Invocação
à Saudade
BERNARDO GUIMARÃES
“Inspirações da Tarde” (1858)
Oh! filha melancólica dos ermos,
Consolo extremo, e amiga no infortúnio
Fiel e compassiva;
Saudade, tu que única inda podes
Nest'alma, erma de amor e de esperança,
Um som vibrar melodioso e triste,
Qual vento, que murmura entre ruínas,
Os gemebundos ecos acordando;
Vem, ó saudade, vem; — a ti consagro
De minha lira as magoadas cordas.
Quando o sopro da sorte impetuoso
Nos ruge n'alma, e para sempre a despe
Do pouco que há de amável na existência;
Quando tudo se esvai, — ledos sorrisos,
Suaves ilusões, prazeres, sonhos,
Ventura, amor, e até a mesma esp'rança,
Só tu, meiga saudade,
Fiel amiga, jamais nos abandonas!
Jamais negas teu bálsamo piedoso
Às chagas do infortúnio!
Qual de remotas, flóridas campinas
Da tarde a branda aragem
Nas asas nos conduz suave aroma,
Assim tu, ó saudade,
Em quadras mais ditosas vais colhendo
As risonhas visões, doces lembranças,
Com que vens afagar-nos,
E ornas do presente as sendas nuas
Co'as flores do passado.
Não, não é dor o teu pungir suave,
É um triste cismar que tem delícias,
Que o fel aplaca, que nos ferve n'alma,
E o faz correr banhando áridos olhos,
Em mavioso pranto convertido.
No íntimo do peito
Despertas emoções que amargam, pungem,
Mas fazem bem ao coração, que sangra
Entre as garras de austero sofrimento!
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Agora que do dia a luz extrema
Se expande a frouxo nos calados vales,
Lá do róseo palácio vaporoso
Desce, ó saudade, vem, num desses raios
Que se escoam do ocaso enrubescido,
Envolta em nuvem mística e diáfana,
Lânguido o olhar, a fronte descaída,
Em minha solidão vem visitar-me,
E oferecer-me a taça misteriosa
Onde vertes a um tempo o fel e o néctar.
Agora, que o africano a enxada pondo,
Da terra de seus país saudades canta
Aos sons de tosca lira, e os duros ferros
Da escravidão por um momento esquece,
Enquanto no silêncio desses vales
Soa ao longe a canção do boiadeiro,
E o sabiá na cúpula virente
Ao manso rumorejo da floresta
Mescla o trinar de mágicos arpejos,
Vem, ó saudade, leva-me contigo
A alguma encosta solitária e triste,
Ou ignorado vale, onde só reine
Mistério e solidão;
Junto a algum tronco antigo, em cuja rama
Passe gemendo a viração da tarde,
Onde se ouça o monótono queixume
Da fonte do deserto.
Lá, ó saudade, cerca-me das sombras
De maviosa, plácida tristeza,
Que em lágrimas sem dor os olhos banha;
Vem, que eu quero cismar, até que a noite
Fresco orvalho esparzindo-me na fronte,
De meu doce delírio mansamente
Me venha despertar.
★ ★★
Gratidão
e Saudade
(Recitada no Teatro)
(Recitada no Teatro)
BULHÃO PATO
“Versos” (1862)
De cândidos sonhos, de luz, e de flores,
Cercada a existência começa a sorrir;
Alegre o presente nos fala de amores,
De amores nos fala brilhante o porvir!
Depois no horizonte sereno, e risonho,
Carregam-se as sombras, perturba-se a luz,
Esvai-se a ventura veloz como um sonho,
Que apenas instantes na vida reluz!
Assim penetrando no mundo das artes,
Ao tímido lume de frouxo clarão,
Olhava, e só via por todas as partes,
A meiga esperança sorrindo em botão!
De lírios e rosas grinalda fragrante,
Cuidei mais ainda: cuidei vê-la aí;
Nos braços a aperto, convulsa, anelante,
Aos lábios a levo, na fronte a cingi!
Foi breve este sonho de amor, e de encanto;
Acordo, e procuro debalde uma flor;
Inundam-se os olhos de angústia e de pranto,
Ao ver que só restam espinhos e dor!
Só restam espinhos das pálidas rosas,
A quem pobre artista não ousa pedir
Os louros fragrantes, as palmas viçosas,
Que a fronte de gênio só devem cingir!
Só restam espinhos? ai, não! Se a ventura,
Não quis que durasse tão meiga ilusão,
Em paga deixou-me no peito a doçura.
De terna, suave, leal gratidão!
Que a voz do mais fundo, mais íntimo d'alma,
Sincera tributa nesta hora o dever!
Embora outras palmas morressem, — a palma
De gratas memórias não pode morrer!
Desfeitos os sonhos, fanadas as flores,
Quebrado o encanto da pura ilusão,
Que resta ao artista? — espinhos e dores,
Saudades! mais nada no seu coração!
Saudades da glória, da luz, da ventura,
Dos mágicos sonhos, presente dos céus,
Saudades que atestam a funda amargura,
Que sente ao dizer-vos agora um adeus!
Cercada a existência começa a sorrir;
Alegre o presente nos fala de amores,
De amores nos fala brilhante o porvir!
