista encurta,
E, dando forças, toda a força embrida?

Sabes dum mal que a inteligência furta,
Que fala muito quando nada fala
E a mais extensa vida torna curta?

Que se um minuto uma ilusão embala
O nosso pensamento entre venturas,
Todo o prazer ele irrompendo cala?

Sabes dum mal que leva as criaturas
De pesar, em pesar, de dor em dor,
Por uma galeria de loucuras?

Dizes que é o ódio, eu digo que é o amor.

★★★

Amigo

AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)

O rochedo é deserto. Ele avança.... recua...
e é preciso morrer, contudo. O vento geme
pavorosas canções nas árvores; a lua
pela face do mar, triste, indecisa treme.

Ele vacila; o abismo é pérfido, quem sabe
se a morte não será pior que a própria vida,
que a vida tormentosa e estúpida que cabe
àquele, cujo peito é uma aberta ferida?

Porém, silêncio – um grito ao longe como um canto
de saudade gemeu, um lamento de dó,
e logo um cão chegava, em cujo olhar o pranto
parecia pedir que o não deixasse só.

Ansiava soturno, o olhar na imensidade,
o tronco erguido ao vento, o aspecto hirto, selvagem;
meditou: vida... morte... inferno... eternidade...
– o corpo ergueu, volteou e... tombou na voragem.

Por um momento o cão esperou anelante;
pressentindo, porém,
que ele não vinha mais, num uivo lancinante,
atirou-se também.

★★★ 

Ode à Amizade

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA
"Poesias" (1861)

Amitié, don du ciel, soutien des grandes ames!
VOLTAIRE

De novo, ó musa, as asas empenemos;
Firam-se as áureas cordas
Da lira abandonada;
Os frescos vales do sagrado Pindo
Mais esta vez trilhemos.

Novo Alcides a clava sopesando,
As hidras, as quimeras
Caíam aos pés exangues;
A soberba enrugada, a vil mentira,
E tu, lisonja astuta!

Musa, filha do céu! que espírito aceso
Me alumia a mente?
Não é furor fingido. —
Nem são inspirações da velha Delfos,
É da amizade o estro!

Já desce lá do empíreo a sã verdade:
Fujam, profanos, fujam!
Aqueles que sentiram
Uma vez da amizade os meigos laços,
Venham ouvir meu canto.

Não em dourados tetos levantados
De marmóreo palácio,
Ou em dóricas arcadas,
Que sustentam as salas majestosas,
Mora a virtude santa.

Ó doce paz, sagrada liberdade,
Únicos bens do sábio!
Os ídolos da terra
Não vos conhecem. — Vós dormis tranquilas
No seio da amizade.

Enquanto na esquentada fantasia
Criando ocos fantasmas,
Frenéticos humanos
Suspirão por privanças e quimeras,
Que os sustos envenenam;

Nos campos inocentes, onde brinca
Zéfiro prazenteiro,
O sábio solitário
Ri desses doidos, ri do velho mundo
Com o discreto amigo.

Se sisuda tristeza lhe bafeja
Com hálito empestado,
Beijando a cara amada,
Em quem moram Cupidos cento e cento,
Inveja faz aos deuses.

E lá quando do negro trono estende
O plúmbeo cetro a noite
Sobre o cansado globo,
Sentado com o amigo à parca mesa
Conversa ledamente.

Umas vezes sondando altos mistérios
Vedados à vil turba,
Deixando o peso inerte,
Nada no espaço imenso, os globos pesa,
Milhões de soes encara!

Outras vezes baixando à humilde terra
Contempla a natureza:
As douradas espigas,
Que os prados vestem de formosas ceifas,
Observa, e se enternece.

Tu, Leibniz imortal, tu, grande Newton,
A razão lhe vigoras!
E incrédulo admira
Os vastos turbilhões, partos sublimes
Do criador Descartes.

Locke, Montesquieu, Rousseau, Voltaire,
Virgílio, Pope, Homero,
Camões, o padre Horácio,
Repartem os seus dias venturosos
Com a cândida amizade.

Assim, meu bom Filinto, caro amigo,
Com teu amigo Elísio
Possas viver teus dias!
E deixa que casquilhos repimpados
Namorem senhoritas.

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