6/28/2018

Temas Poéticos: FAMOSOS V


Trio de poetas

ANTÔNIO CRESPO
"Noturnos" (1882)

I
JOÃO DE LEMOS
(Ao Visconde de Pindela)

Na cidade gentil do austero estudo
Sobranceira ao Mondego sossegado,
Em cuja riba o sinceiral folhudo
De rouxinóis suspira gorjeado,

Foste erguido no côncavo do escudo
Pelos moços de outrora, e celebrado
Trovador, cavaleiro, e namorado...
Tempo de glórias! Como passa tudo!

No entanto às vezes, na província, quando
A um doce, honesto e feminino bando
Digo a LUA DE LONDRES, de repente

Da infância volvo à cândida simpleza,
E ondulam na minh'alma vagamente
trêmulas notas de fugaz tristeza.

I
JOÃO DE DEUS
(A Antero do Quental)

Sempre que o leio, sinto-me cativo
De um não sei quê, de infinda suavidade,
E entram comigo uns longes de saudade,
Que me deixam sisudo e pensativo.

Sonho: quisera, em triste soledade,
Viver das gentes apartado e esquivo,
E erguer-me a esse planeta primitivo
Onde resplenda a eterna mocidade.

Já o seu nome é tão suave e brando,
Tão eufônico, meigo e delicado,
Que fica nos ouvidos suspirando...

Diz a lenda que vive descuidado,
RAMOS tecendo, e FLORES emoitando,
Da Quimera nos seios reclinado.

III
JOÃO PENHA
(A Augusto Sarmento)


Nervoso mestre, domador valente
Da Rima e do Soneto português,
Não te iguala a perícia de um chinês
Na pintura de um vaso transparente.

Há no teu verso a música dolente
Da guitarra andaluza, e muita vez
Rompe em meio da estranha languidez
O silvo estriduloso da serpente.

No vinho e fel traçaste o escuro drama
Em que soluça e ri, na extensa gama,
Teu desgrenhado amor, doido e fatal...

Mas se do peito ansioso o dardo arrancas,
Teu canto exala as alegrias francas
De uma rubra Kermesse colossal.

★★★

A Gonçalves Dias

OLAVO BILAC
“Panóplias e outros poemas” (1888)

Celebraste o domínio soberano
Das grandes tribos, o tropel fremente
Da guerra bruta, o entrechocar insano
Dos tacapes vibrados rijamente,

O maracá e as flechas, o estridente
Troar da inúbia, e o canitar indiano...
E, eternizando o povo americano,
Vives eterno em teu poema ingente.

Estes revoltos, largos rios, estas
Zonas fecundas, estas seculares
Verdejantes e amplíssimas florestas

Guardam teu nome: e a lira que pulsaste
Inda se escuta, a derramar nos ares
O estridor das batalhas que contaste.

★★★

Beethoven surdo

OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo...
E o seu mundo interior cantava e restrugia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversão do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O Silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo...

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e podre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

★★★

Milton cego

OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)

Desvendava-se ao cego o mistério:
(As idades
Sem princípio; de sol a sol, de terra a terra,
A eterna combustão que maravilha e aterra,
Geradora de bens e de ferocidades;

Cordilheiras de espanto e esplendor, serra a serra,
De infinito a infinito; asas em tempestades,
Tronos, dominações, virtudes, potestades,
Luz contra luz, furor de chama e glória em guerra;

E os rebeldes, rodando em rugidoras vagas;
E o Éden, e a tentação, e, entre o opróbrio e a alegria,
O amor florindo ao pé da amaldiçoada porta;

E o Homem em susto, o céu em ira, o inferno em pragas;
E, imperturbável, Deus, na sua glória!...)
Ardia
O poema universal numa retina morta.

★★★

Miguel Ângelo Velho

OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)

"Vieram-lhe o amor e a poesia, no declínio da vida. Na mocidade, foi de costumes austeros. Aos cinquenta e um anos, conheceu Vittoria Colonna; escreveu para ela canções, sonetos, madrigais, exaltação do cérebro, temperada de misticismo; ela admirou-o, mas não o amou. Quando Víttoria morreu, Buonarrotti beijou a mão do cadáver, não ousando beijar-lhe a fronte."
M. Monnier — “La Renaissance”

E pensava: — "Perder a chama peregrina,
Que extrai da pedra um Deus, do barro imundo um Santo;
E este punho, que alçou a cúpula divina
De São Pedro, e amassou "Moisés" de luz e espanto;

E esta alma, que arquiteta os mundos na oficina:
O "Dia", força e graça, e a "Noite", sombra e encanto,
E o "Juízo Final" da Capela Sixtina
E "Judit", flor de sangue, e "Pietà", flor de pranto;

Tudo: tinta, pincel, escopro, camartelo,
Ouro, fama, poder, glória, gênio, virtude,
— Por um milagre só, no amor que me abandona:

Morrer, e renascer ardente, moço, belo,
E, como o meu "Davi", clarão de juventude,
Aparecer, sorrindo, a Vittoria Colonna!"


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