Depois no horizonte sereno, e risonho,
Carregam-se as sombras, perturba-se a luz,
Esvai-se a ventura veloz como um sonho,
Que apenas instantes na vida reluz!
Assim penetrando no mundo das artes,
Ao tímido lume de frouxo clarão,
Olhava, e só via por todas as partes,
A meiga esperança sorrindo em botão!
De lírios e rosas grinalda fragrante,
Cuidei mais ainda: cuidei vê-la aí;
Nos braços a aperto, convulsa, anelante,
Aos lábios a levo, na fronte a cingi!
Foi breve este sonho de amor, e de encanto;
Acordo, e procuro debalde uma flor;
Inundam-se os olhos de angústia e de pranto,
Ao ver que só restam espinhos e dor!
Só restam espinhos das pálidas rosas,
A quem pobre artista não ousa pedir
Os louros fragrantes, as palmas viçosas,
Que a fronte de gênio só devem cingir!
Só restam espinhos? ai, não! Se a ventura,
Não quis que durasse tão meiga ilusão,
Em paga deixou-me no peito a doçura.
De terna, suave, leal gratidão!
Que a voz do mais fundo, mais íntimo d'alma,
Sincera tributa nesta hora o dever!
Embora outras palmas morressem, — a palma
De gratas memórias não pode morrer!
Desfeitos os sonhos, fanadas as flores,
Quebrado o encanto da pura ilusão,
Que resta ao artista? — espinhos e dores,
Saudades! mais nada no seu coração!
Saudades da glória, da luz, da ventura,
Dos mágicos sonhos, presente dos céus,
Saudades que atestam a funda amargura,
Que sente ao dizer-vos agora um adeus!
★ ★★
Saudade
(Ao Desterro)
(Ao Desterro)
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Ilha gentil do Sul, filha misteriosa
De uma verde Anfitrite e voluptuoso poeta,
Que ampla saudade morde aqui minha alma inquieta,
Terra, em que o sol à fronte abre como uma rosa.
Dera-me um
deus beijá-la, — assim como a queixosa
Onda, em que anda a estuar uma paixão secreta,
A oscula e agarra, e põe-lhe em curva graciosa
O anel de ouro e esmeralda ao cinto, que a completa.
Onda, em que anda a estuar uma paixão secreta,
A oscula e agarra, e põe-lhe em curva graciosa
O anel de ouro e esmeralda ao cinto, que a completa.
Mãe,
trouxeste ao nascer os ombros nus de Vênus,
E a concha onde só cabem teus dois pés pequenos;
Quando teu filho, em longo exílio abandonado,
E a concha onde só cabem teus dois pés pequenos;
Quando teu filho, em longo exílio abandonado,
Deusa,
ninguém lembrar que foi teu filho, ainda
Terás dos Imortais a juventude infinda,
E o vasto amor do Oceano hirto, e jamais saciado...
Terás dos Imortais a juventude infinda,
E o vasto amor do Oceano hirto, e jamais saciado...
★ ★★
Saudade
AUTA DE SOUZA
“Poemas”
Ah! se soubesse quanto sofro e quanto
Longe de ti meu coração padece!
Ah! se soubesses como dói o pranto
Que eternamente de meus olhos desce!
Ah! se soubesses!... Não perguntarias
De onde é que vem esta sombria mágoa
Que traz-me o peito cheio de agonias
E os tristes olhos arrasados d’água!
Querem que a lira de meus versos cante
Mais esperança e menos amargura,
Que fale em noites de luar errante
E não invoque a pobre noite escura.
Mas... como posso eu levar sonhando
A vida inteira num anseio infindo,
Se choro mesmo quando estou cantando
Se choro mesmo quando estou sorrindo!
Ouve, ó formosa e doce e imaculada,
Visão gentil de eterna fantasia:
Minh’alma é uma saudade desfolhada
De mãe querida sobre a cova fria.
Ah! minha mãe! Pois tu não sabes, santa,
Que Ela partiu e me deixou no berço?
Desde esse dia a minha lira canta
Toda a saudade que lhe inspira o verso!
Depois que Ela se foi a Mágoa veio
Encher-me o coração de luto e abrolhos.
Eu sofro tanto longe de seu seio,
Eu sofro tanto longe de seus olhos!
Ó minha Eugênia! estrela abençoada
Que iluminas o horror deste deserto...
De teu afeto a chama consagrada
Lança à minh’alma como um pálio aberto.
Quando beijares teus filhinhos, pensa
O que seria deles sem teus beijos;
E, então, compreenderás a dor imensa,
A amargura cruel destes arpejos!
Junta as mãozinhas dos pequenos lírios,
Das criancinhas que tu’alma adora,
E ensina-os a rezar sobre os martírios
E a saudade infinita de quem chora.
★ ★★
Saudade
AUGUSTO DOS ANJOS
“Eu e Outras Poesias” (1912)
Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença.
À noite quando em funda soledade
Minh’alma se recolhe tristemente,
Pra iluminar-me a alma descontente,
Se acende o círio triste da Saudade.
Minh’alma se recolhe tristemente,
Pra iluminar-me a alma descontente,
Se acende o círio triste da Saudade.
E assim afeito às mágoas e ao tormento,
E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida à dor e ao sofrimento,
E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida à dor e ao sofrimento,
Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.
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