6/21/2018

Temas Poéticos: PRIMAVERA I



OLAVO BILAC
“Alma Inquieta” (1888)

Ah! quem nos dera que isto, como outrora,
Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
Que inda juntos pudéssemos agora
Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
"Beijemo-nos! amemo-nos! espera!"

E esse corpo de rosa recendia,
E aos meus beijos de fogo palpitava,
Alquebrado de amor e de cansaço...

A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia a primavera... E eu te levava,
Primavera de carne, pelo braço!

★★★

Primavera

BULHÃO PATO
“Versos” (1862)

Contempla este céu esplêndido,
Ouve aquelas melodias
De tanta ingênua avezinha,
Que alegre, os serenos dias
Da primavera adivinha.

Não vês a olaia? vaidosa!
Só por ver que a amendoeira,
Mais cedo desabrochou,
Vermelha como uma rosa,
De repente se tornou.

Oh! bem vinda primavera!
Ao ver o sorriso terno
Da tua boca divina,
O prado, o monte, a campina,
Que o triste e gelado inverno
Sem piedade devastou,
Num momento se animou!

Em teu regaço a abundância,
Esperançosa floresce;
À sombra de teus verdores,
Entre a suave fragrância
De tuas variadas flores,
Contente o pobre adormece.

E tu, minha vida, ao ver-te
Sozinha a meu lado agora,
Nesta estação, nesta hora,
Neste encantado lugar,
À sombra dessa verdura
Onde frouxa a luz desmaia,
Ante o mar que além suspira
Na loira areia da praia,
Não vês que a razão delira,
Que dentro do coração
Não cabe tanta ventura?!

Falta a vida, sim, a vida,
Para esta alegria imensa,
Das nossas almas, querida!
Viva, ardente, pura, intensa,
Nesses olhos brilha a chama
Do amor que tua alma encerra;
Alma que ao sopro de Deus
Em divino amor se inflama,
Alma que veio dos céus,
E que não cabe na terra.

Fugaz, transitório, vão,
Será para nós o encanto
Que nos enche neste instante
De ventura o coração?

Será! que importa? constante
Virá depois a saudade,
Abraçar essas memórias
De infinda felicidade;
Como ao templo aonde as glórias,
De paz, de amor, de alegria,
Se celebraram um dia,
Mas templo que ao chão tombou,
Se abraça a hera viçosa,
Reveste as pobres ruínas,
Amparando carinhosa
Esse resto que ficou!

Uma lágrima estremece,
Vem de teus olhos à flor!
Minha vida, esquece, esquece,
Que pode haver na existência
Momentos de acerba dor!
O sopro da Providência,
Vivo está, vivo respira,
Neste céu desassombrado,
Na corrente que suspira,
Neste cântico inspirado,
Que as aves soltam no vale,
E dele provém a essência
Do nosso amor imortal!

Contempla o vasto horizonte
Que o sol vivido ilumina;
Olha as flores da campina;
Escuta as águas da fonte;
Respira esta aragem pura,
Embalsamada, e suave;
Ouve o cântico dessa ave,
Que improvisa na espessura!

Recolhe n'alma o perfume,
Desta encantada poesia.
Deste sol, desta alegria,
Que em torno de nós fulgura,
E responde, minha vida,
Se a nossa alma neste instante
Pode com tanta ventura!

★★★

Volta da Primavera

LUÍS DELFINO
“Imortalidades” (1941)

Helena, é um grande ninho azul a esfera:
Anda tudo a cantar e tudo canta:
E a flor, que oscila sobre aquela planta,
Vive a cantar também. — Oh! Primavera!...

Diz o pássaro à flor: — Ó flor, espera! —
Para, e a beija: e ao pássaro — Com tanta
Pressa não vás — o vento diz: e o espanta;
(Que o vento à flor um príncipe trouxera,

Num manto de turquesa transparente!...)
De lá transborda uma canção sonora:
Há perto um ninho num rosal florente;

Ouve-se um hino de esponsais: cá fora;
A luz cicia em cima da corrente...
Oh! Primavera!... Tudo é belo agora!...

★★★

A Primavera

LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)

A hora, que chega, vê que é tempo, e deixa
A solta a mata, filha predileta:
E logo o verde rolo da madeixa
Desata ao vento, que ela aspira inquieta.

No vento um silfo oculto o afago enceta,
Ninhos e aromas, que nas mãos enfeixa,
Põe-lhe no seio e trança: a pobre é queixa,
Queixa em cio, como alma azul de poeta.

Toda carícia, ardor, canções, perfume,
Geme de gozo, como se a beijasse
Boca cheia de beijos de algum nume.

E a erguer-se na alva a arfar, se crê que nasce
Noiva tímida ao sol, e ante o seu lume
Nua, em flores e renda esconde a face...

★★★

O Crime da Primavera

LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)

Vamos depressa, que arde tudo; vamos:
Lá funâmbula saturnal tremenda;
Haja somente ali quem os entenda,
Que há de ouvir os tiés e os gaturamos

Sob os arcos, que alonga o bosque em tenda,
Vaiando a dança e os ósculos dos ramos;
Cobrem mesmo da moita a verde renda
Largos idílios de répteis, que odiamos.

O campo é um vasto leito de noivado:
Fala-se baixo, o riso é soluçado,
A voz das coisas trêmula e queixosa.

Do conúbio a açucena melindrosa
Vai da açucena dar um céu ao prado;
Quantas rosas vão vir de uma só rosa!


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