A Vida
(Num Álbum)
LUÍS DELFINO
"Poesias Líricas" (1934)
A vida é taça de
ouro, ou prata, ou argila,
E sempre a quer a
mocidade cheia:
Doiradas ilusões
fervem-lhe dentro,
Como orvalhos em páramos
de areia.
A vida é rio, que
murmura, ou brada,
Ora na mata à
sombra de arvoredo,
Ora em deserto, em
leito nu, sem flores,
Que vai em mar sem
fim morrer bem cedo.
A vida é flor em
cima de uma vaga,
Que em moles asas
leva à praia o vento:
Mas essa praia é o
colo de uma virgem,
Um louro, um
goivo, o espinho de um tormento.
Desata a vida por
serenos vales;
Não te despenhes
de alcantil sombrio;
Paga-te a queda o
estrépido ululoso,
Que não vale a
mudez de um claro rio;
De um claro, rio,
espelho transparente,
Que entre as rosas
da aurora o céu afaga,
Que embala a
tarde, nos seus véus dourados
Pondo uma estrela
à flor de cada vaga.
Assim sereno,
assim suave e calmo
Passa silente à
sombra da colina;
E a própria relva,
que lhe enfeita as margens
A dar flores
gentis o rio ensina.
Na taça de ouro de
inocentes crianças
Enche a
existência, que tão branda corre;
Sem nome, mas
também sem longas mágoas,
Ama a mulher, a
Deus, a Pátria... e morre.
Não vás aos cimos
desnichar as águias;
Não vás aos
bosques perseguir as feras:
Deixa que o sol de
luz os pés te banhe,
Vê à noite a
brilhar milhões de esferas.
Lutar com mares
não sabidos para
Novos mundos
achar, é só de poucos:
Esses vivem a
glória, e sombra, e sonhos,
Esses são sempre
mártires e loucos.
Ai! as visões!
essas visões eternas,
Esses fantasmas de
ouro, a que passado
Arrastam após si
uma existência...
Não sigas... Foge
ao abismo inda ignorado.
Ninguém é Prometeu
sem ter dos deuses
Ferros, torturas,
quedas desastrosas:
Melhor vida é
viver indo entre lírios,
E dormir,
acabando, em chão de rosas...
Vida
RONALD DE CARVALHO
"Poemas e Sonetos" (1919)
Para um destino
incerto caminhamos,
Tontos de luz,
dentro de um sonho vão;
E finalmente, a
glória que alcançamos
Nem chega a ser
uma desilusão!
Levanta-se da sombra,
entre altos ramos,
Como um fumo a
subir, lento, do chão,
A distância que
tanto procuramos,
E os nossos braços
nunca atingirão.
Mas um dia,
perdidos, hesitante,
A alma vencida e
farta, as mãos tateantes,
De repente,
paramos de lutar;
E ao nosso olhar,
cansado de amargura,
As montanhas têm
muito mais altura,
O céu mais astros,
e mais água o mar!
Ponderação da vida humana
MANOEL BOTELHO
DE OLIVEIRA
"Lira
Sacra"
(Século XVII)
Homem que
queres? vida regalada:
vida que
solicitas? larga idade:
idade que procuras?
liberdade:
liberdade que
logras? prenda amada:
prenda que conta
fazes? conta errada:
conta que somas
já? pouca verdade:
verdade que
descobres? a vaidade:
vaidade que
pretendes? tudo e nada:
tudo que ganhos
dá? perda notória:
perda que vem a
ser? de Deus eterno:
Deus que vida
nos presta? transitória:
transitória que
aspira? ao céu superno:
Céu que nos
oferece? a eterna glória:
glória que nos
evita? o triste inferno.
A vida e a morte
LUÍS DELFINO
“Algas
e Musgos” (1927)
Para que serve a
vida? — me disseste:
Tremi, como
haste ao vento, assim te ouvindo,
Mas pela sombra
do teu rosto lindo
Vi pranteando o
teu olhar celeste.
A vida é isto, o
beijo, que me deste,
Que a impregnou
toda de um olor infindo:
E a morte, o
incêndio de um silvado agreste,
Onde há ninhos e
pássaros dormindo.
Do ninho em
breve os pássaros cantando
Surgem de asas e
de ouro enchendo a esfera,
Brincam flores
ao sol, no vale, em bando.
E a morte diz à
vida extinta: — Espera!
E em carro azul
irrompe, inda chorando,
O Riso e o amor
puxando a Primavera...
A Vida
LUÍS DELFINO
"Imortalidades" (1941)
Quando às vezes me levas de vencida,
E é teu desejo o
abismo entrar comigo,
Dizes, Helena, e
é teu primeiro artigo,
Que o mesmo sol
parece uma ferida,
E não é sangue,
é luz que sai... — Querida,
Seja o que for,
que tem? Nada maldigo:
A vida não é
prêmio, nem castigo,
A vida é pura e
simplesmente a vida.
Quem quiser pode
achar esta obra santa:
Não é amor só o
leão para a leoa?
Do veneno que dá
chorando a planta,
Nasce um bálsamo
bom, que o mal perdoa;
O orgulho é mau,
porém Titãs levanta;
E abre e azula o
céu todo uma ação boa...
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